Música & Afins – Elis (1973) – Edu Pedrasse

Posted on 25 de fevereiro de 2014 por

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Elis já vinha mudando seu som desde o disco “Elis” de 1972. Mudando de gravadora, compositores e estilo. Deixava ao poucos de ser aquele “furacão” dos anos 60, com aquela história de Arrastão, braços voando, o estilo de samba debochado com Jair Rodrigues no Fino da Bossa, ou o pseudo Samba-Jazz, excessivo e exuberante.

Mas o principal artífice dessa mudança – creio eu – foi o pianista César Camargo Mariano. Músico sutil e refinado tornara-se também, além de marido de Elis, seu pianista e arranjador.

Sem a paranóia do Jazz que assolava os pianistas brasileiros da época, César estava muito mais ligado na canção, no lado Pop da história. E encontrou em Elis uma parceira perfeita. Todo mundo falou que Elis mudou depois de encontrá-lo. Ficou mais discreta, precisa, talvez mais séria também. César amansou Elis. No bom sentido.

“Elis”, de 1973, é uma obra camerística. Uma amálgama de Samba, Bossa Nova, Tango, Pop, experimentalismo e Jazz – durando menos de trinta minutos. Somente o essencial.

É também um disco obscuro da discografia de Elis. Dele foram retirados alguns Hits que entraram em dezenas de coletâneas da cantora e que, de certa forma, não revelam a intenção do álbum original. Aliás, as coletâneas podem ser verdadeiras armadilhas para os músicos. Muitas vezes escondem o conceito de uma época e de uma obra. São feitas sobre o arbítrio das gravadoras e mostram, em um catado de sucessos de várias discos, climas e conceitos. Uma zona.

O disco abre com uma faixa de Gilberto Gil, Oriente. Uma música experimental que virou um arranjo sombrio, com largo uso de sintetizadores e teclados eletrônicos. A fúria do fusion de Miles Davis cantada em português.

A seguir outra viagem experimental. Caçador de Esmeraldas de João Bosco. Na letra psicodélica, um paralelo entre a saga desesperada do bandeirante Fernão Dias atrás de esmeraldas no sertão brasileiro e o amor entre quaisquer brasileiros “num fusca duas portas”. Nesta faixa temos a guitarra esperta de Toninho Horta, em um arranjo que parece trilha de filme dos anos 70.

Doente Morena. Outra de Gil. A psicodelia parece não ter fim. Uma balada jazz com samba canção, Guitarras, sintetizadores e uma letra mórbida.

 Agnus Sei – uma clara referência a Agnus Dei –  contado a palhaçada religiosa da história das Cruzadas,  e fazendo um paralelo com a repressão do regime militar vigente.  O arranjo, ao invés de bateria usa tímpanos de orquestra. E é claro, os órgãos, teclados e sintetizadores de César, levando (desde a primeira faixa) o disco para um clima mais moderno que nunca.

Finalmente o samba. Meio de Campo, de Gilberto Gil. Aí começa a reinvenção. Nunca se tinha tocado tal ritmo deste jeito. Nem Bossa, nem Samba-Jazz, nem Samba Raiz. Tudo junto.

Quando achamos que as surpresas acabaram vem um tango. Sim. A música, de João Bosco – Cabaré – desnuda o ambiente desesperado de uma casa noturna. Pode-se sentir o cheiro de bebida, cigarros e perfume vulgar: “Um cuba-libre treme na mão fria/o triste strip- tease da agonia”. Piazzola possuído.

 Ah…agora o grande hit do disco: Ladeira da Preguiça de Gil. Não vou me perder falando de uma música que todo mundo já ouviu à exaustão. Pra mim é genial. Samba dentro do vidrinho.

A seguir uma aula de fricção cultural. Um arranjo que contempla o teclado Phase-Shift (não me venham perguntar que joça é essa, estava no encarte) e o surdão da escola de samba em um música fabulosa de Nélson Cavaquinho. Folhas Secas

Logo se pensa que tudo vai acabar em samba surge a música mais soturna do disco.  Uma levada de partido alto, anos 70, lenta, cheia de sombras, com texturas de timbres de filme de terror, acomodando uma letra enigmática de João Bosco, que sugere sexo, morte e vudu: Comadre.

Acabamos com um arranjo absurdo de um samba de carnaval antigo. A delicadeza da recriação da canção é uma coisa de espantar. Depois disso a MPB tinha mudado. E nunca se voltaria a tocar samba como antes. É com esse que eu vou.

 Comadre 

Edu Pedrasse é músico profissional – guitarra e violão – há 28 anos. Professor particular de música, possui Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP. Também é professor universitário na UNIMEP, no curso de Música Licenciatura. Atua com seu show Entartete Jazz, nas casas noturnas de Piracicaba e região.

Site: www.edupedrasse.com

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