A criança e o brinquedo. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 22 de dezembro de 2014 por

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Ele e os dois irmãos mais novos eram o “final da fila”, cujo o “inicio”, o irmão mais velho, já labutava havia tempo junto com o pai para sustentar a família. Até aquele ano, ele me conta, nunca haviam ganho um presente de Natal. Mas então, uma de suas irmãs que começara a trabalhar um pouco antes, deu a eles um brinquedo, um pequeno caminhão de plástico, um só para os três. Mas, ele conta, isso não foi problema. Ele e os irmãos não brigaram, mas brincaram muito. Com pequenos pedaços de madeira e carretéis vazios de linha, construíram uma carreta que atrelaram ao seu caminhão. E isso foi só o começo. No pequeno quintal de terra, foram construindo primeiro uma estrada, depois, com materiais improvisados, casas, postos de gasolina, colinas e uma variedade de ambientes pelos quais passava, com uma carga na “carreta”, o caminhão de plástico vermelho. Foi, ele relembra, uma brincadeira que durou meses e eles se divertiram muito, muito mesmo.

O que a memória do meu amigo revela é uma verdade simples que nós ocultamos na sociedade de hiperconsumo. Brinquedos são bons e as crianças precisam deles, mas mais importante do que os brinquedos são as brincadeiras. Um único carrinho de brinquedo pode ser um paraíso se colocado no contexto da imaginação infantil, como fizeram os três irmãos. Ele enriqueceu o quintal mas foi também enriquecido pela construção do ambiente nas brincadeiras. Isto é o mais importante, não o brinquedo, mas a brincadeira.

Em nossos tempos, uma única criança de classe média tem, com certeza, mais brinquedos em sua vida do que eu, meus irmãos e primos tivemos juntos durante a nossa infância. Ganhávamos brinquedos sim, mas duas vezes no ano, uma no Natal e outra no dia do nosso aniversário. E na maioria das vezes eram brinquedos simples. No entanto, assim como meu amigo, não fomos menos felizes e nem nos divertimos menos. Ao contrario penso que nos divertimos mais. Primeiro porque nossos brinquedos não brincavam por nós, nós é que brincávamos através deles. Hoje vejo algumas coisas com controle remoto que simplesmente brincam sozinhas. Seus movimentos são variados, mas definidos pela máquina e não pelas mãos das crianças. Sempre presenteio crianças com coisas simples, mas que permitem a elas imprimir sua imaginação nos brinquedos. Até agora fui muito feliz nestes presentes e pude ver o interesse dos pequenos neles, da mesma forma que eu fui feliz com os brinquedos que podia manusear.

Um segundo motivo pelo qual acredito que fomos mais felizes é exatamente pelo fato de termos tido menos. Não se trata de apologia à pobreza, mas de uma outra avaliação. Quanto mais as crianças têm e mais banais e descartáveis se tornam os brinquedos, menos espaço sobra para a imaginação e para a valorização do presente. Meu amigo ganhou apenas um caminhãozinho na vida e para dividir com seus irmãos. Porém, deste “pouco” fizeram “muito”. Criaram um mundo no quintal cujo desencadeador foi o raro presente.

Claro, você pode dar mais do que apenas um caminhão de plástico para as crianças. Mas, será que precisamos dar tanto e tantas coisas que fazem tudo sozinhas? Não seria importante ao invés de dar tanto e coisas tão sofisticadas, dar menos, com mais espaço para a criatividade e ensinar as crianças que compartilhar, brincar juntos é bom e até melhor?

Não haviam brinquedos tão sofisticados como videogames em minha infância. Se houvessem eu os desejaria, claro. Mas tenho certeza, tanto pela lembrança da época quanto pelas minhas experiências com crianças hoje, de que nenhum videogame é tão divertido como uma brincadeira ao ar livre com amigos.

Nestas festas, ao presentear, pense em quem realmente você quer fazer feliz. Seus filhos ou a indústria?

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