Coluna da Carla. Análise do filme: “E se fôsse verdade” Sub-título: Sim, sou piegas e assisto comédia romântica.

Posted on 3 de março de 2014 por

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e se fosse verdade

“E se fosse verdade”  (Dirigido por Mark Walters, com Reese Witherspoon, Mark Ruffalo e Donal Logue)

Mexendo nos “guardados”, encontrei e assisti novamente ao filme: “E se fôsse verdade”. Pus-me a pensar…

No começo da trama, a heroína adormece e se transporta para um jardim muito bonito que_ no decorrer do filme_ revela-se como o jardim que foi idealizado e construído pelo herói e com o qual ele identifica o seu verdadeiro “eu”. Isto se demonstra quando_ no momento do filme em que ele se descobre e deseja mostrar à moça quem ele é_ o mesmo  propõe a ela um passeio ao referido jardim.

Se a moça se desloca para este local_ como vimos acima, tão significativo_ antes mesmo de conhecer o rapaz, logo no início da trama, podemos deduzir que há entre eles uma forte ligação anterior, poderíamos falar em vidas passadas ou no mito de Platão sobre as duas metades que se encontram ou ainda em predestinação. Não é apenas a mera coincidência de que seriam apresentados um ao outro, é algo bem mais intenso.

O modo brusco como o acidente se deu e a forte ligação da moça com o mundo material não permite que seu espírito se aperceba de sua condição atual (o coma). Seu envolvimento maior era com o trabalho, com a organização e limpeza de seu apartamento (incomoda-se com as manchas do copo em cima da mesa)_ embora fôsse amorosa, paciente e gentil com os pacientes e afetuosa com a irmã e as sobrinhas. O coma representa uma fase meditativa, de pouca ação, mas muito pensar.

O acidente repentino e violento ocasiona um choque psicológico, no qual ela se encontra confusa, não é reconhecida pelos outros ou, simbolicamente, não se reconhece? O coma é um momento de reflexão, onde a heroína questiona seus próprios valores.

O rapaz também está traumatizado pela morte súbita da esposa e, no fundo, esquecido de quem, verdadeiramente, ele é.

Ambos os personagens estão precisando “acordar” para a vida e para os verdadeiros valores:  sentimentos, relações afetivas, realizações: pessoal e profissional com bom-senso e equilíbrio.

De modo oposto, um ajuda o outro a descobrir sua verdadeira identidade e a redescobrir os potenciais de cada. Ele, afundado na preguiça, na depressão e na auto-comiseração.  Ela, afundada na obsessão pelo sucesso profissional. Ele precisa readquirir o prazer de viver, o amor pelo trabalho e o amor por si mesmo. Ela precisa valorizar mais as relações afetivas tanto familiares, quanto pessoais. Redescobrir o prazer e a alegria é o que ambos precisam.

O Senhor da Vida, a Vida, a nossa essência, como queira acreditar, sempre nos oferece muitas oportunidades para que caminhemos rumo ao desenvolvimento espiritual-emocional e à felicidade. Nem sempre essas oportunidades “colam” em nossa “cara”, como no caso do anúncio do apartamento que “cola” no rosto do rapaz_ o qual é surpreendido pela insistência deste anúncio, grudando nele.  Mesmo que essas  não sejam tão óbvias como nesse caso, a Vida sempre nos oferece belas oportunidades, muitas vezes insistentemente, mas cabe a nós enxergá-las e aproveitá-las.

Apesar da confusão mental por conta do trauma do acidente, a protagonista não esquece quem ela é em sua essência. No restaurante, quando um cliente passa mal, ela sabe os procedimentos adequados ao caso. Quando a moça encontra o rapaz em sua cama, ela o inquire com perguntas típicas de uma anamnese médica, mostra-se autoritária  e controladora, mas_ ao mesmo tempo_ preocupada com o bem-estar do outro.

O esquecimento e a invisibilidade perante outros simbolizam a distância de seu “self”, de seu verdadeiro-eu.

Desde tempos imemoriais que o homem tenta compreender o mundo espiritual e a existência de Deus. Para isto, a humanidade acabou criando várias religiões e, equivocadamente, também vários rituais, superstições e magias. E a busca na qual se encontra o par romântico aparece esta necessidade ritualesca.

Mas, o fundamental é trabalhar a fé e o amor. O padre que tenta exorcizá-la, assim como os orientais que tentam expulsá-la do apartamento não se sensibilizaram, não se conectaram com o espírito da heroína, isto é, não a compreenderam afetivamente e por isto não a atingiram.

O rapaz da livraria, apesar da ignorância e do misticismo, sensibiliza-se com as pessoas: encarnadas ou desencarnadas e dessa forma, empatiza-se com elas, percebendo-as e compreendendo os sentimentos delas.

O amor é a mola propulsora que leva ao entendimento entre os homens e ao crescimento espiritual. Como diria o apóstolo Pedro: “O amor cobre a multidão dos pecados”.

O rapaz da livraria tem compaixão pelos seus semelhantes e quer ajudá-los. Dotado de uma sensibilidade maior, percebe as emoções alheias e as sensações emanadas pelos heróis do filme. O moço, em depressão, denota pouca energia positiva e produtiva, emanando tristeza, desolação e desesperança. Já a moça emana energia, vontade de trabalhar, agindo na busca para sair da situação em que se encontra. O rapaz está acomodado pela enorme culpa que sente referente à morte da esposa e pela não aceitação dessa morte, que lhe oprimem e paralisam suas ações.

Mas, eles só descobrem a verdade e a si mesmos quando iniciam uma relação de ajuda mútua, pois ela solicita o auxílio dele, mas ambos necessitam um do outro. Mais uma vez, é o amor que os impulsiona. Nesse momento, o amor ao próximo.

No hospital, quando a moça descobre que está em coma e quem ela é, paralelamente, o rapaz passa a tomar as rédeas da sua vida e ao voltar para o apartamento, faz sua primeira refeição saudável: legumes e ovos fritos: eis o cuidado consigo.

Amando_ cada um a si mesmo_ é que poderão amar um ao outro e aos seus próximos.

Na iminência de ter os aparelhos desligados é que nossa heroína descobre o valor das relações afetivas, do apoio de sua irmã, de que um fracasso encerra em si mesmo a oportunidade do aprendizado psicológico e espiritual, já que  “crescemos na dor” e a oportunidade do amparo, do conforto ao saber que somos amados, mesmo quando temos insucessos. Ela recorda-se do dia em que foi reprovada no exame para medicina e divertiu-se por estar em comunhão com sua irmã e pelo amor incondicional dela. A protagonista, então, descobre o devido valor das relações afetivas_ mais importantes que o êxito ou o fracasso. É neste momento crucial do filme que ela descobre também o valor da alegria. Não a euforia, mas a alegria, que é o embasamento de nossas atitudes positivas. A alegria somada ao amor nos impulsiona para lutarmos por nossos objetivos com perseverança e boa-vontade. Impulsiona-nos também ao amor ao próximo, à compaixão e, conseqüentemente, à caridade. O produto desses dois estados-de-espírito contagia os que estão ao nosso redor, melhorando o nosso pequeno mundo. Quando nos sentimos alegres, gratos à vida e amorosos temos boa disposição, dando oportunidade para as soluções criativas.

Recordemos que Jesus iniciou sua missão evangélica transformando a água em vinho nas Bodas de Caná. Qual a razão desse feito, se não pela alegria de servir a um amigo? Ele não curou, não proferiu sermão, não contou nenhuma parábola, mas ensinou-nos que ajudar é por onde começam os Seus ensinamentos. Onde Ele iniciou sua missão? Em uma festa, ocasião em que a alegria domina o ambiente, quando as pessoas se reúnem para comemorar.

A depressão e o pessimismo que acometeram o rapaz diante da morte da esposa levaram-no a comportamentos destrutivos. A tristeza torna-nos vitimas egocêntricas, fechados às oportunidades que a vida tão prazerosamente nos oferece. Deixamos de amar a nós mesmos e de nos importamos com as outras pessoas. Portanto, o culto à tristeza excessiva opõe-se ao amor. (Não estou me referindo à tristeza momentânea).

Para o rapaz, na preocupação de que sua amada (pois, neste momento do filme, nossos heróis se amam) desapareça, ele tem uma reação de perseverança e de criatividade, lutando pela vida da moça, para que não desliguem os aparelhos a ela acoplados.

Esta situação adversa somada ao amor por si mesmos e um pelo outro, que os envolve, catalisam as mudanças de que tanto necessitam. O amor é força motriz e criadora que determina o crescimento e a transformação dos protagonistas do filme. Assim como o é na vida real. Amor é ação.

Não fossem os problemas, que são as nossas “lições de vida” na grande escola, que é a Terra, nós não teríamos motivação e ocasião para o despertar de nossos potenciais.

Simbolicamente, o jardim representa os verdadeiros valores e as verdades espirituais. Está presente no início, no sonho da médica que para lá a transporta. Após significativa conversa, o herói leva a moça ao jardim por ele projetado e construído, representando quem ele é, sua essência interior. E é neste jardim que descobrem o amor que os une. Ao aproximarem suas mãos, produz-se uma luz, a luz do amor, a luz da verdade, da união, do reencontro consigo mesmo e do encontro entre os personagens.

Após o despertar do corpo físico é no jardim, no andar superior do apartamento, que o rapaz constrói para sua amada, que ela “acorda” mais uma vez para a realidade esquecida, relembrando-se dos acontecimentos, ressignificando o passado e reavivando os seus sentimentos.

Ao despertar do coma, ao “acordar para a vida e para si”, a heroína da trama precisa de tempo para recuperar-se fisicamente e reorganizar a sua vida, antes de uni-la a de outra pessoa.

Tendo feito todo o possível, livre de culpas, rapaz resigna-se, aceita o fato de não ser por ela reconhecido e aprende a amar sem nada receber em troca, apenas doando-se em nome de seu amor. Como afirmei, amor é ação. Se amamos e não podemos expressar esse amor, dói-nos tanto quanto a rejeição de não sermos amados. Para externar seu amor, ele não mais o represa, mas constrói para ela um belo jardim, sem nada exigir. Este é o verdadeiro amor. O incondicional e altruísta.

O rapaz amadureceu. Não mais se deixa abater pela culpa, sentimento que corrói e destrói-nos por dentro: como o destruiu no começo da trama.

O despertar da auto-consciência, em que a moça sai de seu estado de “lagarta”, de meditação na busca do auto-conhecimento para tornar-se “borboleta”, inaugurando uma nova etapa de si mesma é representada pelo lembrança do que viveram juntos e o reavivamento do romance.

A memória de tudo o que vivemos, todas as experiências que tivemos está gravado em nós.

No filme, a moça recorda-se de tudo o que aconteceu ao tocar a mão do ser amado. É preciso uma sensação concreta, além do amor espiritual, revelado pelo amor físico. Amores que se complementam: o do sentimento e o das sensações físicas.

Podemos supor que entre os protagonistas e entre ela e uma das sobrinhas existe uma ligação afetiva mais intensa, pois apenas o rapaz e essa sobrinha a vêem. O que justificaria essa intensidade afetiva se não que essas relações tiveram profundo significado emocional e espiritual  em suas vidas?