O café era forte, e ela tomava sem açúcar. Eu adoçava o meu. Não me lembro se o Queda fazia o mesmo. Mas me lembro de longas visitas que eu fazia e das longas conversar que tínhamos. Falávamos um pouco de tudo, de coisas sérias, de coisas engraçadas, ríamos, ficávamos as vezes todos em silêncio, pensando no assunto do qual falávamos. Também conversávamos sobre livros, uma paixão comum, e educação, jovens, alunos e professores, já que eu era professor das duas filhas Gabriela e Carolina. Falávamos do mundo e da vida enfim e eram tardes e noites agradáveis, serenas e alegres. Tardes e noites nas quais, eu jovem professor em início de carreira, aprendia muito e me sentia apoiado, estimulado a ensinar e estimulado a aprender.
Quando me mudei para Campinas, a fim de concluir o mestrado e iniciar o doutorado, os encontros, não só com os Queda, mas também com outras famílias de amigos, ficaram mais esparsos, até rarear. Em parte, isso é o curso natural das coisas. Somos seres em movimento e os caminhos, afazeres e espaços que ocupamos nem sempre coincidem. Porém, uma outra parte é devido ao fato de que nos esquecemos, frequentemente, de que a vida é frágil, passa rápido e de que visitar as pessoas de quem realmente gostamos não é um dever, mas sempre um momento de prazer, de alegria e de acolhimento mútuo em meio ao turbilhão do dia a dia.
O contato e o apreço, porém, nunca cessaram. Mais recentemente eu “encontrava” Maria Helena nas redes sociais. Trocávamos mensagens curtas e ela eventualmente comentava artigos do meu Blog. Em abril falamos longamente pelo telefone, tentando colocar, em pouco tempo, a conversa “atrasada” em dia. Um pouco antes, tínhamos nos visto pessoalmente, mas por acaso, no Largo do Pescador. Tanto ao vivo quanto pelo telefone, reiteramos a promessa de uma reunião, um encontro, não só entre eu e o casal, mas com muitos outros amigos da época. Confesso que, esquecido da rapidez do tempo que mencionei acima, sempre protelei. Devia ter tomado a iniciativa e marcado o encontro, mas não o fiz. No fim de maio Maria Helena adoeceu e agora, na semana passada, ela se foi. Eu não cheguei a saber que ela estava doente, tão rápido foi o desfecho. Também por uma rede social, soube do que acontecera e só me restou o vazio que um amigo deixa ao partir.
Restou também a tristeza do encontro não marcado, não realizado e agora impossível. Restou a consciência aguda de que é preciso ver aqueles de quem gostamos, aqueles que realmente nos fazem bem e que isto é mais uma questão de decisão do que de oportunidade. As oportunidades se criam conforme as buscamos, mas mesmo o tempo em que isto é possível, é limitado, daí a necessidade de realmente criar as oportunidades sempre. Minha amiga se foi, mas nossa amizade, assim como a de muitas outras pessoas, ajudou a me moldar. Isso não está perdido e nunca estará. Mas eu queria ter partilhado com ela, um último café forte, o meu adoçado, o dela, sem açúcar.
Não deixe que o mesmo lhe aconteça. Dê um tempo a si próprio e vá ver aqueles de quem gosta realmente. Compartilhe um café, uma bebida, algum tempo com eles, porque não são somente seus amigos e amigas, são também são aqueles que ajudam você a ser quem é e o ajudarão, se forem de fato seus amigos, você a ser sempre melhor.
Dedicado aos meus amigos, Oriowaldo Queda, Gabriela e Carolina Queda e em memória a minha amiga, Maria Helena da Silva Queda, que mesmo com sua ausência, tornou a me ensinar e me estimular a aprender.
Soraya Kassouf Perina
2 de julho de 2014
Grande verdade, meu amigo. Não deixa a vida levar nossas lembranças e sentimentos. Grande abraço! So
Carla Betta
2 de julho de 2014
Relato comovente!
augusto sousa
2 de julho de 2014
Sem dúvida, esse artigo fez como o despertador de toda manhã.
Viajei pelo tempo, pelas lembranças e antes de deixar o tempo procrastinar mais e mais, liguei, na verdade,” mensageei”, se é que define o ato de enviar sms. e sábado, espero tomar, não o café forte, mas aquele chopinho escuro de anos atrás.
Abraços
Anônimo
2 de julho de 2014
Terminei a leitura com lágrimas….
Heloisa Angeli
2 de julho de 2014
Belíssima reflexão , profundamente verdadeira! Tocou meu coração…
Antonio Carlos Danelon - Totó
3 de julho de 2014
Perfeito! Tocante!
Aluno
12 de agosto de 2014
Caro professor. Esse é o tipo de texto que nos parece meio clichê, não pela forma com que é escrita ou pela história que conta, mas sim pela mensagem que passa. Eu, como um jovem, às vezes paro e penso o quão raro alguns encontros que eram comuns se tornaram e isso me assusta. De certa forma, parece um ciclo. Em um momento, nos perguntamos a razão de não vermos mais a pessoa todo dia, depois toda semana, depois todo mês… Até nem lembrarmos mais (de forma hiperbólica) quem era.
Achei muito interessante a sua história e, por mais que seja algum sentimento relativamente comum na vida – que tende a nos levar por caminhos que afastam das nossas pessoas queridas – você me tocou.
O que resta é o legado. Na verdade acredito que o que importa é que deixamos para trás e não necessariamente o que levamos conosco quando partimos. Não sei se o senhor concorda comigo, mas talvez essa “falta de tempo” seja tudo fruto da compressão do tempo e do espaço, tema da sua última aula na minha turma na semana passada. É triste vermos que nem sempre conseguimos controlar da forma que queremos e como nos facilmente acomodamos em relação ao tempo, sendo que nossa existência num planeta que tem bilhões de anos de idade, é praticamente insignificante.
Obrigado pelo texto. Só me faz ver que cada vez mais tenho que aprender a seguinte lição: “Se você quer manter alguém por perto, você tem que fazer algo para isso. E por mais que os caminhos se partam, nada pode ser mais forte do que sua própria vontade.”
Grande Abraço.
blogdoamstalden
12 de agosto de 2014
Olá Aluno. Obrigado por comentar e pelo teor dos comentários. Sim, concordo, a Compressão do Espaço/Tempo tem muita relação com o que contei. Gostei muito da sua resposta e da forma como está escrita. Parabéns.