Funciona assim (e já faz muito tempo). Para chegar ao poder, são necessários votos. Para isso é preciso que milhões de pessoas votem em você. Mas, como esses milhões de pessoas são alheios à política e aos seus mecanismos, eles vão votar de acordo com uma imagem que você construir de si próprio, de suas propostas e do que seria, em tese, a solução para o bem comum.
Como se trata de construir imagens, são necessários profissionais (publicitários, marqueteiros, analistas e até sociólogos). São necessárias também inserções na mídia, gente falando bem de você nos grandes jornais e revistas e, agora, na internet. Esses profissionais e mídias custam dinheiro e você precisa deles. Logo precisa arrumar o dinheiro. Quem tem este capital são as grandes corporações e empresas, inclusive as de mídia. Então, você recorre a eles, por doações. Como existe um limite para tais doações, inclusive para que sua imagem não fique amarrada a tais grupos, recorre-se ás doações secretas, o caixa dois.
E, como tudo é uma troca, lá na frente, depois de eleito, você vai ser cobrado por isso. Vai ter que, no poder, devolver o dinheiro em obras que os grupos doadores farão (e superfaturarão), em leis do interesse deles e até no fornecimento de produtos para políticas pública, tais como medicamentos, por exemplo.
Nas próximas eleições, e antes até, uma vez que é necessário manter viva a imagem do seu “bom governo”, você precisará de mais dinheiro para a propaganda e afins. Recorrerá às mesmas fontes que, claro, estarão mais do que dispostas a “doar” às claras ou no caixa dois. Estão, na verdade “investindo”. E com isso, o poder público se torna privatizado. Propriedade de quem pode pagar, o que, claro, não é a esmagadora maioria do povo, inclusive os de classe média ou média alta.
Existe também outra “rede comercial política”. A “rede varejista” pela qual, além da propaganda, se elegem os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. Trata-se de distribuir pequenas quantias para a população ou facilitar o acesso privilegiado ao que deveria ser público, como intermediar uma internação, a cessão de um remédio pelo SUS ou até a transferência de um servidor público de um lugar para outro, mais confortável a este. É o “mercado eleitoral” dos pobres, cujo valor é relativamente pequeno e rende votos varejistas, que podem, no entanto, pelo sistema de voto por legenda, ajudar muito. Mas, para fazer estas “trocas” o político precisa estar eleito. Para ser eleito precisa de dinheiro e assim, voltamos ao ciclo vicioso das doações ou, e me permitem o termo, do “comércio por atacado”.
É por isso que, mesmo que não se tenha todas as provas, não duvido que todos os partidos e políticos eleitos receberam, recebem, comercializam suas ações em troca de dinheiro dos grandes grupos. Sim, você leu certo. Todos. Incluindo aí o PT e os demais partidos de esquerda.
E penso que, como o homem é um ser que tenta dar algum sentido para suas ações, os partidos de esquerda e muitos de seus membros, acabam justificando essa atitude, para si e para os seus próximos, como uma estratégia. Quase uma “expropriação” do grande capital para “no momento certo”, se atingir o socialismo. Os de direita, por sua vez, justificam isso para si e para os seus próximos com a ideia de que estão “favorecendo” o crescimento econômico, a geração de empregos. Se fazem leis e favores que levam ao crescimento de uma grande empresa, como a JBS, por exemplo, ou a Oldebrecht, estas vão estimular o mercado, gerar o crescimento, ativar a economia. Enfim, salvo os cínicos e psicopatas que vão embolsar as verbas, sempre haverá uma justificativa pessoal e ideológica para quem recebe propina. Mas ao público, todos negarão que receberam ou que assim se justificam.
Mas no final, dá tudo na mesma. No final o público se torna privado. O dinheiro, o direito e o interesse coletivos se tornam restritos a quem tem o capital. E, diante dessa apropriação, aqueles que só têm o seu voto, acabam se sentindo apáticos, impotentes. Da apatia e da impotência, nascem a indiferença pelo coletivo, o louvor à ação individual e egoísta (ainda que seja criminosa, por que não? Se tudo é um jogo de troca, porque não trocar, por exemplo, drogas por dinheiro?) e nasce também a raiva, o ódio. Raiva e ódio, por sua vez, além de realimentar o individualismo, trazem o anseio pela força, seja a individual, buscando violentamente o seu “lugar na selva”, seja por uma ditadura. Estou cansado de ver isso expresso nas redes sociais, inclusive com elogios àquele monstro do Pinochet. É a frustração que ajudou a criar o nazismo e outras ditaduras e genocídios.
É por isso, por um raciocínio um tanto complexo e cheio de nuances, eu sei, que optei por apoiar eleições diretas agora. Não ignoro que muitos o farão também, mas na esperança de reeleger Lula ou eleger Marina, Ciro, Bolsonaro.. Outros a combaterão por ódio a Lula ou para manter o status do que consideram reformas.
Mas eu o faço por outro motivo. Faço porque penso que, neste momento de descrença, apatia e ódio, uma eleição direta poderia trazer um debate de uma franqueza ímpar. Com muita gente devendo, teriam que se esforçar muito para se reeleger ou eleger. Ao mesmo tempo, se der certo, penso que seria uma forma de diminuir a apatia, a impotência do cidadão comum diante da estrutura viciada e privatizada da política. Algo como a busca da real cidadania. Do sentir-se um cidadão de verdade, fonte e destino de todo tipo de poder.
É por isso que eu luto. Não por Lula ou outro qualquer, mas pela construção de um empoderamento popular. Pela construção de uma cidadania real e pela retomada do poder público pela população, rompendo com sua privatização.
Você pode argumentar que isso não quebra o ciclo, que os mesmos partidos vão concorrer, os partidos viciados. Pode ser. Mas sabe o que penso? Que se milhões de pessoas saírem às ruas, contestando em geral essa estrutura podre, talvez as coisas sejam diferentes. Talvez os partidos e candidatos tenham que rever sua forma de chegar ao poder, ouvindo você, e não quem lhes paga. Talvez, se formos milhões, eles tenham que se renovar, expurgar, fazer o “mea culpa”, porque nós sabemos que eles têm culpa.
Pense um pouco nisso. Suplante por um momento o seu ódio a A ou L, e reflita sobre quem você é de fato, na estrutura política. E, talvez, você saia às ruas também, mesmo que ao lado de alguém que quer, no poder, um candidato que você odeia. Afinal, ele, assim como você, agora não é nada. Talvez seja hora de tentar ser.
Eu vou.
Luis Fernando Amstalden
PS: para quem não leu meu artigo anterior, eu vou mais longe do que todos. Proponho que o STF assuma o poder agora, transitoriamente, e convoque ELEIÇÕES GERAIS, para o Congresso também, não só para presidente. Não está na constituição, como dizem meus amigos “legalistas”, mas a reforma trabalhista também não está e a constituição já foi alterada dezenove vezes, todas dentro do parlamento. Talvez seja necessário que ela seja alterada de fora, das ruas…
flavio mario de alcantara calazans
20 de maio de 2017
é o mesmo comigo Luis Fernando Ferraz Amstalden ninguém Lê o blog, so leem a primeira linha do titulo, o mundo virou TWITTER
Jhonata Ferreira
21 de maio de 2017
Amstalden, de uma lucidez ímpar (como de costume)… e as pessoas, em geral, achando que a delação da Odebrecht seria a tal “Delação do fim do mundo”.
Infelizmente, o câncer da corrupção é bem resistente (tenho ouvido e acompanhado o tema há 10 anos – pelo menos) e que a educação é o único meio de aniquilarmos esse câncer.
Quais medidas para resolvermos a questão você acha realmente eficazes (se houver alguma)?
Esse procedimento (seja com anestesia ou a fórceps) é possível de ser feito com o “carro andando” ou é uma questão que só pode ser resolvida a longo prazo?
P.S: em algumas discussões sobre o tema (política), sempre digo que esses “ilustres seres humanos” saíram do meio de nós (o que causa uma enorme repulsa na maioria). Por que é tão difícil as pessoas (povo) se enxergarem como parte do problema e que, “pequenas ações podem levar a grandes tragédias”?
blogdoamstalden
21 de maio de 2017
Jhonata, antes de mais nada obrigado pela participação e pelo elogio. Sua pergunta é ampla, mas vou tentar responder algo dela. Do final para o início. É difícil para as pessoas entenderem que pequenas atitudes fazem diferença porque nosso país sempre foi desigual. Em um país onde houve uma massa de escravos e pobres sem direitos, o povo acostumou-se a “não ser”, a viver nas sombras ou no populismo. Movimentos realmente populares foram massacrados (eu poderia citar muitos) e sobreviveu o escravo dócil. Mas é pior. Se a injustiça foi a regra do jogo e este “jogo” era disseminado, então o povo “aprendeu” isso. Aprendeu pequenos delitos, pequenas formas de corrupção e as incorporou na cultura. Você pode ver isso no “culto à malandragem”, no “jeitinho brasileiro”, no “levar vantagem em tudo”. A lei, que eras dos grandes, não permitia o crescimento e mesmo a sobrevivência dos pequenos. Daí incorpora-se o desprezo à lei também embaixo, nas classes mais baixas que percebiam que a lei mesmo só favorecia os grandes. Isso se incorporou de tal forma que as pessoas não só não acham que pequenas atitudes compensam, como nem percebem que seu comportamento é, muitas vezes, ilegal ou antiético, tal como estacionar em local proibido etc.
Você fala da educação como uma saída. É verdade, as primeiro essa teria que ser não apenas uma educação técnica, mas reflexiva. E o próprio governo quer incentivar a primeira em detrimento da segunda. E depois, só a educação não bastaria. É necessário, penso eu, a retomada de um outro valor. O valor da ação conjunta. A nossa sociedade, e não só a brasileira, mas global, vive uma cultura de imenso individualismo. Uma cultura na qual cria-se a ideia de que não dependo do coletivo, mas isso é uma ilusão, dependo sim. Na medida em que nos individualizamos, ficamos fracos, desencantados da nossa força coletiva e, contraditoriamente, até da individual. Então, individualistas e fracos, não nos julgamos capazes de mudar algo. Eu penso que uma solução seria a retomada de organizações coletivas, que tratem de interesses coletivos. Isso iria desde sindicatos livres até grêmios estudantis, grupos de bairro etc. Seria um início. Mais seria preciso, mas este seria um bom início. Abraço.