Tem gente esperando. Por Caio Albuquerque

Posted on 6 de junho de 2014 por

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Certa vez, no início da década passada, ainda quando frequentava os bancos acadêmicos, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), lá no querido campus de Bauru (SP), me deparei com a seguinte afirmação de Ítalo Calvino: “é preciso levantar os olhos das páginas para sondar a escuridão”. Cabe a cada um interpretar a sugestão do célebre escritor italiano. Eu, particularmente, ao ler essa curta frase, estava procurando uma resposta para uma questão de certa forma simples, mas de difícil solução: “qual a repercussão da ditadura militar (1964-1985) em Piracicaba?”. Livros e jornais não tinham essa resposta até que, em 1994, foram abertos os arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS).

Paralela à corrida de pesquisadores em direção ao acervo tão rico do DOPS, uma outra oportunidade me ocorreu. Para quem sabe encontrar minha resposta, que resolveria a hipótese da minha dissertação de mestrado, optei por registrar relatos orais de testemunhas da ditadura em Piracicaba. De uma lista tímida, de cerca de cinco ou seis nomes, finalizei o trabalho com cerca de três dezenas de entrevistas, que unidas somam mais de 1.100 minutos, ou cerca de 20 horas de relatos dos mais diversos, mas que se unem em uma só certeza: Piracicaba tem muito a dizer sobre os efeitos de um período tão obscuro da nossa história. Seja na política, na educação, na cultura, na religião, no meio operário e na imprensa, a cidade que, nas décadas de 1960 e 1970, se urbanizava e assistia uma significativa expansão industrial, não passou ilesa diante de tamanha repressão.

Cadeia lotada de presos políticos. Delações no chão de fábrica. Vigília em salas de aula. A sacristia como esconderijo de resistentes ao regime. Passeatas, cassações, denúncias anônimas, tortura física e psicológica. Depoimentos na calada da noite, ameaças aos familiares, censura etc. Tudo isso ocorreu também com os piracicabanos. Tudo isso faz parte de uma história longe de ser oficial, mas carregada de sentimento, de tristeza, de amargura e vergonha. As testemunhas tinham muito a dizer.

Como sugeriu Calvino, tirei os olhos das páginas, sondei essa escuridão que me apresentou a melhor aula de História. Encontrei na oralidade, nas histórias de vida, algo que de certa forma completa a imensidade de fichas reveladas pelos arquivos do DOPS. Em outras palavras, como afirma o historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, “na história oral, busca-se um registro da experiência vivencial. Com elas, constitui-se um documento objetivo que ou vale por si, e neste caso dispensa análise, ou é equipado com outros discursos ou documentos”.

Livro – Assim foi escrito o livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior” (Ed. Unimep), uma compilação de artigos que reúne reflexão, relato e pesquisa. Para seus autores, uma experiência única, construída, viabilizada e empreendida diante de um silencioso e inexplicável veto. A partir de seu lançamento, marcado para a noite desta sexta-feira (06/06), no SESC Piracicaba, uma lacuna bibliográfica será preenchida. Parcela significativa da minha dissertação está nessa obra e, portanto, espero que a leitura das 382 páginas do livro possa estimular tantos outros, professores, historiadores, estudantes, a sondar a escuridão e dar voz para quem ainda está aguardando a vez.

 

Lançamento: “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior”

Hoje, dia 6/06, no SESC Piracicaba, a partir das 20h.

Rua Ipiranga, 155. Preço de venda: R$ 45,00.

Caio Albuquerque é jornalista e um dos autores do livro “Piracicaba, 1964 – O Golpe Militar no Interior”

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