Meus cinquenta anos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 18 de setembro de 2014 por

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Cinquenta anos.

Estou um pouco desconfortável, não nego.

É impossível deixar de pensar que o tempo está esgotando. Impossível deixar de pensar nos sonhos perdidos e na impossibilidade de, já que sonhamos tanto, realizar muitos de alguns que ainda acalento.

E então, só me restam duas alternativas.

Posso me desesperar, me deprimir pela passagem rápida da vida, pela perda de sonhos e pessoas, pelos projetos que nunca verei concretizados.

Ou posso ver a vida com outros olhos. Com olhos do que realmente somos, “viajantes” de passagem em um mundo efêmero.

Kaváfis nos ensina esta segunda opção. Ìtaca é a ilha de onde saiu Ulisses, o herói da Guerra de Tróia e para onde, depois da guerra, levou vinte anos para voltar. Ulisses se perdeu, correu riscos, sofreu e também teve bons momentos nesta viagem. Mas mesmo quando parecia que nunca iria retornar, Ulisses jamais perdeu o seu “norte”, seu ponto de referência: Ítaca, seu lar…

Voltou mais velho e sem nada. Todos os tesouros saqueados de Tróia ou adquiridos em outros lugares, se perderam. Sempre me pareceu uma derrota, ao fim. Tanta luta, tantas aventuras para chegar de mãos vazias.

Mas aí, nos diz Kaváfis, é que reside a verdadeira riqueza e o verdadeiro sentido da luta. Na própria viagem, na própria luta. Não é a vitória, até porque, esta é tão efêmera e relativa. É a luta em si, a viagem em si, a vida em si.

As preciosas mercadorias que ele menciona, não são materiais, mas a experiência de conhece-las e experimentá-las. Esta é a única coisa que levaremos, de fato, até o fim, até Ítaca.

Mas, toda vez que leio o poema, penso também na própria viagem. Ainda que tenha se perdido, ainda que tenha vagueado de ilha em ilha, de aventura em aventura, Ulisses sempre manteve o objetivo, o rumo. Sua jornada foi errante, mas o objetivo, por mais distante que parecesse, estava lá.

E então me vem a questão. Qual o meu rumo?

A qual “Ìtaca” eu sonho em chegar e que deve nortear toda a minha viagem?

Isto já foi decidido, muitos anos atrás.

Aos cinquenta, agora, eu sei que, por mais “errante” que seja, já tomei meu rumo na adolescência.

A “Ítaca” com a qual eu sonho, é um mundo diferente. Bem melhor do que este.

Eu não vou chegar lá. Mas minha viagem para lá é que tem e faz o sentido.

Quer saber que mundo é este?

É aquele que Milton Nascimento descreveu. Um mundo de Utopia, eu sei, de vinho e pão, de amor e prazer, da felicidade dos olhos de um pai.

Com Kaváfis e Milton Nascimento eu celebro meu aniversário. Milton ilustra o rumo, e Kaváfis me lembra que a “vitória” está em manter este rumo, para a “minha Ìtaca…”

ÍTACA

 

“Se um dia partires rumo à Ítaca,

faz votos de que o caminho seja longo,

repleto de aventuras, repleto de saber.

Nem Lestrigões, nem os Cíclopes

nem o colérico Possêidon te intimidem;

eles no teu caminho jamais encontrarás

se altivo for seu pensamento, se sutil emoção

teu corpo e teu espírito tocar.

Nem Lestrigões nem os Cíclopes

nem o bravio Possêidon hás de ver,

se tu mesmo não os levares dentro da alma,

se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.

Numerosas serão as manhãs de verão

nas quais, com que prazer, com que alegria,

tu hás de entrar pela primeira vez um porto

para correr as lojas dos fenícios

e belas mercadorias adquirir:

madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,

e perfumes sensuais de toda espécie,

quanto houver de aromas deleitosos.

A muitas cidades do Egito peregrina

para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.

Estás predestinado a ali chegar.

Mas não apresses a viagem nunca.

Melhor muitos anos levares de jornada

e fundeares na ilha, velho, enfim,

rico de quanto ganhaste no caminho,

sem esperar que riquezas Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca

Sem ela não te ponhas a caminho.

Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.

Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,

e agora sabes o que significam Ítacas”

Konstantinos Kaváfis

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