Quando Caetano Veloso gravou esta música, em 1984, acabáramos de sofrer a derrota nas “Diretas Já”. No entanto, desde os ventos da abertura política, milhares de grupos, idéias e militantes haviam se espalhado. Comunidades eclesiais de base, movimento gay, partidos, movimentos feministas, grupos de defesa dos índios, ambientalistas e um sem número de tendências e correntes ideológicas. Para quem estava na UNICAMP, no curso de Ciências Sociais, como eu, era um momento de expectativas. Perdemos as eleições diretas. Elas não ocorreram, mas tantos movimentos, tantas organizações e tantas idéias pareciam ser capazes de, em breve, trazerem mudanças profundas.
Caetano Veloso e outros, claro, viram, porém, a realidade mais crua. Havia mais entusiasmo do que profundidade nos movimentos, mais coragem de poucos do que adesão de muitos e levaria ainda muito tempo para que os “podres poderes” tão longamente constituídos em nosso país, perdessem o fôlego. Não perderam ainda, é verdade.
Na época a música me incomodou. Soou-me pessimista. Hoje, porém, vejo que era realista.
Mas, nestes trinta anos desde as Diretas e desde a música, passei a ver o mundo de maneira diferente. As coisas mudam, mas a velocidade das mudanças é mais lenta. Nossa vida é curta, a História é longa. E mesmo que não tenhamos tido todas as mudanças que esperávamos, eu acredito que, nossa luta, ontem e hoje, um dia dará frutos. A “estúpida retórica” de Caetano, um dia será desnecessária e não haverão mais “podres poderes”. Nós, que lutamos hoje, provavelmente não veremos a grande mudança. Mas teremos contribuído, ainda que infimamente, para que ela ocorra.
Bom Domingo
Amstalden
Podres Poderes
Caetano Veloso
Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Motos e fuscas avançam
Os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais…
Queria querer gritar
Setecentas mil vezes
Como são lindos
Como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais…
Será que nunca faremos
Senão confirmar
A incompetência
Da América católica
Que sempre precisará
De ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que esta
Minha estúpida retórica
Terá que soar
Terá que se ouvir
Por mais zil anos…
Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Índios e padres e bichas
Negros e mulheres
E adolescentes
Fazem o carnaval…
Queria querer cantar
Afinado com eles
Silenciar em respeito
Ao seu transe num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau…
Ou então cada paisano
E cada capataz
Com sua burrice fará
Jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades
Caatingas e nos gerais
Será que apenas
Os hermetismos pascoais
E os tons, os mil tons
Seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão
Dessas trevas e nada mais…
Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais…
Eu quero aproximar
O meu cantar vagabundo
Daqueles que velam
Pela alegria do mundo
Indo e mais fundo
Tins e bens e tais…
Será que nunca faremos
Senão confirmar
Na incompetência
Da América católica
Que sempre precisará
De ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que essa
Minha estúpida retórica
Terá que soar
Terá que se ouvir
Por mais zil anos…
Ou então cada paisano
E cada capataz
Com sua burrice fará
Jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades
Caatingas e nos gerais…
Será que apenas
Os hermetismos pascoais
E os tons, os mil tons
Seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão
Dessas trevas e nada mais…
Enquanto os homens
Exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais
Eu quero aproximar
O meu cantar vagabundo
Daqueles que velam
Pela alegria do mundo…
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!
Posted on 23 de março de 2014 por blogdoamstalden
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