Outro dia uma senhora de 75 anos entrou apreensiva em meu consultório. Ao ser indagada sobre o por quê, ela me disse que tinha medo de ser operada. Eu a acalmei e disse-lhe que não se preocupasse porque, mesmo que eu indicasse cirurgia, a decisão soberana era dela. Na medicina moderna o médico compartilha as decisões terapêuticas com o paciente. E diria mais, talvez a consulta esteja se aproximando cada vez mais de uma consultoria técnica. Por isso, vou mudar aqui o tratamento de paciente para cliente.
Há quarenta anos, não muito tempo atrás, a família ia ao médico e este após a consulta lhe dizia qual era o problema e qual a conduta a ser tomada. Salvo raras exceções, a família prontamente acatava e seguia à risca o tratamento de eleição. Era o tempo da medicina romântica. O público em geral sabia muito pouco sobre medicina. O médico, como um bom pai, protegia (ou deveria proteger) seu “filho“e passava conselhos sobre como se alimentar, como se relacionar com os familiares, hábitos de vida e outros. Se a doença era grave ele omitia a gravidade para evitar o choque emocional. Havia sempre uma mensagem de esperança no ar e aquela confiança cega de que aquele sujeito tinha poderes de super-herói, que iria cuidar dela como um anjo da guarda.
Algumas décadas, edições de programas televisivos, revistas especializadas, redes sociais e Dr. Google depois e o panorama mudou bastante. Hoje o cliente não é mais tão paciente, muito menos passivo. Com certa frequência chega ao consultório com uma ideia muito aproximada do que tem, quando não acerta em cheio; outras tantas erra longe, é verdade, mas o fato é que já tem uma hipótese diagnóstica.
A coisa mudou já nos cumprimentos:“Puxa, hoje atrasou hein”. Ou então, após um tudo bem a resposta: “Se eu estivesse bem não estava aqui, né doutor”.
É muito comum chegar com a indicação de um exame de imagem: “Doutor, eu preciso fazer uma ressonância do meu joelho”e não é incomum ter passado em vários médicos e não se contentado por eles não terem feito aquilo que ele entende ser o melhor.
Outras vezes, já sabem o tratamento que querem: “Olha doutor, já passei em dois médicos e eles querem me operar, mas vim aqui porque sei que o senhor não é de ficar operando e quero tentar aquele tratamento das infiltrações”. Não incomumente o doente seguinte diz :“Doutor, nada de fisioterapias, vamos operar logo porque não gosto de ficar enrolando”.
Com relação aos seus hábitos: “Doutor, eu tenho uma fasceíte plantar, sei que é pela corrida, mas não me venha falar em parar de correr, vou fazer este ano a maratona de Nova Yorque”. Ou então: “Eu sei que tenho artrose nos joelhos mas só paro de jogar futebol quando não conseguir mais andar em campo”. E a clássica: “Não sei porque engordo, eu não como nada!”.
Tudo isso mostra uma mudança de paradigmas. O médico de hoje tem que dividir suas habilidades com outros, não somente os pacientes, mas também operadoras de planos de saúde que questionam suas condutas. Devo dizer que não é fácil do lado de cá da mesa… Ufa, mas há alguns pontos bem interessantes.
O primeiro é que o médico necessariamente tem que estar bem preparado, pois vai ser cada vez mais questionado. O segundo é que o peso da conduta a ser tomada diminui um pouco nos ombros do médico na medida em que é dividida com o paciente. Hoje em dia passo a minha hipótese diagnóstica e, em havendo concordância, exponho as possibilidades terapêuticas com vantagens e desvantagens. Alguns segundos de silêncio depois e os clientes costumam escolher a que mais lhe agrada. Quando se trata de procedimento invasivo, é assinado um termo de consentimento que lista as obrigações do paciente e as possíveis complicações bem claras. Sai a capa de Superman que, acreditem, pesa. Entra a cumplicidade e as coisas parecem caminhar melhor.
Não é incomum também eu passar o diagnóstico e deixar que o cliente procure informação sobre sua doença e muitas vezes, ao observar que toda a explicação não foi suficiente, eu indicar que procure uma segunda e até uma terceira opinião.
Obviamente que o médico sabe seus limites e tem suas convicções. Muitas vezes ele não vai indicar aquele exame mesmo que o cliente bata o pé. Outras tantas, pode não concordar com algum tipo de conduta e ponto. Pode ser até que brigue tentando te convencer daquilo que acredita ser o melhor. É importante que haja respeito também por parte do cliente.
A relação definitivamente tornou-se mais horizontal e isso necessariamente não é ruim havendo necessidade de adaptação de médicos e clientes.
Alexandre Pacheco é Médico Ortopedista e assina essa coluna.
Brunão
17 de março de 2014
Muito bom! Ótima abordagem…gostei muito do texto!
Carla Betta
18 de março de 2014
Bem colocado. De fato, nota-se esta mudança, bastante salutar para ambas as partes; mantendo o devido bom-senso. Só não entendi o comentário sobre não comer e engordar…. rsrsrrrsrrssr