A base e o topo. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 14 de maio de 2014 por

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Não adianta relativizar. Professor, no Brasil, ganha mal. Não sei de outros países, mas aqui o salário é ruim, principalmente se levarmos em conta a responsabilidade que se tem ensinando. E não é só o ensinamento teórico, acadêmico que demanda cuidado, mas principalmente como tratamos e incentivamos o desenvolvimento do aluno à nossa frente. Já ouvi o contrário, que professores ganham bem. Mas ouvi isto ou de gente muito pobre ou muito rica, não de professores mesmo. Enfim, cada um vê o mundo a partir de onde está e poucos são os que tentar se colocar no lugar do outro.

Sou professor desde 1986, quando ainda não havia terminado a graduação. Parei entre 1991 e 1996, tendo trabalhado com pesquisas neste período e depois voltei, assumindo principalmente a docência no ensino superior. Se meu salário for comparado com os demais, eu estou dentre aqueles “do topo”, que por terem pós graduação e experiência, ganham um pouco melhor. Melhor mais nem tanto e cada vez o “melhor” fica “menor”. Os professores de séries mais baixas, do ensino médio e fundamental, ganham menos ainda. E é aí que está, a meu ver, uma grande injustiça. Explico: lecionei desde o chamado agora oitavo ano do ensino fundamental até aulas em cursos de pós graduação. Também fiz palestras e dei cursos para públicos que foram desde gente da periferia, operários e membros das antigas Comunidades Eclesiais de Base, até para platéias de professores doutores, em congressos, inclusive fora do Brasil. Mesmo assim, eu nunca lecionei para crianças e confesso que, penso ser imensamente mais fácil falar para um público mais velho e mais instruído do que ensinar as primeiras letras para garotos e garotas. Para ser franco, se me colocarem frente a uma turma de sete ou oito anos de idade, eu não saberei o que fazer. Dê-me qualquer outro público e eu me adapto, mas aos pequenos eu não sei ensinar. E não sei porque o universo deles é mais complexo, mais sutil. Ensinar uma criança exige mais conhecimento psicológico, pedagógico e uma sensibilidade mais apurada, além de, é claro, o conhecimento da disciplina em si e da sua abordagem.

Ok, eu conheço o alfabeto, sei ler e escrever e sei matemática básica. Mas ensinar isto para crianças é outra coisa. Meus colegas professores que trabalham com crianças podem saber menos História e Sociologia do que eu, mas precisam saber muito mais de como ensinar o básico, como motivar e acolher, ao mesmo tempo, as mentes infantis. Meus alunos são mais velhos e adultos. Com eles, salvo exceções, o diálogo é mais direto e a forma de pensar é mais clara, embora não seja necessariamente a mesma que a minha. A criança, por sua vez, é outro universo. Seu cérebro funciona mais rápido, registra mais coisas ao mesmo tempo. Com elas não basta ser direto nas palavras, é preciso ser sutil nas percepções. Um erro ou um descaso e foi-se, talvez para sempre, a chance de ensinar alguma coisa. Magoe, menospreze, ensine errado, seja relapso e isto ficará registrado na mente da criança, criando ou uma barreira para o conhecimento ou um saber “torto”, insuficiente, que não será corrigido tão fácil. Quando esta criança crescer e chegar, finalmente, à minha classe, o que eu posso ensinar a ela dependerá profundamente do que foi ensinado antes, pelos colegas das séries anteriores. Se eles não souberem ler e escrever direito, não tiverem adquirido capacidade de concentração, de raciocínio, então todo o saber mais complexo que eu devo passar será bloqueado. Como eu posso ensinar alguém que está preso a um trauma, uma forma errada de estudar ou limitado a uma base teórica insuficiente? Eu, no “topo”, não posso fazer muita coisa sem aqueles que estão na “base”. Meu doutorado, minha experiência acadêmica não valem nada diante de um aluno que não foi bem ensinado antes.

Não, eu não menosprezo os que ensinam nas séries mais altas, nem suas especializações e nem sua experiência. Também não reduzo a questão da docência aos salários. Mas é fato que um profissional mal pago, tem menos tempo, motivação e ânimo para ensinar bem, prestar atenção aos seus alunos e se dedicar a eles. Eu não quero ganhar menos, quero ganhar mais. Mas também quero que meus colegas do ensino fundamental e médio ganhem mais, bem mais. Que com um bom salário lhes sobre tempo para evoluir no seu conhecimento e para se dedicar aos alunos. Eu não só quero isto, preciso disto, caso contrário, não conseguirei ensinar nada.

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