Mais ou menos médicos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 24 de setembro de 2014 por

27



Médico cubano, Juan Delgado, sendo hostilizado ao chegar ao Brasil.

Médico cubano, Juan Delgado, sendo hostilizado ao chegar ao Brasil.

Ele é médico e expõe seus argumentos contra o programa “Mais Médicos” do governo federal que completa um ano agora. Segundo ele, o primeiro problema é que os estrangeiros não falam português e, sendo assim, não vão conseguir atender corretamente os pacientes. Em segundo, são “médicos de família”, despreparados para casos mais complexos. Em terceiro, vão para regiões em a mínima infra estrutura, logo não terão como atender adequadamente os pacientes. Por último, mas não menos importante, a maioria, por ser cubana, não passam de “escravos dos Castro” e, em tese, não deveriam ser usados pelo governo brasileiro que estaria, então, sendo conivente com o trabalho escravo.

Muito bem, concordo com o problema linguístico. A falta de domínio da língua portuguesa pode, sim, ser um grande problema. Também acredito que a infra estrutura deficiente é outro grave obstáculo. Mas, vejam só, em agosto do ano passado, uma tosse e uma pequena dor no lado direito do peito deixaram minha esposa preocupada comigo e ela insistiu que eu procurasse um médico. Fui a um hospital daqui muito bem equipado e lá fui atendido por um jovem brasileiro que pediu uma radiografia do pulmão e um eletrocardiograma. Não entendi direito o eletro, mas tudo bem, mal não me faria e não fez. O médico, no entanto, pareceu ter outra opinião. Ao ver o resultado do eletro, pediu um exame de sangue para saber se eu não havia tido um enfarte nos dias anteriores. Ao mesmo tempo fez com que eu fosse conduzido a uma sala de aplicação onde me prescreveu dipirona, Isordil e Tramal. Isordil é utilizado para angina e ataques cardíacos e Tramal um potente analgésico usado para dores fortes. Eu não sentia dores intensas, mal sentia a do peito, mas para o médico eu enfartava. Passei oito horas no hospital dopado, sem poder sair, sob efeito dos medicamentos. Antes de “apagar” consegui ligar para minha mulher que chamou um cardiologista nosso amigo. Não havia nada de errado, segundo nosso amigo, com o eletro. Eu não enfartara e nem enfartava, mas o médico não viu assim. Ok, menos mal, tirando o “barato”, não tive prejuízos. Mas esta não foi, infelizmente, a única experiência neste sentido. Meu pai, em janeiro passado, teve uma erisipela, uma infecção nos vasos da perna. No mesmo (e bem equipado) hospital onde eu fora dopado, o plantonista (e especialista) pediu uma tomografia da carótida. Meu irmão, que acompanhava meu pai e que já havia visto o mesmo problema nele anteriormente, alertou para a perna inchada e a febre que indicavam a infecção e foi olimpicamente ignorado. Meu pai só foi diagnosticado por um clínico geral no dia seguinte, que esbravejou ao vê-lo sem antibióticos. A demora em ministrar o remédio aliada a idade do paciente, renderam mais de uma semana de internação. Eu poderia citar ainda muitos casos, inclusive o de um amigo que foi liberado com três costelas quebradas porque o médico não viu as fraturas na radiografia, mas, o que isso tudo diz? Diz que não adianta nada um médico falar português, como os que nos atenderam, e nem ter todos os equipamentos, se ele não consegue interpretar um eletrocardiograma, identificar uma infecção ou entender uma radiografia. Diz que falar português e ter recursos não substituem a capacidade de ouvir o paciente e nem os conhecimentos básicos de medicina. Diz que nada substitui o comprometimento. Não posso afirmar que os médicos estrangeiros são melhores nestes quesitos, mas posso afirmar que os mesmos itens faltam aqui, com os brasileiros em uma região muito bem equipada.

Sobre a “escravidão” dos cubanos, creio que o melhor seria perguntar a eles o que acham. Sim, eles ficam com pouco do que o Brasil paga, mas não é uma situação muito diferente de milhões de trabalhadores terceirizados, inclusive médicos, que ficam com muito pouco do que o governo paga as empresas que os subcontratam. Espero, no entanto, que quem acha que eles são escravos tenha a mesma postura com outros trabalhadores e não comprem roupas de empresas de grife que mantem trabalhadores ganhando R$ 0,07 por calça costurada e também não vote em políticos já denunciados por manterem trabalhadores em regime análogo à escravidão.

O que consigo saber, com alguma precisão, pesquisando notícias de sites sérios, é que tem muita gente no interior do Brasil, que está muito feliz. Pela primeira vez estão sendo atendidos por um profissional de medicina. Pobres, idosos e doentes crônicos tem sim, médicos agora. São médicos de família, com certeza, e é o que eles precisam. Estrangeiros sim, que aprendem português rápido, até porque, sendo estrangeiros, precisam se integrar, interagir. Diferente de muitos médicos que conheço que se veem como uma casta a parte e, se possível, não falariam com os reles pacientes.

Posted in: Artigos