Maio, mês das noivas. Maio, mês das mães. Fui privilegiada. Tive três mães. Minha mãe de verdade, minha tia Célia e minha avó.
Irene, minha avó.
Quando meu irmão, nascido oito anos após minha aspiração no mundo, era pequeno a música de Caetano Veloso do link acima era sucesso e ele, encantador em seu momento de aprender a falar, na graça inerente às crianças em seus equívocos de linguagem, cantava: “Quelo vê Ilene dá sua plivada”.
Irene, minha avó.
A matriarca. Irene do gênio forte, dos quitutes na cozinha, trabalhadora, “resmunguenta”, forte! Irene, a Miss Santa Rita do Passa Quatro em sua juventude, arrebatou o coração do jovem Ângelo com quem “não casaria nem que fosse o último homem sobre a Terra”. Mordeu a língua, Irene. Ângelo, meu avô.
Irene, minha avó. A protagonista do amor mais lindo que testemunhei! Nem nos livros que li. Nem Romeu e Julieta, que por terem morrido jovens, só conheceram o amor-paixão, mas não comeram um saco de sal juntos, nem sais, nem ais, ais, da sogra implicante, das cunhadas desprezando, da escassez de dinheiro, dos filhos e toda a bagagem de problemas e alegrias que carregam. Mais de 50 anos! E ele a amava apaixonadamente! Submisso, entregava-lhe o salário e o comando da vida familiar.
Ângelo, meu avô. Proibido de falar sobre o espiritismo que abraçava, fomos todos batizados e fizemos a primeira comunhão: filho, filha, as quatro netas e o neto.
Ângelo, meu avô. Irene, minha avó. Ambos acamados; ele não resistiu à possibilidade de viver sem sua Irene e partiu antes dela. Para preparar-lhe os céus. Irene merecia um tapete vermelho ladeado das roseiras e hortênsias que cultivava com tanto esmero.
Irene, minha avó.
Mulher de fibra, dedicada à família, levantava ao cantar do galo e encostava a barriga no fogão para nos deliciar com sua habilidade inimitável da comida simples e saborosa, quão saborosa!
Irene, minha avó.
Criada no seco, não conhecia as chuvas do afeto. Então, minha avó e eu tínhamos um artifício para nos aproximarmos e vivermos carícias. “Vó, acho que tem piolho em minha cabeça”. “Deita aqui no meu colo que eu os tiro e mato.” Eu repousava a cabeça em seu colo quente e macio e suas mãos tiravam e matavam piolhos imaginários em um cafuné dos mais agradáveis, relaxantes, amorosamente cúmplices em nossa brincadeira. Até ela adoecer, já mulher feita, ainda aconchegava-me em lúdico afeto.
Irene séria. Irene brava. Irene não ri. Irene não sonha. Não sonha? Em sua primeira internação da enfermidade que a carregou, olhava para a parede branca e manchada do mínimo e desconfortável quarto de hospital e descrevia uma paisagem verdejante e úmida de cachoeiras e cavalos. Irene fora de si revelando o tesouro que escondia.
Irene das mãos com manchas. Ao aparecer a minha primeira mancha na mão, estava mesmo que observo enquanto escrevo, chorei de emoção. Um pedaço de Irene em mim, de sua genética se manifestando. Irene imortal.
Irene ri. Ri, Irene. Será que ela aprendeu a rir e gargalhar nos céus? Sorri, Irene, ilumina seu rosto de minhas lembranças, enquanto molho o travesseiro de tantas saudades!
Carla Betta
13 de maio de 2014
*ops! onde se lê “aspiração”; leia-se “aparição”, no terceiro parágrafo.
Antonio Carlos Danelon - Totó
16 de maio de 2014
Que lindo, Carla. Um poema. Ao ler, Irene, além de rir, vai chorar de emoção e gratidão.