
Fonte da imagem: http://badalovip.com/cidadania-nossa-democracia-imperfeita/
Quando ouço pessoas, inclusive mais jovens, afirmando preferirem uma ditadura à nossa democracia, sinto-me mal, incomodado. Penso que elas não têm muita clareza do que estão dizendo. Por outro lado, ao acompanhar os desmandos de nossos políticos, entendo a irritação que leva a tal simpatia pelo autoritarismo. E não é necessário nos afastarmos de nossa cidade para vermos as distorções a que me refiro. Em nossa Câmara Municipal, temos visto com muita regularidade, atitudes que desmerecem o sistema democrático. Em 2012, os vereadores aumentaram seus subsídios em 66%, causando indignação e reprovação dos eleitores, o que foi comprovado por pesquisas. Mesmo assim o aumento foi mantido. A coleta de assinaturas para um projeto de lei popular que revogava o aumento, sequer foi recebida pelos vereadores. De lá para cá, outras atitudes ocorreram. O único vereador que abriu mão do aumento teve seu chefe de gabinete exonerado ilegitimamente (e até onde entendo, ilegalmente) pela presidência da Câmara. E nesta última semana, os vereadores, com poucas exceções, votaram pela correção do seu subsídio, por um regulamento interno que impede manifestações dentro do plenário e adiou, mas não recusou, outro projeto que permite ao legislativo “caçar” o status de utilidade pública de entidades que o critiquem… Nada disse é, de fato, muito animador para quem vê este tipo de “democracia funcionando”.
Fica mais frustrante quando percebemos que a grande maioria das atitudes dos vereadores é a de prestar homenagens, conceder moções de aplauso, requerer o fechamento de buracos em vias públicas e atender, no varejo, demandas que não lhes competem. Fiscalizar o Executivo, por outro lado, uma das funções mais importantes, nem pensar. Tudo que vem “de cima” é aprovado. Não dá mesmo para ficar satisfeito com isto e este é um dos motivos pelos quais muitos acreditam que uma ditadura seria melhor.
Mas se você é um dos que pensa assim e se sente tentado a desejar um regime autoritário, permita-me uma observação. O que vemos aqui, não é uma democracia plena, mas uma distorção do processo motivado por leis feitas logo após a ditadura militar e por muitos deputados e senadores oriundos da mesma. Leis que, no fundo, mantiveram privilégios e atribuições restritos aos políticos, afastando a população da cidadania. Por exemplo, por que a Constituição diz que somente os membros do legislativo podem definir seus subsídios e impede projetos de lei populares nesta área? Não é a manutenção de um privilégio fora do jogo democrático? Outro fato, nosso sistema permite, principalmente a eleição por votos de legenda e com um número nem sempre representativo do eleitorado. Os votos que elegeram os vereadores de Piracicaba representam apenas 20,3% dos eleitores da cidade. O vereador mais votado teve 3,02% dos votos válidos (que são aqueles dos eleitores que realmente votaram e não anularam ou votaram em branco) e 2,18% dos votos do total de eleitores aptos da cidade. O presidente da Câmara obteve 1,06% dos votos válidos e somente 0,76% dos votos totais. Ou seja, os vereadores, embora eleitos legalmente, representam uma parcela muito pequena dos eleitores e infelizmente, as vezes são exatamente os eleitores pouco informados, que se beneficiaram ou se acreditaram beneficiados por favores no “varejo”.
Isto está errado. É uma falha no processo democrático e tem que ser alterado por uma reforma política e eleitoral. Claro que aos políticos isto não interessa, mas a nós sim. E se vivêssemos numa ditadura, não poderíamos nos manifestar a favor de uma mudança nas regras eleitorais. Na democracia, embora imperfeita, podemos e devemos. Antes que você deseje um regime autoritário, pense nisto, nessa sua possibilidade de se expressar, protestar e reivindicar, como estou fazendo agora. Pense também se de fato os nossos vereadores agem como democratas. Em minha opinião, se agissem teriam mais cuidado com atitudes como as que citei acima. No fundo, o que eles fazem tampouco é o que eu penso ser democracia plena. É autoritarismo em cima de um grande número de cidadãos sub-representados.
Mariana
9 de abril de 2014
Oi Luis Fernando, fui tua aluna no colegial (praticamente na renascença) e agora estou numa cidade do interior de Goiás trabalhando com agricultura familiar no curso de Geografia da UFG. Antes de mais nada to super feliz de te ler, você foi um dos muitos professores inspiradores que agente tinha naquela época feliz! Os alunos da história estão organizando um ciclo de palestras sobre a ditadura militar, vão trazer uma porção de gente (tem um sobrevivente da ALN e o diretor de um filme que prometeram vir) e me pediram pra perguntar de outras pessoas que poderiam vir. Você tem um email pra eu passar pra eles te darem mais detalhes? Também queria, se você tiver, o contato do Marcio, professor de geografia, lembra? Grande abraço
blogdoamstalden
10 de abril de 2014
Olá Mariana.. Que bom encontrar antigos alunos e que bom saber que vc se lembra das minhas aulas. Não tenho o contato do Márcio , mas posso procurar. Meu email é lamstalden@uol.com.br
Muito legal seu trabalho e as palestras. Aguardo seu email.
Abs
Luis Fernando
andregorga
9 de abril de 2014
Luis, mais uma vez você tocou no ponto principal: não é justo que aproximadamente 1400 eleitores tenham a possibilidade de escolher um incompetente para representar 200 mil pessoas. Isso precisa mudar. Vereadores não deveriam poder cumprir mais do que 2 mandatos consecutivos. O João Manuel cumprir 6 mandatos consecutivos é um absurdo, na minha opinião (e o mesmo declarar, no preenchimento de sua ficha, na última eleição, que sua profissão é “vereador” é mais absurdo ainda). Piracicaba necessita renovar a sua câmara de vereadores. Espero que nas próximas eleições a população acorde.
José Carlos Esquierro
10 de abril de 2014
A grande verdade é que o regime militar que durou 21 anos, castrou a politica da nossa sociedade. Os políticos remanescentes daquele período já morreram e o que sobrou foi um bando de espertalhões especializados em disputar eleições e usar cargos políticos sem conhecer as verdadeiras atribuições de um político decente. Estão muito menos interessados em defender os interesses públicos, e mais seus interesses pessoais e de seus grupos, garantindo durante quatro anos pelo menos (tem gente que já garantiu algumas décadas) a sua sobrevivência sem precisar trabalhar. Em Piracicaba, por exemplo, um vereador ganhando R$ 11.500, 00 por mês garante, trabalhando cinco horas por semana, a si e a sua família, um padrão de vida muito superior que a esmagadora maioria da população que luta trabalhando 8 a 10 horas por dia, e pior, muitos desses vereadores mal sabem escrever, nem têm ideia do que seja uma verdadeira democracia, pois carregam no máximo um certificado do ensino médio de baixa qualidade oferecido pela nossa gloriosa escola pública. Perdemos a vergonha ao eleger esse tipo de gente. Abraços
Carla Betta
11 de abril de 2014
“Na onda” do debate: ditadura X democracia
Liberar-se é deixar de ser escravo; libertar-se é deixar de ser escravo e escravagista. (por Nilton Bonder em artigo no jornal “FOLHA DE SÃO PAULO” – 19 de abril de 2000)
Neste artigo, o rabino que o escreveu tece considerações interessantíssimas, as quais recomendo serem lidas. Em outra citação afirma: A liberdade está menos naquilo que somos livres para fazer e mais no que somos livres para não fazer. A liberdade é uma conquista interna e nunca um ajuste externo.
A minha geração, a anterior e a um pouco posterior foi educada rigidamente, sem o direito à livre expressão. Enquanto cursava a faculdade, fui ser monitora de uma escola de educação infantil e observei, estando dentro de uma escola com proposta construtivista, que já resvalamos para o outro extremo: o “laissez-faire”, não a escola, mas os pais, as famílias. Passávamos do “não pode fazer nada”; “lugar de criança é na cozinha” para o “meu bem, o que vc quer fazer?” e a sala foi tomada pelos minis-déspotas. Aprendi, bem mal aprendido diga-se de passagem, que uma ideia passa pela evolução em 3 estágios: a tese, a antítese e a síntese; isto é, a afirmação, a argumentação favorável; depois, a contradição à ideia, argumentando contra e a síntese, que seria a conclusão conciliatória dos extremos.
Mas, no quesito ditadura X democracia, ao menos no campo das ideias, ainda estamos nos debatendo entre tese e antítese e não conseguimos tridimensionar essa discussão para uma síntese, evoluída em pensamento e prática. Na prática, será mesmo que exercemos a democracia? O pressuposto fundamental da democracia é a transparência das diversidades para haver real opção de escolhas. Que transparência vemos? Manipulações em cima de manipulações dos fatos e dos projetos. Que transparência poderá haver se mais da metade da população não sabe ler, interpretar, conectar informações, enxergando a realidade? Como, se estamos “embotados em cimento, lágrimas e ignorâncias” (com a licença de Chico Buarque)?
Ah, a ditadura seria melhor, não seria? Com tanta corrupção! Como adolescentes desinteressados, barulhentos e apáticos em uma sala de aula gerenciada por um professor descortês, que “enche lingüiça”, falta e não se impõe como autoridade moral, aguardamos a diretora distribuir broncas e sanções para disciplinar a sala; para castigar “aquele pessoal do fundão”. E os outros alunos? O que fazem? Não podem eleger um professor adequado? Não podem participar da organização e deixarem de serem omissos como alunos? Não podem se tornar educadores com nova postura?
Enquanto a LIBERDADE não nos for cara companheira, visceral, parte fundamental de nós mesmos, continuaremos a ser escravos e escravagistas. Liberdade pressupõe responsabilidade, deixarmos de sermos vítimas desses políticos corruptos e mesquinhos e participarmos. Não foi o outro, fomos nós. Somos nós.
Liberdade pressupõe conhecimento. E já que estamos mencionando rabis, do meigo rabi da Galiléia: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” João 8:32
A ignorância não cega, que pena! Desenvolveríamos outras habilidades para continuar a enxergar a realidade. A ignorância obnubila a realidade, deturpando-a, mascarando-a.
Há um projeto da ditadura com grande sucesso até os nossos dias, devemos parabenizá-los pelo êxito e lamentar a nossa sorte, que é a desvalorização do conhecimento, a queda vertiginosa na qualidade de nossa educação formal, a transformação de um povo em marionetes enfraquecidas aguardando um “salvador da pátria”, desconhecendo o poder e a força de sermos cada um o salvador de nós mesmos e de nossa pátria “tão gentil” (com a licença de João Bosco e Aldir Banc).
Há várias frentes de luta. O da educação me é a mais cara e a mais fundamental. Poderíamos impor a democracia, não poderíamos? Mas, o que irá mantê-la como bússola de nossas ações será a consciência dos fatos que nos cercam, não nos deixando envolver por manobras invisíveis a “olho nu”, pois estaremos com os olhos vestidos pela lente do conhecimento.
Escrevi ao professor Amstalden que acompanhava os artigos sobre a ditadura e os desmandos dos vereadores piracicabanos com interesse, mas não comentava nada para não ser deseducada. Eita, assunto, que mexe em meu âmago! Contive-me. Agora, sim, escrevi com polidez. Mas, a uma pessoa tenho vontade de dizer: “Vc é chato, muito chato, mais chato que lâmina no asfalto depois que o trator passou por cima”. Diante da insistência de argumentos e questionamentos anteriormente debatidos, esclarecidos por articulistas muito mais pacientes, sapientes e conhecedores do que eu, ainda insiste com ideias tacanhas e mal argumentadas? Mas, como me propus a ser civilizada…