Esse artigo é dedicado ao amigo e irmão Pedro Paulo Kohler.
Money for Nothing (algo como “dinheiro sem fazer nada”) é uma música do grupo inglês Dire Straits, do disco Brothers in Arms, de 1985.
Em entrevistas Mark Knopfler, o líder do grupo e compositor da música, relata que teve a idéia de compô-la quando estava em uma “megastore” para comprar algumas coisas e observou uma pilha de televisões ligadas no mesmo canal, tocando um clip da MTV. Ouviu então comentários depreciativos de um empregado que estava descarregando mercadoria na loja.
Os comentários, vindos de um sujeito rude, um típico trabalhador braçal inglês, eram sobre a “vida fácil” dos músicos, que eles não “trabalhavam realmente”, sem saber o que era “pegar no pesado”.
Knopfler na hora pegou uma folha de papel e começou a escrever a canção.
A letra trata-se de uma paródia ao discurso do cabeçudo e preconceituoso trabalhador, como se o mesmo falasse em primeira pessoa. E nessa paródia, Knofler – sarrista fino – nos elucida o quanto a imagem dos músicos é mal vista, por indivíduos de outras profissões.
O músico inglês, aliás, fez um manifesto que passa na cabeça de todos outros músicos do planeta.
Não vou ficar aqui relatando as minhas queixas de 27 anos de profissão e enumerando a quantidade de besteiras que ouvi em todos esses anos. Dentro da família, em círculos de colegas, restaurantes, na rua, etc.… Todo músico profissional sabe na pele o que é isso.
Nos inquirem sobre como conseguimos pagar nossas contas, o quanto ganhamos, qual é a quantidade de horas que trabalhos por dia, a que horas vamos dormir e acordamos, como conseguimos nos manter com uma profissão na qual temos prazer, etc, etc, etc.
Triste é lembrar também as insinuações que fazem sobre nossa masculinidade, (aspecto que Knopfler tira um sarro na música) confundindo delicadeza e sensibilidade com um provável homossexualismo. Sem comentários…
O que pude observar – me adentrando diletantemente na área da psicologia- é que existe uma grande inveja dos artistas em geral. É mais do que sabido que a maioria das pessoas não trabalha no que realmente gosta, e pouquíssimos obtém prazer e diversão no trabalho. Logo, como aquele vadio consegue sobreviver com uma profissão que aprecia e que lhe proporciona prazer?
Ai, ai, ai….
Além do mais o trabalho do músico lhe proporciona reconhecimento público, – positivo, quando o cara é bom no que faz – soma-se a isso toda a tietagem das mulheres, posição de destaque, o fator mágico do artista em proporcionar prazer e experiências boas às pessoas –e essas se mostrarem agradecidas depois. E os recalques alheios pululam…
Mark Knopfler, grande artista, desmonta essa inveja da melhor forma possível: com o humor, de forma descontraída alfineta os cabeçudos de plantão.
Esse clip oficial da música gerou muitas controvérsias, especialmente pelo uso de palavras e expressões fortes – mas extremamente bem humoradas. As patrulhas GLS caíram de pau e teve até acusações de racismo (!). No final, Knopfler teve que explicar didaticamente em entrevistas, o que queria dizer a canção, pra acalmar os fundamentalistas do politicamente correto. Mas não mudou uma linha. Homens.
Coloquei a legenda no Clip procurando fazer uma tradução “cultural” da letra, visto que a mesma é repleta de gírias e maneirismos lingüísticos do norte da Inglaterra.
Divirtam-se
Edu Pedrasse é músico profissional – guitarra e violão – há 28 anos. Possui Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP. É professor universitário na UNIMEP, no curso de Música Licenciatura e também é professor particular de música. Atua com seu show Entartete Jazz, nas casas de espetáculos de Piracicaba e região.
Site: www.edupedrasse.com
Facebook: https://www.facebook.com/edupedrasse
Pedro Paulo Santos
18 de março de 2014
Republicou isso em P a i s D a V i l ae comentado:
Post lembrando o inicio da MTV com Dire Straits e o sucesso Money for Nothing, uma parodia sobre o preconceito com a escolha artistica como profissão
Pedro Paulo Santos
18 de março de 2014
Esse clipe é ótimo e a musica tambem! Abração!
fabiocasemiro
18 de março de 2014
Hahahahaha,,, nunca tinha me atentado para toda a letra. Fica o puxão de orelha: preta atenção no que tu toca… Afinal, de onde tu queres que venha o feeling?
Bolhas nos dedos…. Essa é a parte fácil. Antes esse fosse mesmo o problema!
Valeu Edu!
Sempre show!
Abraços!
Evandro Mangueira
18 de março de 2014
Olá Edu Pedrassa,
Artigo excelente, aliás, os dois últimos artigos muito bons, o Aumenta “o” Graves eu diria que foi o seu artigo mais esclarecedor (pelo menos para mim).
Com relação ao Money For Nothing, devo dizer que não conhecia a música, mas vendo o contexto que você trouxe, achei muito adequado. Realmente, músicos sobrem diversos preconceitos. São constantemente associados a usuários de drogas, a gays, a vagabundos, a “vida fácil”, entre outros. Enquanto a realidade é outra: semelhante ao que acontece no futebol, poucos são os eleitos e poucos são os que ganham fortunas, a grande maioria rala em bares, em um sub-mundo, aventurando-se para públicos bêbados que pouco valorizam o que se ouve, em troca de um couvert artístico injusto. Eu sei bem como funciona o mundo das celebridades, das sub-celebridades e dos bons artistas que tentam fazer o seu some com muito suor e dedicação.
Por estas razões (e outras que eu jamais seria capaz de descrever tão bem como você o fez) que o parabenizo.
Sem querer tirar o foco do excelente artigo, e não querendo causar qualquer polêmica serei didático:
O termo homossexualismo é inadequado, o melhor seria homossexualidade, veja meu artigo a respeito do assunto, aqui mesmo nesse blog:
(https://blogdoamstalden.com/2013/03/18/homossexualismo-por-evandro-mangueira/)
Você tem razão, associar delicadeza com a homossexualidade é uma injustiça até mesmo para os gays e para as mulheres, porque conheço diversas mulheres que não são delicadas e centenas de gays que também não delicados, inclusive eu sou um tanto indelicado (grosso, rude, entre outros), mas a delicadeza não é defeito, pelo contrário é virtude, mas a falta de delicadeza também não é defeito.
“As patrulhas GLS caíram de pau” esse termo ficou bem ruim, primeiro porque não somos uma patrulha criando um sistema impositivo, pelo contrário, estamos dialogando e requerendo o nosso devido espaço, tais quais os músicos o fazem e eu apoio; A sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) é uma sigla comercial, pois não existem apenas os Gays e as Lésbicas e esses simpatizantes, até hoje, não faço ideia do que se trata, tenho uma opinião, mas prefiro não discuti-la aqui. A sigla mais adequada é LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis) Essa sigla engloba de forma mais satisfatória a representatividade de quem somos. A palavra “Lésbicas” vem na frente como apoio a visibilidade do movimento das mulheres e da luta contra o machismo.
O mesmo machismo que levou o “Trabalhador Rude” a insinuar que músicos são gays.
Trato desse assunto aqui, pois creio que toda oportunidade é uma boa oportunidade para construir ideias, sobretudo, é importante também desconstruí-las!
Obrigado pela oportunidade de aprender com seus artigos. Um forte abraço.
Evandro Mangueira
18 de março de 2014
Edu Pedrasse. Errei ao digitar seu nome, desculpe-me.
Júlio Amstalden
18 de março de 2014
A não consideração da atividade do músico como trabalho é exatamente meu tema de pesquisa. A palavra “trabalho” tem sua etmologia ligada ao latim “tripalium”, instrumento de tortura usado pelos romanos. Assim, como algo que dá prazer pode ser considerado trabalho? Nesta linha de pensamento, como podem os currículos da educação formal dar espaços generosos à educação musical se a escola educa para o “trabalho”?
A educação tradicional não entende as artes como forma de conhecimento de mundo. Associa-as somente ao lúdico, à diversão, ao lazer. A fábula de La Fontaine (“A cigarra e a formiga”) reproduz o pensamento vigente na escola e fora dela.
Norbert Elias nos lembra que a origem do trabalho artístico está vinculada a uma desigualdade: ex-proprietários de terra (que haviam perdido seus feudos pela conquista de outros mais poderosos e, por isso, haviam empobrecido) vagavam de feudo em feudo atuando como cantores, poetas, dançarinos ou atores em troca de roupas e vestuário, não raramente associando-se a senhores feudais poderosos para ter sua subsistência garantida. Aqueles que eram considerados os melhores passavam a gozar de privilégios que os outros não tinham. Tem-se assim uma configuração que se perpetua até os dias atuais, na qual as atividades artísticas mantêm relações de dependência com o poder estabelecido. E o exercício do poder nem sempre está baseado em formas equânimes e justas de interação entre os membros de uma sociedade, desequilíbrios esses não raramente manifestos nas muitas maneiras como o trabalho humano é compreendido e valorizado.
Psicanaliticamente, a posse, o dinheiro e o poder estão associados ao falo e este à masculinidade. A análise de N. Elias (que também tinha formação em psicologia) sobre a trajetória do artista na sociedade ocidental nos esclarece porque tais atividades hoje são consideradas menos viris.
Há uma complexa teia de relações de causa e efeito entre esse modo de pensar e formas contemporâneas de acumulação. É triste, mas os músicos que um dia pensamos ter adotado uma vida alternativa aos mecanismos viciados de reprodução sócio-econômicos, estamos tanto à mercê deles quanto os trabalhadores “de verdade”, “machos” e “prestativos” à sociedade.
De qualquer forma, o que mais salta aos olhos é que a contemporaneidade traz um profundo e imenso vazio, bem como uma tremenda falta de sentido de vida.
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Edu Pedrasse
19 de março de 2014
Grande Júlio. Belo comentário.
Carla Betta
20 de março de 2014
Belo artigo; intensificou o meu gostar dessa música e adorei o comentário Julio Amstalden! Abrindo novas formas de ver.
Eric Passone
20 de março de 2014
Maravilhoso! Sempre pensei “Money for nothing” uma sutil provocação.
Abração Edu!