O primeiro celular que vi era enorme, caro e as ligações recebidas também eram cobradas, muito caras todas, por sinal. A pessoa que o manuseava era uma mulher, e ostensivamente o utilizava para dar instruções para sua empregada. Aquilo me chamou mais a atenção do que o aparelho em si. Por que fazer uma ligação tão cara apenas para dar instruções corriqueiras para a empregada? Pareceu-me, na época, só uma ostentação e não uma necessidade. E de fato eu ainda penso que era. Apenas ostentação.
Demorei a ter um. Não só o preço me incomodava como também não via utilidade. Mas me rendi e comprei quando bati o carro em uma estrada e não tinha como chamar o seguro. Naquela altura o preço havia diminuído bastante e eu contava usar pouco, somente para casos de relevância, como pedir socorro na estrada. Comprei o mais simples, o mais básico. Fazia e recebia chamadas. Tinha lá uns jogos que eu nunca usei e nem me interessei em explorar. Os modelos mais sofisticados já existiam e de lá para cá, só “evoluíram”. Vi surgirem as telas coloridas, as câmeras fotográficas integradas, gravador e agora os chamados “smartphones”, uma mistura de computador, internet e telefone, na qual o telefone em si passou a um plano quase secundário. Jamais comprei um por ser mais sofisticado do que o outro. Sempre usei os meus ‘até o fim’. O problema é que o “fim” fica cada vez mais próximo. Ou a bateria não carrega mais e comprar outra é quase tão caro quanto comprar um novo, ou algo quebra e não tem mais conserto. Ninguém ou quase ninguém conserta celulares. Eles são descartáveis. Tem que ser, caso contrário a indústria não vende mais. Aliás, a descartabilidade deles não se deve somente à quebra, mas hoje, principalmente ao fato de outros, mais incrementados, serem lançados. Um “smartphone” tem tanta coisa, tantos aplicativos, eu que nem consigo contar ou imaginar o uso. Para ser franco, tirando um aplicativo de GPS, eu não vejo utilidade em outros. Pelo menos não agora.
Mas, vai chegar o momento em que eu vou ver. Ou melhor, vou ser “obrigado a ver”. Da mesma forma que o meu primeiro celular deveria ser somente uma ferramenta eventual, usada com parcimônia para momentos de necessidade, agora ele se tornou “essencial”. Do meu trabalho, dos bancos, lojas, dos amigos etc, quase não recebo ligações pelo telefone fixo. Somente pelo celular. Contando com o fato de que eu posso não estar em casa, mas não estarei sem o celular, quase todos me ligam pelo telefone móvel. O que era uma ferramenta, tornou-se uma corrente que me prende aos outros e aos compromissos. Da mesma forma, também não consigo deixar de ligar para o celular das demais pessoas. Ocorre que diante da possibilidade de encontrarmos os outros mais rapidamente, deixamos para combinar encontros, discutir assuntos ou mesmo cumprimentar alguém por uma data festiva, sempre para a última hora. Antes fazíamos tudo isso. Mandávamos cartões de Natal, agendávamos compromissos com antecedência, planejávamos atividades de trabalho antecipadamente. Agora é cada vez tudo “já”. Tudo imediatamente. Quem lhe convida, seja para uma atividade de lazer ou de trabalho, também o faz “para ontem”.
Claro, não é só pelo celular. É por toda uma mudança tecnológica e de vida que inclui o celular, mas passa pelos computadores, pela internet e outras tecnologias que, como dizem os autores modernos, “comprimem o espaço e o tempo”. Claro, tudo isso tem vantagens, que vão desde poder chamar o seguro do carro seja de onde for até chamar o SAMU para socorrer alguém (já usei isso na rua também) e isso é excelente. Mas estes usos emergenciais continuam sendo poucos (ainda bem) e o uso cotidiano é para outras coisas cuja a urgência nós criamos e não a situação externa.
Eu comprei o meu primeiro celular para me sentir mais seguro e menos estressado se precisasse. Mas tenho a impressão de que, agora, preciso mais, por menos e me sinto muito mais estressado…
Marina Machado
7 de novembro de 2014
Excelente, Luis. Um abração!
Luiz Biazotto
7 de novembro de 2014
Excelente reflexão, professor!
Antonio Carlos Danelon - Totó
7 de novembro de 2014
Muito bom. Como disse alguém: O celular apareceu para resolver problemas que não existiam
Anônimo
12 de novembro de 2014
Professor,
Ao ler este texto acredito que seria interessante indicar para alguém que realmente não quer algo tão sofisticado, aparelhos novos (lançados esse ano) que satisfazem o essencial. Dê uma olhada neste celular recente da Nokia: http://www.microsoft.com/en/mobile/phone/130/
Além disto, gostaria de comentar algumas coisas em relação ao texto.
Como estudante de Ciência da Computação, naturalmente sou mais atraído por tecnologia, mas simplesmente detesto como o smartphone em si está se tornando uma ferramenta malígna de diversas formas. Esse sentimento de que estamos online o tempo todo é algo que me sufoca um pouco. São atitudes que parecem ir na contramão do que nós sempre fizemos. Às vezes imagino que estamos trocando pessoas por celulares, pois vejo jovens e até eu mesmo, mantendo a maioria das amizades por ali – não que seja comum, mas é mais cômodo, mais fácil, mais simples… Mais rápido. Essa velocidade assusta.
Grande abraço.