Era necessário ter pó de serra, para fazer o chão do presépio. Em geral ele se perdia de um ano para o outro e cabia a nós, crianças, providenciarmos algum. Não era difícil. Naquela época parecia haver muitas serrarias e marcenarias, pelo menos no entorno de onde eu vivia, e nós lá íamos pedir um pouco que nos era franqueado.
Mas, se o pó de serra se perdia em meio às coisas guardadas, o mesmo não acontecia com a árvore, as bolas, o pisca-pisca e as peças do presépio. Eventualmente era necessário trocar algumas lâmpadas do pisca-pisca. Eles não eram descartáveis como hoje, mas um sistema de fios com lâmpadas mais resistentes. Algumas vinham em forma de pinhas, frutas ou estrelas, o que, para nós, crianças, era o máximo. As bolas quebravam mais a miúde. Eram bem frágeis, não de plástico. Havia certa graça nisso também. Em manuseá-las com cuidado, guarda-las ou retirá-las das caixas cautelosamente e, se quebrassem uma ou duas, em buscar outra. Acho que o cuidado era parte da festa. Cuidava-se não só para não comprar outra, mas porque se cuidava daquilo que era bom. Já as peças do presépio eram mais resistentes.
Estas não quebravam tão fácil. Não eram de plástico tampouco, mas de barro e um tanto mais fortes. Acontecia as vezes uma lasca, mas o fato é que quanto mais antigas as peças, melhor. Se estivessem na família a muito tempo, isso era excelente, porque, nesse caso, além do significado religioso, traziam a memória de outros Natais ou até daqueles a quem pertencera antes, como uma avó já falecida.
A data da montagem da árvore e do presépio variava um pouco, de acordo com a disponibilidade dos pais. Mas nunca ocorria depois de iniciada a novena de Natal. Nove dias de reunião entre vizinhos, parentes e amigos para rezar e se preparar para a data. Fazia-se a novena a noite, depois do jantar (e não havia novela ou programa de TV mais importante do que ela) e nós, crianças, participávamos e depois podíamos brincar na rua enquanto os mais velhos conversavam. O Natal, naquela época, tinha disso. Era uma festa religiosa.
Mas, voltando ao presépio, antes do início da novena era montado com a participação das crianças. Tínhamos autorização para colocar uma ou outra bola, para escolher a disposição de uma ovelha ou outro animal. Eles, os animais, estavam lá também. Vaquinhas, ovelhas, o burrinho que levou Maria, os camelos dos Reis Magos e até uns patinhos que “nadavam” em um lago feito com um pedaço de espelho rodeado de pó de serra.
A cada peça colocada, vinha uma história, tanto da família quanto do presépio em si, do nascimento do Menino Jesus. Éramos ensinados que Jesus nascia e isso era um grande milagre. Que nascia na pobreza, mas era o Filho de Deus, o que nascia para nos trazer a alegria. Sua pobreza devia nos lembrar de que os pobres ainda existiam e que muitos, muitos não teriam comida no Natal, muito menos presentes. Mas que Cristo era a sua esperança, era um deles e que através de nós, os pobres um dia também seriam felizes.
Na minha visão de criança, o Menino Jesus traria não só alegria para nós, mas também para os animais, afinal eles estavam lá (mesmo que eu sentisse falta de cães e gatos no presépio). E, em parte por um milagre futuro, místico, e em parte por nossas atitudes, buscando o bem e a compaixão, um dia a felicidade seria para todos e eterna.
E nesse clima, nessa expectativa alegre, passávamos o tempo de espera do Natal, rezando todos os dias diante do presépio. Talvez, mais do que a festa, o que me alegrava era essa espera, esse porvir feliz. Eu sentia uma vontade de rir sozinho, de fazer coisas boas esperando o milagre da vinda do Cristo, menino, criança, como eu.
Meu desejo a cada um de vocês, amigos, parentes, colegas e leitores do Blog, é o do que possam sentir a sensação que eu tinha diante dos presépios de minha infância. A mesma alegria ingênua e a mesma ansiedade feliz que eu sentia naqueles dias e que, talvez por simples memória, talvez por um pequeno milagre, o Natal ainda desperta em mim, mesmo que seja em um cantinho pequeno, mas luminoso, de minha alma.
Feliz Natal a todos, na esperança de que um dia, toda vida seja plena.
Amadeu Provenzano Filho
23 de dezembro de 2016
Amadeu Provenzano Filho – Uma volta ao passado, não para mostrar o saudosismo de um temo que passou, mas que nos remete à esperança da riqueza da família que hoje tristemente celebra o Natal com fartura de comidas, carnes gordas, bebidas e presentes sofisticados. Então, nosso amigo desperta em nós a pureza da participação infantil no preparo do Natal no envolvimento e espírito familiar. A cada Natal nos tornamos crianças apesar da já avançada idade para celebrarmos a vida e a vinda de Jesus entre nós. Parabéns Luis Fernando Amstalden.
blogdoamstalden
23 de dezembro de 2016
Feliz Natal, meu amigo. Pleno de esperança.
J. Martins
25 de dezembro de 2016
Muito bom a narrativa da experiência. O Natal tem essa magia de contagiar realmente as pessoas, com essa coisa mística, essa coisa religiosa, que é de todos nos. Maravilha!.