Eu ia fazer um texto. Era sobre o rock e como ele é consumido hoje, nos nossos barzinhos e casas de shows. Ele começava com uma análise longa – prá variar – que eu desenvolvi em conversa de facebook – prá variar.
Ali eu contestava os alarmistas do fim do rock que veem nos repertórios cover dos classic rocks, a crise da criatividade do rockeiro, o fim de um sistema que, plagiando Antonio Candido (da literatura), eu definiria como o sistema “autor-obra-público”. Mas o texto sumiu do face!!
Talvez tenha sumido porque eu descia o sarrafo no sucesso da Banda Malta, naquele concurso de bandas da Globo… Não porque a banda é ruim, mas porque ela produz músicas próprias que já nascem cover, porque isso garantiria o sucesso (lucro) das gravadoras (falidas com o novo mundo de circulação internética de mp3).
Daí eu ia pro mercado de massa do rock, considerando que não poderíamos mais pensar sob o mesmo modelo (autor-obra-público) que ele nasceu: hoje, nem o U2 vive mais de disco e popularizar um gênero implica em conquistar um grande público – que vai consumir o U2 do modo mesmo como consome as músicas do Gustavo Lima e eis o ponto nevrálgico, para desespero dos rockeiros: para uma grande gravadora, música se traduz em grana, logo a Som Livre que é da Globo e que produz César Menotti & Fabiano, precisa cultivar uma banda de rock sob o mesmo paradigma do consumo garantido: a Banda Malta nasce cover do Nickelback (banda de sucesso pós-grunge que você nunca ouviu falar, mas escuta as músicas em rádio, festas de casamento e se pá, cai legal até nos velórios mais pops… e o pop, meu caro, não poupa ninguém).
Mas eu não escrevi este texto, estou descrevendo o texto que o facebook engoliu, logo este é um não-texto e, como todo não-texto, ele não existe.
Daí que essa não existência facebuquiana me levou a retomar uma ideia que certa vez tive: a de comparar o facebook e as demais redes sociais às Ágoras: as praças onde os cidadãos da Grécia antiga debatiam política. O face é a ágora do agora. Eis o problema: o facebook é privado, pertence ao seu Mark Zuckerberg (e a tantos outros acionistas e empresas vinculadas, ética ou espuriamente, a essa pilora…); o que me remete a pensar que nosso grande espaço público de discussão é um espaço privado… E achamos isso o máximo! E esse espaço privado muda a história: foi palco de articulação da Primavera Árabe, da nossa Manifestação Gigante, dos polêmicos Rolezinhos, dos Flash Mobs (rolezinhos de playboy)… É o lugar onde gestamos nossas gestas indigestas e aparamos nossas arestas como bestas e celebramos uma cyber-democracia que foi capaz de transformar o país da copa no país da política! Uau!
Daí que sou viajandão e, não escrevendo texto algum, fico pensando e lembrando que estamos em época de debates políticos, no clima de eleições… E lá vamos nós na nossa Ágora-Matrix nos degladiar… É o contemporâneo pós-pós-pós-pós tudo.
Daí eu volto a um texto – que existe! – de Paul Veyne da obra História da Vida Privada, vol. I. Lá ele fala sobre a política na Roma antiga e o texto se intitula: “Onde a vida pública era Privada” (sem trocadilhos escatológicos agora, por favor!). Ali o Veyne nos conta sobre o evergetismo que é a prática do homem público de mostrar sua nobreza embelezando a cidade, promovendo festas, banhos públicos e subornando políticos. Esse “homem bom” deve ser um homem de elite já que só um homem digno pode ser público, daí que o poder dele de conduzir o público emerge do poder pessoal que ele tem, de sua dignidade de homem bom, entenda: senhor de escravos, aristocrata.
Aí eu voltaria a pensar como todo mundo (que escuta na balada “Smoke on the water” junto com “tchê-tchê-re-re/tchê-tchê”) que o mundo evoluiu: saímos da era do fogo e chegamos aos smart-phones; saímos da biga e chegamos aos SUV’s; saímos do colonialismo e chegamos à democracia global… E eis que nossa vida pública se efetiva num espaço virtual (a rigor, contrário do real) e privado.
Eis que nossa grande preocupação política é sobre os limites entre público e privado: o “mensalão” no caso do PT é isso; o “trensalão” do PSDB mais o aeroporto mineiro do mineiro Aécio é isso; os limites entre religião e política na candidatura da Marina Silva (e as possíveis alianças Marina e Itaú, via Neca Setúbal) é isso; o desejo por reforma política no Brasil se assenta sobre esse debate também… O debate esquerda x direita, quando serve prá alguma coisa, trata apenas disso: como é para cada um o limite entre público e privado (e para que serve cada um). “Tudo valia dinheiro” é como começa o item “O Império da Propina” no texto do Paul Veyne…rs.
Aí eu penso que ficamos nessa de público x privado enquanto vamos pro barzinho escutar Gino & Geno ou Van Halen porque tudo, absolutamente tudo é uma questão de gosto – que não se discute, porque prá tudo tem mercado e é isso que importa… Achamos que discutiríamos música, mas prá além do gênero e do gosto, o debate haveria de ser: mas se o rock não chega ao mercado, ele deixa de ser rock? Ou é chegada a hora de pensarmos o rock (entenda, a arte) para além do mercado? (Já que alguns sertanejos e outros “pops” vivem contentes com a confusão entre arte e consumo). E em outras Ágoras, mais públicas, mas ainda na Matrix, o rock pulula criativo como nunca, pogando em stage dive em ondas piratas… “Pirateiem nosso CD!” É o que pregam bandas como Bóris Laobarenko e Os Apátridas do Pensamento Hegemônico; Mazzaropi Contra o Crime e Sr. Barriga. (Acho que as demais bandas que convivemos pensam da mesma maneira!)
E não escrevendo texto algum, fico pensando que cremos que mudamos tudo quando votamos nesse ou naquele candidato (e mudamos, claro), mas aí terceirizamos nossa compreensão (no bolo da “festa da democracia”) de que nossas relações entre o público e o privado são, em nosso cotidiano, igualmente mensalônicas (ou trensalônicas, que importa?). E os políticos somos nozes…
Aí vamos para o face fazer um selfie de nosso prato de porpetta ao sugo, enquanto nosso suco é ralo, e no ralo do mercado tudo passa… e passamos mal. E o mercado somos nozes…
Às vezes eu acredito na história. Que ela existe, existe… Mas no progresso, esse tá difícil de engolir. Talvez ela – a história – seja o eterno retorno do mesmo, numa versão bem pop (na vitrola de Mp3 dos séculos estão tocando os irmãos Daniela e Freddie Mercury… Tudo bem pasteurizado naquela estética pop do Sambô).
Ou talvez o historiador Fernand Braudel tenha mesmo razão: a história se move em camadas, umas mudam rápido, outras muito lentamente. Quiçá não seja a hora de pensarmos nessa nossa luta circular entre o público e o privado, nesse nosso Império onde “tudo vale dinheiro”. Nesse mundo em que o sacerdote supremo é um pastor envangélico que reencarna o Lobo de Wall Street, o único vencedor da guerra… E o lobo somos nozes...
Certo (ou não) está meu amigo filósofo Paulo Morgado, que diz:
Tudo incerto!
E dias piores virão…
E então: o que faremos com isso?
OBS.: E esse não é um texto pessimista! Ao contrário, denuncia uma crise e crise, em grego, apenas quer dizer “mudança”.
E não se preocupe… Afinal de contas…
Isso continua a não ser um texto
Fábio Casemiro
Prof. Fábio Martinelli Casemiro
Doutorando em Teoria e História Literária pelo IEL/UNICAMP
Mestre em Teoria e História Literária pelo IEL/UNICAMP
Especialista em História Cultural pela UNIMEP
Historiador pela UNIMEP
www.sonsdemodorra.blogspot.com
Augusto Sousa
23 de setembro de 2014
Um não texto bem escrito. Gostei.
Mas se foi escrito seria um texto?
Bem, acho que vou tomar um café….