Queria propor um raciocínio que respondesse ao texto do Filósofo Luiz Felipe Pondé, que é Doutor pela USP, e professor da PUC-SP, dono de um currículo bastante competente, com formação internacional, etc e etc. Pondé é polemista e faz parte de um círculo de opinadores profissionais da “nova” direita e pulsa, intelectualmente, na mesma frequência que outros polemistas, como Olavo de Carvalho, Lobão, Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino.
Eu não deveria perder meu tempo com as argumentações que tais opinadores emitem. Mas perco. Me preocupo.
Aqui deixo de me pré-ocupar e passo a me ocupar. Queria ter feito um texto que comentasse, passo a passo, os pontos do texto de Pondé “Socialismo é barbárie”, publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 24 de fevereiro deste ano. Queria reproduzir aqui os trechos, mas o jornal não autoriza cópias e, ao lançar mão do bom “copiar e colar”, surge a mensagem:
“Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize o link
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2014/02/1416607-socialismo-e-barbarie.shtml
ou as ferramentas oferecidas na página. Textos, fotos, artes e vídeos da Folha estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br). As regras têm como objetivo proteger o investimento que a Folha faz na qualidade de seu jornalismo. Se precisa copiar trecho de texto da Folha para uso privado, por favor logue-se como assinante ou cadastrado.” [grifo meu]
Não entrarei no mérito dos direitos de propriedade do jornal. Mas eu iria citá-lo, como feito acima, atribuindo o texto ao autor e ao jornal. Triste essa política. Diria que emblemática, até. Uso o recurso para citar (sou radicalmente contra plágios!) artigos acadêmicos, por exemplo, em minha tese de doutoramento. Faço-o sempre armado das ferramentas da ABNT (associação brasileira de normas técnicas)… Porque no texto de um filósofo, doutor, o trabalho de cópia de trechos para a citação é dificultado? Mas não. Prometi não discutir os direitos da Folha. Ainda mais os de “investimento”.
Assim, destaquei apenas duas frases (todas seguem devidamente entre aspas!): recomendo, aos interessados, que deem uma olhada no texto de Pondé (antes, se possível). O link está na citação que coloquei anteriormente.
Vejamos as frases:
1. “O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.”
2. “Mas a esquerda não detém o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela”.
São frases como estas que nos levam a questionar a honestidade intelectual do Sr. Pondé. Não sou socialista. Sou crítico do socialismo como projeto de Estado, mas o que mais me preocupa é a crítica rançosa, fácil e com suposto aroma de intelectualidade (quando justamente a intelectualidade saltou pela janela).
É o tipo de miséria intelectual, filosofia de grocerystore, que o Sr. Pondé sempre pratica, em seus textos jornalísticos: frases de (d)efeito que, palatáveis, agradam afetivamente quem quer se posicionar anti-esquerda, mas se sente sem argumento. A questão que fica é: palavras bonitas são sinônimo de argumento convincente?
Explico. O que ele quis dizer com a frase (1)?
Vejamos: a escrita marca (para alguns historiadores, não todos) o início da história. A escrita é tão antiga talvez tanto quanto a escravatura… Isso deslegitima a escrita? (A cerveja é tão antiga quanto a escrita… Isso nos impede a degustação da cerveja?). Óbvio, o Sr. Pondé quis ser irônico. Penso que a ironia é um “dizer pelo contrário”, mas a diferença entre a ironia bem feita e a frase boba é que a ironia está a serviço de uma ampliação do sentido imediato. A figura de linguagem “ironia” amplia sentido e, dessa forma, critica. Uma crítica engraçada, uma “tiradinha de sarro” pode ter um agradável efeito retórico nas mesas de buteco. Mas há que se diferenciar – porque falamos de um texto que se quer sério, sobre um assunto sério – o que é ironia de gosto e o que é ironia à “tira-gosto”.
A ironia mal feita na frase (1) carregaria o seguinte sentido: “o socialismo é um sonho antigo e ultrapassado”. Não foi o que o Sr. Pondé escreveu e, no texto, ele não dá conta de explicar o contexto histórico relativo ao passado que ele mobiliza, por meio da infeliz ironia. Sendo muito generoso com essa afirmação (porque supor o que o texto quer dizer sem tê-lo feito, é ser muito generoso), poderíamos dela extrair uma importante pergunta: O que se afirma “socialismo”, nos dias de hoje, se orienta exatamente pelas mesmas reflexões e age, politicamente, do mesmo modo como fariam os “socialistas” do passado?
A resposta óbvia é “não”. Não se trata de concordar ou não com o socialismo para compreendermos que doutrinas e ideologias são carregadas e alimentadas por seres humanos que se organizam em sociedades e, por isso, elas se ressignificam culturalmente, dialogando e formando os momentos históricos em que vivem seus atores. Se aposentarmos o socialismo tomando o critério de senilidade histórica (como ele sugere)teríamos que jogar pela janela todas as religiões do mundo: lá iriam para o lixo Jesus, Buda, Maomé, Abraão…
Não quero acreditar que um filósofo tão bem formado tenha banido uma ideologia a partir do critério de idade. Continuemos nosso raciocínio…
Será que o Sr. Pondé quis dizer estritamente que o socialismo surge na pré-história?
Não. O socialismo não é pré-histórico. Tenho certo que o Sr. Pondéaprendeu a diferenciar “socialismo” e “comunismo” de “comunitarismo”. As comunidades pré-históricas não eram socialistas porque o socialismo é uma utopia própria do XIX, filha do pensamento (liberal e iluminista, diga-se de passagem) do filósofo Jean-Jacques Rousseau. O comunitarismodas comunidades ditas “primitivas” não pode ser tomado como comunismo, já que comunismo e socialismo pressupõem industrialização (revolução burguesa, apropriação dos meios produtivos pela burguesia e tomada do poder pelo proletariado)… Coisas muito distantes das comunidades primitivas cujas tecnologias (sofisticadíssimas, em muitos aspectos!) se assentam em modelos não tecnicistas, não “progressistas”. Socialismo pressupõe progresso, algo muito distinto do pensamento mítico próprio dessas comunidades.
Curioso que essa abordagem que credita socialismo às comunidades primitivas já foi proposta por pensadores marxistas… Mas já caíram em descrédito por pensadores, também marxistas, mas muito mais atentos aos estudos contemporâneos nas áreas de antropologia, sociologia e história. Quando Pondé aproxima comunismo de comunitarismo ele toma uma estratégia retórica dos mais antiquados marxistas. Isso não é ingenuidade. É manipulação vulgar, tomando a caricatura do oponente como diretriz crítica para a criação de um monstro. É preciso que o inimigo seja feio, seja mau, seja grotesco. (É o que, por exemplo, Heródoto fazia quando descrevia os bárbaros!).Daí a generalização (estratégia retórica desleal) de que corrupção e totalitarismo sejam exclusividade de políticos de esquerda (no Brasil ou no mundo).
Quando Pondé aproxima socialismo de escravismo, ele joga fora os pressupostos iluministas (principalmente, o pensamento de Jean Jacques Rousseau) como propulsor de todo o pensamento libertário (nome genérico de todos as posturas de esquerda, próprias do século dezenove).O pensamento rousseauista, e que ilumina os primeiros esquerdistas dos anos 1800,funda-se na oposição direta ao pensamento escravista (e que embasa o direito divino dos reis) tributário dopensamento de Aristóteles (via Thomas Hobbes).
Eu me recuso a acreditar que a frase de número (1) não queira dizer o que ela diz. Me recuso a acreditar que um intelectual com boa formação,como Pondé, não saiba o que a frase que ele escreveu quer dizer.Pela lógica, só me resta concluir sobre a desonestidade intelectual no texto de Pondé.
Já a frase (2) é mais interessante ainda: “Monopólio do pensamento público no Brasil”. O que exatamente isso significa? Vejam o texto: não está claro o que ele quer dizer com isso. O que é “pensamento público”?
a.Senso comum?
b.Pensamento na universidade pública?
c.Pensamento da universidade pública?
d.Pensamento sobre a universidade pública?
e. Reflexões sobre a gestão do Estado Brasileiro? – Essa é a melhor hipótese. (Mas “pensamento público” definitivamente não quer dizer isso).
Vamos lá… Se é possível entender o que ele quis dizer, ele afirma que a esquerda não controla (mais) a reflexão sobre políticas atreladas ao Estado Brasileiro…. Muito bem. Vamos aos desdobramentos lógicos dessa afirmação: Quando controlou?
a.Na época da colônia?
b.Na época do império?
c.Na época da República Oligárquica do Café-com-Leite?
d.Na ditadura de Vargas?
e. Na era Kubitschek?
f.Na ditadura militar?
g.No governo Sarney?
h.No governo Collor?
i. Na era FHC?
j. Talvez na era PT?
Bom, nossos 514 anos de história criaram uma cultura política brasileira, própria, hegemonicamente marcada pela escravidão, pela força das oligarquias. Essa mesma cultura política, conseguiu superar muito de suas tendências autoritárias e desde 1988, (com a promulgação da constituição). Desde então, temos que ela se organiza de modo minimamente democrático.
Ou seja: nossa tradição política é historicamente autoritária; nossa modernidade política (são 26 anos!) é democrática… Onde está o suposto “monopólio do pensamento público no Brasil” pela esquerda que Pondé afirma? Não é razoável crer que 12 anos de governo de (uma) esquerda, eleita democraticamente sejam capazes de anular 488 anos de cultura política autoritária no Brasil. Ao contrário: episódios como o do “mensalão” apenas nos levam a compreender que o PT para alcançar e se manter no poder se permitiu lançar mão de estratégias políticas já consolidadas na nossa cultura desde nossos primórdios, séculos antes de qualquer tradução ou inspiração libertária por aqui. Se lembrarmos de nossos estudos de história do ensino médio, relembraremos termos “engraçados” que caiam nas rígidas provas, aplicadas por professores rigorosos (desde seu Beduschi até o Amstalden)… Vocês lembram da “Conciliação” (Partidos Liberal e Conservador se revezando no poder)? Vocês se lembram do “Parlamentarismo às Avessas” com D. Pedro II? E da “Política dos Governadores”? Da “República do Café com Leite”? A prática do fisiologismo político sempre foi a tônica em nossa cultura (“nada mais Conservador do que um Liberal no poder”. Lembra?)
Até o fim do “Café com Leite”, que saiu do poder em 1930 (com Vargas), não havia nenhum partido de esquerda (libertário) participando expressivamente de nenhum braço do executivo, do legislativo ou do judiciário brasileiro. Eventos da ordem de um mensalão (ou de um tremsalão) já faziam sucesso na política brasileira, antes da existência dos sonhados “inimigos socialistas” existirem em nossas terras.(Isso certamente explica, por exemplo, a permanência política do Sr. Paulo Maluf, criminoso internacional cujo nome consta na lista de procurados da Interpol!) A teoria de que os anos de governo do PT refundaram a cultura política brasileira em algo completamente distinto dos demais 488 anos anteriores de história do Brasil é a base do raciocínio de Pondé. Isso permite compreender seu texto como um dos depoimentos mais intelectualmente desonestos que eu já li em toda a minha vida. Sabendo da qualidade da formação intelectual do professor (apresentada no rodapé do artigo publicado na Folha de São Paulo), a hipótese de desinformação ou ingenuidade cai por terra. Infelizmente, conteúdo e forma ali executam uma dança retóricavazia, o que confere ao texto de sarjeta um falso aroma de intelectualidade. Pondé opta pelos sabores piadísticos, as frases de efeito que nada dizem, no intuito de seduzir o leitor ávido por críticas com cheiro de doutor.
Sinto muito, caro leitor de Pondé! A esquerda não é tão competente quanto ele deseja. Ela não é tão coesa, não é tão forte e não é tão eficiente quanto seu texto diz. (Eu, sinceramente, até gostaria que ela o fosse!).
Pondé não sabe filosofia? Pondé não sabe história? Claro que sabe, ele é um brilhante jovem intelectual… Mas usa seus argumentos para animar setores da mídia que descobriram no conservadorismo rastaquera uma verdadeira mina de ouro.
O problema do Pondé não é criticar a esquerda. É ser desonesto porque sabe que os debates políticos brasileiros não podem ser reduzidos à simplicidade maniqueísta que ele prega. De quais esquerdas ele quer falar? Muitos dos críticos do governo Dilma são de esquerda. Muitos dos Black Blocks são de esquerda. Os anarquistas, por exemplo,(uma das ideologias que compõem a taxonomiadita “esquerda”) se opõem ao governo federal, independentemente da plataforma política, porque rejeitam a democracia indireta (não acreditam na concepção de “representação política” que funda as democracias ocidentais). Anarquistas e liberais (ele se diz, em outros textos, “liberal”) certamente almejam que “a economia seja deixada em paz”, pelo Estado. Quando ele prega que técnicos a controlem, fica minha pergunta no contrapé: “Técnicos de qual postura política? Já que a técnica não existe, em política ou economia, para além ou aquém das ideologias.” A grande diferença entre muitos anarquistas e muitos liberais reside no modo como ambos compreendem as palavras “Estado” e “paz”. Não. Política não se faz com dualismos e essa tendenciosa argumentação “simplória” esconde, propositalmente, questões mais complexas… Perguntemos: a quem ela serve? Sabemos já, a quem se destina.
Adoro ler crítica política bem feita. Infelizmente, as boas críticas que leio sobre os governos do PT partem, geralmente, de grupos de esquerda. Os polemistas-pop da direita ainda brincam de histórias da carochinha. E Pondé –pasmem!– é o mais articulado deles. Mainardi, Olavo, Lobão, Reinaldo, Constantino são tão diferentes em suas formações e posições políticas… Tentam se apoiar um nos outros a partir de um posicionamento comum que nunca tiveram (Lobão leitor de Nietzsche e amante do funk carioca só pode compartilhar mediocridade com o cristianismo medieval de Olavo de Carvalho… parece piada!).
Sem nada a acrescentar, os paladinos da direita inventam fantasias psicóticas e ficam com cara de esperando Godot… Pondé posa de politicamente incorreto, fazendo carinha de cult, fetichizando se tornar o novo Carlos Lacerda a tropeçar em seus sonhos megalomaníacos. A direita que vemos, Veja, precisa criar um deus para devorá-lo. Às vésperas da nova passeata TFP-1964-revival, vemos, infelizmente, a história se repetindo como farsa.
É uma pena.
Fábio Martinelli Casemiro
Doutorando em Teoria Literária pela Unicamp
Mestre em Teoria Literária pela Unicamp
Especialista em História Cultural e
Historiador pela Unimep
JRP
27 de março de 2014
Olá Fábio Casemiro, obrigado pelo texto, e tem pontos que posso concordar. Mas também “como é de praxe” irei mostrar meus pensamentos sobre o que eu acho dos 2 pontos proposto por Pondé.
A questão que fica é: palavras bonitas são sinônimo de argumento convincente?
RESP: A esquerda está cheia desses chavões clássicos, o mais comum e usado o igualitarismo, como pode haver igualitarismo se existe um poder dominante socialista ? Não vou fugir do contexto e vou mostra meu pensamento perante a estes 2 pontos.
1. “O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.”
RESP: Também achei um exagero esta comparação, mas os conceitos principais da esquerda vem de Karl Marx, que faleceu em 1883. Bom muita coisa mudou em 131 anos, mas os glichês são os mesmos. Creio que neste ponto o socialismo encara como um meio pré-histórico das ideologias. E isto faz sentido. Pois diferente da cerveja que é um produto e é agradável seu formato, e não é modificado pois se modificado deixaria de ser cerveja. No campo das idéias o socialismo e pensadores ao longo desses anos muita coisa mudou, e muitos pontos do marxismo podem ser descartados que já não serve mais nada para hoje. Mas os marxistas ainda resgatam esses textos empoeirados, tentam passar um lustra-móveis para ver se isso ainda revive em pleno século 21. Ou seja é a tentativa eterna da esquerda querer reviver um regime que já foi enterrado em muitos países, principalmente aqueles países que nunca aceitaram a liberdade em seus solo. Mas mesmo assim, usam um desfibrilador histórico para ver se revive isso com o pretexto da salvação da humanidade, ou modelo de mundo ideal.
2. “Monopólio do pensamento público no Brasil”
### Creio que este pensamento público que o Pondé propôs seja o pensamento único advindo da esquerda, e rejeitando pensamentos liberais, e conservadores. Se for isto segue minha resposta abaixo ###
RESP: Isto eu tenho que concordar com o Pondé, vamos aos fatos vou citar apenas um exemplo. Nos meios universitários vemos o marxismo, “Nada contra estudar Marx” !!! DEIXO ISSO BEM CLARO !!! Já li bastante Marx !!! Mas deve ser visto vários outros que é uma coisa que não tem feito, principalmente no ambiente estudantil, eu precisei buscar informações por conta, apenas um lado é visto, isso eu tenho que concordar de fato com o Pondé.
Porque outras correntes como os liberais Ludwig von Mises, não é mostrado ? Pelo menos o jovem sairia da universidade com duas opções, e seguir o rumo que bem queira. Mas apenas um caminho é dado: o marxismo. Ou seja quando ele sair de lá qualquer corrente de pensamento que seja diferente ele pode até rejeitar com o seguinte pretexto: Não vi isso então não presta. Entende o que eu quero dizer ? Porque essa hegemonia cultural marxista ? Porque essa doutrinação pesada ? O que eu implico, é porque só uma face é mostrada ?
Quanto aos outros regimes, governos e fases da história do Brasil. Estamos discutindo a realidade e o tempo contemporâneo. Não mete anacronismo nisso aí não que não vai resolver em nada. O socialismo não pode ser justificado como uma espécie de solução só porque houve regime militar no passado, por exemplo.
Caro Fábio Casemiro, deixo aberto caso algum ponto to meu texto discordar, vamos seguir o debate natural e democrático.
Só assim com pensamentos diferentes e debate franco, podemos fortalecer idéias e pensamentos, muito melhor assim do que uma sequência de confirmações e aceitações, o que as vezes nada agrega.
Parabéns pelo texto mais uma vez.
E estarei aqui sempre acompanhando os textos.
Abraços.
fabiocasemiro
27 de março de 2014
JRP, muito obrigado pelos debates! Gosto mesmo! É uma honra tê-lo como interlocutor!
Obrigado, mesmo! Mais ainda por discordar!
Vamos aos pontos:
1. Uma das informações que deixo nas entrelinhas do texto é que ser de esquerda não é sinônimo de ser marxista. Pensando a partir do XIX (quando essas coisas são gestadas) vemos uma constelação de pensamentos de esquerda: fourieristas, saint-simonianos, anarquistas (proudhonianos, bakuninianos, por ex.)… O que tb está lá no texto é o fato de que as primeiras manifestações de “esquerda” propriamente dita são, veja, liberais!
Quando o Pondé opõe liberalismo e esquerda sem maiores detalhes, ele perde esse “link” histórico… Aliás, Marx mesmo vai fazer sucesso como pensador de esquerda só no século XX. No XIX, o grande herói dos libertários é – pasme! – Victor Hugo! O escritor de Os miseráveis (que aliás, virou filme recentemente… Chorei que nem criança!!! hahahah)
Outro ponto importante é que o pensamento marxista não é homogênio. Na historiografia, por exemplo, temos Eric Hobsbawn e E.P. Thompson… São muito diferentes e Thompson, por exemplo tem um livro brilhante de crítica ao marxismo tacanho, denominado “A miséria da teoria” que critica demais conceitos marxistas como “classe” por exemplo.
Acho desonesto da parte do Sr. Pondé atropelar os detalhes, as constelações que compõem os pensamentos de esquerda.
2. Sobre a questão do anacronismo, vc diz:
“Quanto aos outros regimes, governos e fases da história do Brasil. Estamos discutindo a realidade e o tempo contemporâneo. Não mete anacronismo nisso aí não que não vai resolver em nada. O socialismo não pode ser justificado como uma espécie de solução só porque houve regime militar no passado, por exemplo.”
Então…. procurei a palavra “anacronismo” no meu texto e não achei. (Tá bom, não aguento mais lê-lo…rs). Mas não acusei o Pondé de ser anacrônico. Acusei esse texto dele
de seríssimos erros conceituais que um doutor em filosofia jamais poderia cometer.
Anacrônico, nesse texto, ele poderia ter sido se colocasse socialismo na pré-história, mas pelo meu raciocínio lá no texto, parece ficar claro que ele não o faz: essa aproximação é uma estratégia retórica alicerçada na ironia. Como, na minha opinião, essa ironia não diz nada coerente, ela vira mera piada de buteco e esse tipo de retórica desqualifica o texto dele. Mas não o acusaria de anacrônico, mas sim de mal estrategista.
Agora, pode ser, se eu te entendi bem, que vc disse que meu argumento (quando resgata a cultura política brasileira) seria anacrônico. Bom: aí vc precisa entender mais sobre anacronismo (sou historiador e isso é caro para mim…)
Anacronismo é quando uma narrativa atropela a veracidade ou a verossimilhança dos tempos históricos os quais aborda. (A arte pode e atropela a história – a isso damos o nome de poesia…..rs) – Tá lá em Aristóteles, na Poética.
Como historiador e crítico literário não consigo acreditar em geração espontânea. Explico: o Brasil não nasceu agora, a política não nasceu agora, a poesia não nasceu agora, a música não nasceu agora… Logo, o contemporâneo se faz a partir daquilo que ele observa (e tb quando recusa observar) do passado. Crer no passado como determinante do presente é ser pessimista e autoritário, crer no contemporâneo como apartado da sua historicidade é ser ingênuo.
Nunca vi um bom crítico, poeta, artista, músico, político que jogasse fora os jogos de historicidade, que fechasse os olhos à tradição. Opor-se à tradição é dialogar tb com ela.
Eu sou um historiador que busca rupturas e continuidades. Não por ser marxista, mas por ser “filho” de Marc Bloch e de Lucien Febvre, da Escola dos Annales. Nunca fui marxista.
Agora essa coisa de justificar o socialismo pelo passado da ditadura….. hahahha… Eu nunca disse isso, não justifico o socialismo de nenhum modo, nada disso tá no meu texto. O que eu não disse, eu não acho… Já falo muito, não coloque palavras que eu não disse…rs
3. Essa ditadura intelectual da esquerda.
Minha formação é psicologia (incompleto), História e Teoria literária…. Nunca fui marxista, tantos outros foram, tantos não foram. Sinceramente…. Sempre fui crítico das bitolas de algumas esquerdas. Agora o mundo piorou: membros da direita, como o Pondé, utilizando as mesmas estratégias das esquerdinhas bitoladas que tanto critiquei na minha vida estudantil…. (E sempre fui de Centros Acadêmicos!)
4. Prá mim o que sobra é: para além das palavras de ordem de ambos os lados: quais são os projetos políticos? Não vejo nenhum “lado” dessa nossa política metida a dualismo se preocupando com isso.
Muito obrigado pelo debate.
Gosto muito de conversar com vc!
Obrigado pela leitura apaixonada.
Já falei muito…rs
Abs,
Fábio H
JRP
27 de março de 2014
Boa noite Fábio Casemiro.
Eu que agradeço pelo debate, assim que tem que ser, seguindo o esquema de contrapor ideias mas não pessoas. Obrigado por me aceitar aqui no Blog e responder aos meus textos.
Agradeço igualmente o Mestre Luis Amstalden, ohh tempo bom durante as aulas de Humanidades I e II, excelentes discussões etc.
Abs
JRP
JRP
27 de março de 2014
Só para complementar vejo o debate com a intenção de troca de informações entre duas correntes de pensamentos diferentes. E não um ataque ao adversário e principalmente a desmoralização do oponente ( Como acontecia em sites e blogs esquerdistas que já chegavam me tachando de nazista, filhote da ditadura, etc. ) Era ataque pessoal mesmo. E não da área das idéias. Mas sei que era um publico de moleques sem o minimo de noção das coisas o qual o motivo era quando não tivesse mais argumento soltava um nazista. Não estou aqui em uma luta de braço de ferro para esculachar o oponente. Mas sim em busca e troca de informações. Ou seja você colocou seu ponto de vista, coloquei o meu na sequência, e está aí catalogado os 2 debates. Cada um julgue o que convém. Mas vemos debates que se o outro mesmo sem razão já, a missão é colocar o outro no chão a qualquer custo. Hoje posso dizer que estou com a mente definida após ler muito sobre os dois lados.
É isto aí !
JRP
28 de março de 2014
Bom dia Fábio Casemiro aproveitando o gancho.
Gostaria da sua definição para os seguintes itens.
1) Para você o que é o socialismo.
2) Para você o que é o comunismo.
Aguardo seu retorno.
Abraços
fabiocasemiro
28 de março de 2014
Poxa, JRP, muito legal.
Legal vc explicar seus posicionamentos, mas, para mim ao menos, nem precisava. Em nenhum momento vc foi violento ou desleal nos debates. Gosto de debater com a direita.
Acrescento que essa postura imediatamente autoritária de alguns, atribuindo valores negativos às pessoas e fugindo dos debate honesto, não é prerrogativa de alguns da esquerda.
Em ambos os lados, temos mediocridade, infelizmente.
Ótimas suas questões 1 e 2.
Aceito o convite.
Meu próximo texto em “Crônicas de Telópoli” será sobre isso: O que é socialismo e comunismo para mim e, mais importante, penso: o que significa ser de esquerda?
Já tinha pensado em colocar isso em pauta. Agora vai.
Muito obrigado.
Abraços,
Fábio H.
JRP
28 de março de 2014
Fala Fábio. Opa muito bom.
Fico aguardando o texto.
Abs
Benilton Cruz
28 de março de 2014
Querido Fábio, entre um cochilo da Lygia ao meu lado no carrinho de bebê e ouvindo canções de ninar, li seu texto, afinal no maravilhoso espaço (ainda) democrático da internet, vemos e topamos com cada besteira e poucas reflexões, especialmente, sobre pensadores ou opinadores da política brasileira. Confesso que precisamos ter hermeneutas em nossa linha de frente, como é seu caso, aberto, polemista, e real – pois do outro lado coexiste uma semi-realidade virtual ou até mesmo uma mera adulação, destaco “Pondé não sabe filosofia? Pondé não sabe história? Claro que sabe, ele é um brilhante jovem intelectual… Mas usa seus argumentos para animar setores da mídia que descobriram no conservadorismo rastaquera uma verdadeira mina de ouro.” A “Idade Mídia” “pondera” (foi sem querer o trocadilho) a favor de uma ordem da qual a própria mídia, ou mesmo seus críticos desconhecem: votos são trocados por petecas de cocaína de norte a sul desse país, dentre outros escambos escabrosos da nossa mercantil-democracia. Enfim, a questão é ampla. Como morador do Brasil que enxerga de cima (hhhh, do norte), envolto da vivência amazônica tão obscura quanto marginalizada, não concordo com o seu conceito de história, apenas (pós-cabralino), enfatizado por vc (e aqui aproveito para pedir sua defesa). Abraços e qualquer dia ainda iremos tomar um vinho na sua festiva Piracicaba.
Ninfa Barreiros
30 de março de 2014
Excelente seu texto, não duvido dele porque a análise, sob o meu ponto de vista teria que ser assim, frase por frase do texto que o Ponde escreve ou escreverá. Mas refleti para quem ele escreve (público e o jornal), não quero ser simplista, te escrevo é um reflexo.Podemos até colocar sendo mais simplista ainda que as escolas em qualquer nível não nos orienta a refletir.Já vi o Ponde falando e me pareceu, não com a sua profundidade, um ranço difícil de se acabar. Aprendi nesse domingo com você, embora o texto já estivesse postado no blog. Agora vou acompanhar os textos sobre as duas correntes que você se propôs a publicar. Parabéns.
fabiocasemiro
31 de março de 2014
Benílton!!! (ou Lyam-Rosa) Que saudade dos nossos cafés na unicamp…. Quando vc vem para esse mundinho caipira sulista??? Parabéns pela filhota!!!!!
… Mas não entendi sua questão: eu não apresentei um claro conceito de história. Defini anacronismo, nos comentários com JRP.
Diga aí, do que eu disse, o que não ficou claro? (ou ainda, do que eu disse, onde meus argumentos nadam e se afogam?)
Abraços,
Pirakhobson!