O Natal e o sentido. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 23 de dezembro de 2014 por

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Tem sido recorrente ouvir a frase: nem parece tempo de Natal… Esta semana ouvi duas vezes, fora outras muitas nos últimos tempos. É claro que cada um que diz isso o faz em um contexto próprio. Alguns estão estressados, outros com dificuldades financeiras, problemas familiares e outros ainda, e estes talvez sejam a maioria, se ressentem da perda dos Natais da infância. De fato a vida adulta nos “rouba” isso, o encanto despreocupado do Natal infantil. Pelo menos rouba daqueles que, como eu, não passaram privações, o que não é o caso, claro, de milhões de pessoas e crianças pobres.

Mas, voltando à frase, penso que além dos muitos motivos particulares ou coletivos que existem para que não se “sinta” o espírito de festas de maneira tão intensa, está um que é bastante disseminado. Ocorre que a festa do Natal, assim como todas as outras que são antigas e possuem (ou possuíam) um significado religioso, social e simbólico, se esvaziam de seu sentido original. O Natal, assim como a Páscoa, o dia de Finados, Festas Juninas, praticamente todas as datas tornam-se, na sociedade que alguns chamam de “modernidade líquida”, desprovidas de seu sentido original e geralmente associadas ao movimento econômico do capital. O Natal, assim, se torna sinônimo de consumo, bem como a Páscoa com seus chocolates. Outras festas, antes de trazerem símbolos e significados mais profundos, tornam-se apenas feriados nos quais viajamos ou simplesmente descansamos de uma rotina estafante.

Enquanto criança, é claro que eu desejava o presente, até porque só ganhava brinquedos duas vezes por ano e esta era uma das vezes, mas havia mais. Havia o sentido religioso da festa. Cristo nascia, criança, pobre e desprotegido, mas nascia para nos dar uma nova mensagem, uma nova lei, a do amor ao próximo. Antes da festa, minha família participava de novenas natalinas. Havia uma para as crianças que acontecia a tarde. Também antes era comum fazer doações de brinquedos, alimentos ou roupas aos mais pobres. Na infância ainda nós arrecadávamos alimentos para instituições, bem como brinquedos. Assim, além do presente e da festa em si, havia também a celebração de valores de fraternidade, amor ao próximo e solidariedade. A montagem do presépio e da árvore era também um lembrete. Montar o presépio era um ato coletivo, do qual as crianças participavam. E a cada peça colocada a história do Cristo bebê e pobre era relembrada. A alegria era representada pelo presente, mas éramos lembrados de que o presente maior era o nascimento do Menino Jesus.

Já havia, lógico, o consumismo e muito foco na comida e bebida. Afinal, quando eu era criança já vivíamos na sociedade de consumo. Porém, hoje, com o que passamos a chamar sociedade de hiperconsumo, o sentido filosófico e espiritual do Natal se torna ainda mais distante. Daí, penso eu, o “vazio” que muitos sentem nesta festa e também nas outras.

É preciso considerar que para muitos a religião hoje é questionada. Também temos que levar em conta que, mais racionais, muitos não conseguem mais ver a figura de Jesus da forma poética como o Evangelho coloca e não querem transmiti-las às crianças como me foi transmitido. Eu posso entender estas posturas, mas me pergunto se, independente da crença em si e do relato religioso, o valor, o sentido do Natal, de um mundo com mais esperança, bondade e amor não deveria ser mantido e resgatado. A avalanche do consumo somada ao desencantamento das pessoas com a religiosidade, pode “esvaziar” drasticamente a festa e isto é muito triste. O que era ou deveria ser uma comemoração com sentido psicológico e espiritual, sentidos que citei, como o da construção de uma sociedade mais amorosa e justa, faz, a meu ver, muita falta. Se tudo o que a festa significa é a troca de bens materiais, então perdemos a oportunidade de festejar um valor, um sentido que não se restringe a um dia, mas é uma proposta de vida e de direcionamento da sociedade.

Isso, é claro, se você realmente acreditar que tais valores são bons, que devem ser buscados e preservados. Se não acredita, então a festa se restringe mesmo a comer, beber e consumir. A questão é descobrir em que valores você acredita ou, melhor ainda, em que valores você quer construir sua vida. Em que valores você quer se basear para dar um sentido à sua curta passagem por este mundo. Se tiver um tempo entre as compras, pense um pouco nisso.

E um Feliz Natal a você, a todos.

Um Natal com sentido de e para a vida.

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