Música & Afins -Plastic Ono Band (1970) – John Lennon – Por Edu Pedrasse

Posted on 4 de março de 2014 por

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1970.

O Beatles tinham acabado. Hendrix e Joplin morreram. Um negro foi assassinado no Festival de Altamont pelos seguranças dos Stones.

O mundo vivia uma ressaca da Contracultura, do movimento Flower-Power e da cultura Hippie.

E Lennon?

Lennon tinha acabado de sair de um vício de heroína, de um final amargo e conflituoso com os Beatles, se envolvendo em dezenas de protestos e ativismos políticos. E perturbado como sempre.

Todo mundo queria saber o que o gênio ia fazer agora.

Será que iria ficar fazendo aquele som experimental “com aquela japonesa maluca” como já tinha lançado no disco Two Virgins ou The Plastic Ono Band- Live in Toronto?

Não. Lennon fez o que toda pessoa sábia faz quando não está bem da cabeça. Foi ser tratar. Voou para nova York e começou a fazer a Teoria do Grito Primal – que pregava entre coisas o reviver das dores do passado e sua liberação através…do grito.

Parece que funcionou. Logo voltando para Londres, chamou alguns velhos amigos para gravar: o baixista Klaus      Voormann e….o velho Ringo Star. Sim, eles dois se davam bem ainda.

O Lp é feito de músicas que escancaram a alma e as dores de Lennon. Possivelmente nenhum artista antes tenha se exposto nas letras, na voz, de um jeito tão confessional. Soltou seus demônios. Ou melhor, assumiu-os para depois expulsá-los.

Instrumentalmente é um disco básico, gravado de um modo cru, no mesmo espírito que quando nos abrimos com um velho amigo: direto. O grande Ringo, educadíssimo como sempre, executa uma bateria minimal, precisa e com pouquíssimas notas, deixando um espaço enorme para Lennon. Sensibilidade de poucos… Klaus Voormann segue na mesma linha. Lennon toca piano, violão e guitarra. Temos as participações sutis em duas faixas: os pianos de Billy Preston e Phil Spector.

O som do disco é roto, a produção e mixagem foram feiras pelo próprio Lennon, que não se importou muito em realizar os arranjos elaborados que fazia nos Beatles. Os arranjos têm poucos elementos, deixando espaço para o alvos principais: as composições de Lennon e a catarse das mesmas na sua voz.

E temos dor. Muita dor.

Na faixa de abertura, “Mother”. Lennon chora e acusa os pais sobre a sua infância solitária – ele foi criado pela tia. Aí já vemos os efeitos da teoria do grito primal, com Lennon assustadoramente berrando no refrão, como se estivesse sofrendo um aborto. E sabiamente ressalvou no seu primeiro show no Madison Square Garden, após o lançamento do disco: “Essa música não só para meus pais, é parar 99% dos pais”.

Lennon sempre gostou de um rock bem “pegado”.  Mas neste disco são poucas intervenções mais pesadas. Ela posa de bluesman no início das músicas “I Found Out” e “Well, Well, Well”, para depois entrar na porrada na parte dos refrões. Aliás, para quem subestimava John como guitarrista no Beatles, aí pode vê-lo em toda sua graça: economia, timbres bem escolhidos, soluções eficientes. A guitarra é pesada e agressiva sem brigar com a voz. Profeticamente ele já colocava no ar a estética punk e indie.

Nos Beatles Paul era conhecido como o homem das músicas suaves e românticas, enquanto Lennon era mais ácido. Mas quando queria ser suave e doce não sobrava pra ninguém. A doçura de John vem sempre misturada com um melancolia profunda, o que torna suas baladas verdadeiras agulhas, que pegam o ouvinte em todas as direções. E neste Lp, devido ao difícil momento que passava, sobram canções “de recolhimento”, reflexão e amor.

Ainda em Lua de Mel com Yoko, John lança na segunda faixa a cálida “Hold on” um conselho para que ele e a esposa segurem a barra do momento. Interessante os motivos de música japonesa na melodia e na guitarra da primeira parte. Rosas para a esposa.

Working Class Hero é outra balada, com Lennon sozinho ao violão, criticando pesadamente o modo de vida suburbano e acomodado das pessoas. É de uma amargor e beleza atroz: “Keep you doped with religion and sex and TV / And you think you’re so clever and classless and free “(Mantem você dopado com religião, sexo e TV / E você acha que é tão inteligente, inclassificável e livre)

Na linha baladas ainda temos as delicadíssimas “Love” e “Look at Me”, elegias ao amor. Letras aparentemente tolas falando coisas profundíssimas.

Love is free, free is love          O amor é livre, livre é o amor

Love is living, living love           Amor é viver, viver o amor

Love is needing to be loved     O amor é a necessidade de ser amado

Depois as duras Isolation – sobre o seu medos e de Yoko- e Remember, em uma breve alusão à Conspiração de Pólvora na Inglaterra, uma conversa com Guy Fakes, aquele cuja máscara de bigode foi tão banalizada nas má-nifestações de rua no Brasil.

O disco acaba com uma bomba de 100 megatons:  GOD

Lennon manda todas as religiões, líderes e mártires para o espaço, da forma que só ele sabia fazer.

God is a concept, “by which we measure our pain.” (Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor)

P.S. Pra alguém não vir me falar que o disco tem ainda mais uma faixa no final, tem sim. Mas é quase uma “ghost track”, música incidental (1m1s). O famoso som “de radinho”, que viria a ser usado muuuuuuuuito depois pelas bandas descoladas já estava lá: My Mummys Dead.

 Ave Lennon.

 Love

Edu Pedrasse é músico profissional – guitarra e violão – há 28 anos. Possui Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP. É professor universitário na UNIMEP, no curso de Música Licenciatura e também é professor particular de música. Atua com seu show Entartete Jazz, nas casas de espetáculos de Piracicaba e região.

Site: www.edupedrasse.com

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