Cinquenta anos.
Estou um pouco desconfortável, não nego.
É impossível deixar de pensar que o tempo está esgotando. Impossível deixar de pensar nos sonhos perdidos e na impossibilidade de, já que sonhamos tanto, realizar muitos de alguns que ainda acalento.
E então, só me restam duas alternativas.
Posso me desesperar, me deprimir pela passagem rápida da vida, pela perda de sonhos e pessoas, pelos projetos que nunca verei concretizados.
Ou posso ver a vida com outros olhos. Com olhos do que realmente somos, “viajantes” de passagem em um mundo efêmero.
Kaváfis nos ensina esta segunda opção. Ìtaca é a ilha de onde saiu Ulisses, o herói da Guerra de Tróia e para onde, depois da guerra, levou vinte anos para voltar. Ulisses se perdeu, correu riscos, sofreu e também teve bons momentos nesta viagem. Mas mesmo quando parecia que nunca iria retornar, Ulisses jamais perdeu o seu “norte”, seu ponto de referência: Ítaca, seu lar…
Voltou mais velho e sem nada. Todos os tesouros saqueados de Tróia ou adquiridos em outros lugares, se perderam. Sempre me pareceu uma derrota, ao fim. Tanta luta, tantas aventuras para chegar de mãos vazias.
Mas aí, nos diz Kaváfis, é que reside a verdadeira riqueza e o verdadeiro sentido da luta. Na própria viagem, na própria luta. Não é a vitória, até porque, esta é tão efêmera e relativa. É a luta em si, a viagem em si, a vida em si.
As preciosas mercadorias que ele menciona, não são materiais, mas a experiência de conhece-las e experimentá-las. Esta é a única coisa que levaremos, de fato, até o fim, até Ítaca.
Mas, toda vez que leio o poema, penso também na própria viagem. Ainda que tenha se perdido, ainda que tenha vagueado de ilha em ilha, de aventura em aventura, Ulisses sempre manteve o objetivo, o rumo. Sua jornada foi errante, mas o objetivo, por mais distante que parecesse, estava lá.
E então me vem a questão. Qual o meu rumo?
A qual “Ìtaca” eu sonho em chegar e que deve nortear toda a minha viagem?
Isto já foi decidido, muitos anos atrás.
Aos cinquenta, agora, eu sei que, por mais “errante” que seja, já tomei meu rumo na adolescência.
A “Ítaca” com a qual eu sonho, é um mundo diferente. Bem melhor do que este.
Eu não vou chegar lá. Mas minha viagem para lá é que tem e faz o sentido.
Quer saber que mundo é este?
É aquele que Milton Nascimento descreveu. Um mundo de Utopia, eu sei, de vinho e pão, de amor e prazer, da felicidade dos olhos de um pai.
Com Kaváfis e Milton Nascimento eu celebro meu aniversário. Milton ilustra o rumo, e Kaváfis me lembra que a “vitória” está em manter este rumo, para a “minha Ìtaca…”
ÍTACA
“Se um dia partires rumo à Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões, nem os Cíclopes
nem o colérico Possêidon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for seu pensamento, se sutil emoção
teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes
nem o bravio Possêidon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercadorias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha, velho, enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar que riquezas Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas”
Konstantinos Kaváfis
Anônimo
18 de setembro de 2014
A felicidade não está no final do caminho, mas sim no próprio caminho.
Vitor Gumier
19 de setembro de 2014
Sensacional Luis! Melhor do que nunca… abraços e parabéns novamente!
Júlio Amstalden
19 de setembro de 2014
Bravo, meu irmão!
Daisy Costa
19 de setembro de 2014
Amstalden vc entrando nos 50 e eu inaugurndo a fase ‘sexy’… kkk imagine! Mas o importante é nos sentirmos com 23 anos no coração e nas atitudes, como no filme ‘Cocoon’… Nunca me esqueço do que Padre Otto disse ao fazer 70:’ não fazemos mais anos…os anos nos desfazem!’… #sóquenão! Deus abençoe muito sua vida! Parabéns pra você e pra nós que podemos lavar nossa alma com tantos textos maravilhosos que você escreve e compartilha de outros escritores também! Um grande abraço / Daisy e Ademir
Walter Chaves
19 de setembro de 2014
Parabéns amigo!
Não deixe de escrever pelo caminho. Forte abraço!
Carla Betta
22 de setembro de 2014
Nada a comentar que o poema não tenha dito! A poucos dias dos 55 anos, não o sou, mas me sinto bela como nunca me senti; sei que sou e me sinto na fase mais produtiva, com mais energia que vivi nesses 55 anos. Procuro por desafios e alimento sonhos que não sei se realizarei e outros que sei não alcançar; mas os alimento, porque a verdade é que eles são o meu precioso combustível. Desligada como sempre, sequer o cumprimentei, mas esta lucidez e sensibilidade que se destaca em seus escritos o está levando para Ítaca. Como diz a música: “Não sou eu quem me navega; quem me navega é o mar”. O que mais desejar-lhe que Ítaca já não traçou para vc? FELIZ VIAGEM!!
Marlene
23 de setembro de 2014
Querido Luis,
Só consegui ler hoje seu lindo escrito….que maravilha você escreve.
Nos convida a uma reflexão de nossas vidas…. de nossa Ítaca…da nossa Utopia.
Obrigada. Seja muito feliz e quando chegar a hora volte para Ítaca em paz! Por enquanto vamos aqui viver esta aventura por muito tempo ainda.
Abraços
Marlene