Matar. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 4 de dezembro de 2014 por

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Certa vez, li que uma determinada tropa de elite de uma grande potência militar, utilizava uma técnica curiosa e cruel nos seus treinamentos. Os soldados selecionados para tal tropa recebiam, depois do dia de treinamento, uma caixa de papel contendo alguns insetos. Antes de se lavar, comer e descansar, deveriam mata-los. Nos primeiros dias, ainda descansados e com o treino menos intenso, o ato era tomado como uma brincadeira. Os recrutas jogavam os insetos uns nos outros, colocavam-nos na camisa do colega, fingiam mastiga-los etc. Os sargentos, no entanto, eram inflexíveis. Ninguém comia ou descansava antes que todos os bichos estivessem mortos. Com o passar do tempo, o treino ficava mais duro. Dias de esforço intenso, fome, stress e cansaço. A noite não haviam mais brincadeiras. Os soldados pisavam ou esmagavam as caixas com as mãos e iam se lavar.

Depois de algumas semanas, o conteúdo das caixas mudava. Passavam a ser pintinhos e depois, ratos brancos que deveriam ser mortos ao fim do dia extenuante. Daí passava-se a animais maiores. Gatos, depois cães, não mais toda noite, mas em intervalos regulares. Só que agora o soldado tinha que variar. Deveria matar com facas, porretes ou mesmo estrangular, se fossem de menor porte os animais. Chegava-se a cabras e carneiros e, nos meses finais do treinamento, uma vez por semana ao menos, todos iam a um matadouro e deveriam abater o gado, de formas variadas também. Armas brancas, pedras, garrotes e eventualmente do jeito mais fácil, um tiro.

O propósito era claro. Cansados, estressados e obrigados a matar antes de descansar, os soldados se insensibilizavam, acostumavam-se a matar e a ignorar o sofrimento dos que morriam. Só assim se conseguiria um bom resultado no campo de combate e nas missões militares. Os homens, embrutecidos pela chacina constante, teriam menos dificuldade em matar outro ser humano. Alguns, talvez, até tivessem aprendido a “gostar” de matar, a sentir um prazer sádico em torturar animais, o que facilitaria muito o “trato” com o seu “semelhante” no contexto da sua “profissão”, matar…

Nos últimos meses gatos têm sido torturados e mortos em minha cidade. São gatos que povoam o Cemitério Municipal da Saudade. São muitos, é verdade, e acabam por criar alguns transtornos, dentre os quais está o da sujeira. Mas também são vítimas de uma violência inicial, a do abandono. Há muito tempo que filhotes e mesmo adultos são abandonados lá, assim como em outros pontos da cidade. No passado estes todos, do Cemitério e de outros lugares já foram mortos, envenenados ou sofreram maus tratos. O que tem acontecido recentemente, no entanto, parece ser mais sistemático, mais constante. Parece denotar não só uma “limpeza”, talvez de gente do próprio Cemitério que se exaspera com os animais, mas um prazer em machucar, sentir o sofrimento. Por que se dar ao trabalho de espancar um animal até a morte e não de envenená-lo, se não houver aí, um prazer com o ato de espancar? Por que encerrar filhotes vivos em túmulos e deixá-los lá, para desespero da mãe?

Eu não sei qual é o motivo destes atos e quem os pratica. Mas sei que quem faz isso está perigosamente perto do treinamento daqueles soldados de “elite”. Está desenvolvendo, ou já desenvolveu, um desprezo pela vida e pelo sofrimento. Está capacitado já, ou quase, a “subir de posto” e a passar dos gatos do Cemitério para outros seres maiores. Quem sabe, até, um que anda em duas patas e fala sua língua.

Dedico este artigo a todos, ONG´s e voluntários, que se esforçaram e esforçam para proteger os animais abandonados, que se dedicaram a resgatar filhotes do Cemitério e a proteger os adultos. E alimento a esperança de que, quem quer que leia estas palavras, pense em adotar um dos que foi resgatado.

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