Desfigurado

Posted on 12 de maio de 2014 por

0



2013-11-23 22.42.08

O sexo é, para mim, a mola motriz das ações humanas, há quem diga que seja o dinheiro, mas creio que o dinheiro é uma vertente do sexo. A força que tudo move tem conotação sexual.

O texto a seguir é um conto, mas pelo que conheço do sexo, poderia ser real.

 

 

Paulo adquirira sua cicatriz ajudando o pai no trabalho, ela dividia a sobrancelha esquerda ao meio, descia pelo canto do olho, passando por toda a bochecha, e terminando no queixo, bem abaixo da mandíbula. Um corte tão profundo que sua marca se perpetuou!

O rapaz ficara por mais de vinte dias sem ter coragem de olhar seu reflexo no espelho, apenas sentido o estrago que cometera contra a própria face com o tato. No dia que tomou coragem viu-se refletindo no espelho e não se reconheceu, olhou por alguns minutos e se manteve firme, não cedeu ao choro, como se era de esperar de um rapaz, imposto tanta masculinidade, todavia, internamente se esvaiu em lágrimas como uma donzela que sofre de solidão. Desse dia em diante, era cabisbaixo, um semblante triste, e um olhar distante. Acontecia de vez enquanto ver refletido em algum vidro espelhado, ou uma poça de água da chuva, o seu rosto desfigurado, sentia o coração pequeno e uma vontade súbita de não existir. As vezes tarde da noite, passava a mão em seu rosto só para ter certeza, antes de dormir, que tudo o que ele já foi um dia, não existia mais.

Nas fotografias antigas, via o rosto de um belo rapaz e não tirava fotos novas, os anos marcados apenas na memória, sem registro em vídeo ou papel.

Acontece que um dia indo ao trabalho, viu uma bela moça! Não ousou achá-la bonita, sequer teve coragem de olhar o seu rosto, mas o destino resolveu intervir: Dia após dia, eles se encontravam, e surgiu uma amizade que só o tempo é capaz de alimentar, ao passo que sempre se encontravam, na fila do supermercado, no cinema, no teatro, no posto de gasolina, numa festa de amigos em comum, e ocasionalmente na igreja. A aproximação era inevitável e ambos começaram um conversa com muita finalidade nos novos encontros que o acaso planejava para eles. A amizade tornou-se amor, e não foi Paulo que tomou coragem de roubar o beijo que iniciou o namoro.

O casal agora andava junto e não dependiam mais do acaso para se encontrarem, e sendo o amor, o mais estranho dos sentimentos, eles desejavam um ao outro, e nunca conversaram sobre a cicatriz que marcava macabramente o rosto do rapaz.

Na primeira noite em que o casal ficara só, e involuntariamente, viam-se envolvidos com o sexo, a moça confessara repentinamente:

– Essa sua cicatriz me excita!

O coração do pobre Paulo quase não cabia na caixa torácica. Ele sentiu medo, receio e ânsia, não queria falar sobre sua cicatriz, não naquele momento, não com essa moça que lhe arrancava o fôlego de tanto desejo, não na noite em que se entregaria aos braços de sua amada, mas o comentário dela não passaria despercebido e seu corpo gelara e frígido estava a tal ponto que congelou o tempo. Passavam os segundos como horas, e a moça percebendo que ele estava entorpecido, iniciou o coito, quase que sozinha.

Em dado momento, quando o rapaz estava mais relaxado, e os movimentos do coito eram reflexo do desejo eminente, a moça deitara sobre seu corpo e com a língua, passara suavemente em toda a cicatriz, e nesse momento ambos gozaram.

Daquele dia para frente, não houve uma só noite em a cicatrize não fizesse parte do momento mais importante do sexo.