Apesar de todas as minhas dúvidas, a maioria delas vindas da consciência de que o mundo é regido por fenômenos mais cruamente compreensíveis do que por uma ordem divina direta, eu nunca abandonei a esperança em um Deus, ou, nunca abandonei o Deus da esperança.
Assim, é natural que, em um momento de grandes adversidades, eu me volte ainda mais a este Deus que espero existir, esse Deus da Esperança e mesmo essa esperança em um Deus, ainda que Ele seja sutil, ainda que incompreensível para mim.
Não, não vejo contradição nisso e no resto do que sou. Quem, qual ser, não deseja o consolo de algo maior? Quem, diante do sofrimento, não deseja um Pai ou uma Mãe que o acolha? Talvez alguém muito sábio seja capaz de prescindir deste desejo, mas eu não sou sábio e não tenho vergonha de não prescindir do desejo de um consolo ou, até, de um milagre.
Sempre que posso, vou a uma igreja Franciscana em minha cidade. Uma igreja frequentada pela minha família bem antes de eu nascer. Vou sempre a tarde, quando não há ninguém. As vezes faço antigas orações, às vezes só fico lá sentado, sentindo o ambiente familiar para mim. Na maioria das vezes eu peço. Peço por mim, por tantos que estão doentes, por tantos que sofrem, peço pela minha visão e, sim, porque não, peço pela saúde de meu gatinho, que luta contra um tumor. São Francisco… O santo que amava os animais, que amava toda a criação e chamava tudo e todos de irmão, irmã… Por que não pedir pela vida do Raj, meu gato, na igreja dos Franciscanos? Não me envergonho disso e nem acho tolo. Raj é uma vida, uma consciência que, agora, sofre e o sofrimento da vida, toda ela, não me é indiferente e me traz angústia. Quem melhor que S. Francisco, santo venerado desde muito pelos meus, para me ouvir, se puder, se estiver em algum lugar?
Neste sábado fui de novo e a encontrei. Eu já sabia que ela vivia lá, mas nunca a tinha visto. Hoje, no entanto, enquanto eu caminhava em direção ao altar, ela veio me encontrar. Uma gatinha, branca com manchas amareladas nas orelhas. Pertence aos frades, e eu sabia que ela é dócil, já me haviam dito também. Veio miando suave e, enquanto eu me ajoelhava diante do altar, ao lado dos bancos, se acercou de mim.
Fiz-lhe um carinho nas orelhas, ainda ajoelhado e ela saltou para a minha perna e de lá para o banco. Do assento para o espaldar do banco e então, para minha surpresa, foi, devagarinho, andando pelo meu braço que estava apoiado no encosto. Com cuidado, subiu até o meu ombro e se deitou.
Meu ombro esquerdo. O lado que é, segundo dizem, regido pelo não racional, pelo não consciente do nosso cérebro. O lado de minha mão fraca. Meu ombro esquerdo recebeu a gatinha que se acomodou, deixando a patinha pender no meu peito.
Sim, sim, eu sei. A bichana é dócil, acostumada com pessoas, a igreja estava fria e o mais provável é que ela quisesse um pouco de carinho, de calor. Mesmo assim, subir até meu ombro, alguém que ela não conhece, e ficar lá, me pareceu um pequeno milagre, um pequeno sinal de que, afinal, aquela de fato é a casa de S. Francisco. Aquela é a casa de deus e, que lá, alguém me acolheu, sem palavras, ronronando baixinho no meu ombro.
Ela mal se moveu quando tentei, desajeitadamente, pegar o celular e fazer algumas fotos da cena. Consegui algumas e soltei o telefone, ainda de joelhos, com ela no ombro. Um frade entrou na igreja e ficou surpreso com a cena. A meu pedido, fez mais duas fotos e se foi, não sem antes pedir que eu as mandasse para ele.
Quando me cansei da posição, tentei mudar devagar e ela acompanhou. Sentei-me no chão, de pernas cruzadas e ela se aninhou em meu colo. E ficamos os dois ali, por bastante tempo, com a luz do entardecer entrando pelos vitrais e o silêncio no qual eu julgo mais fácil sentir o consolo divino do que na gritaria de outras formas.
Agora eu sei o nome dela. Ela se chama “Lua”. O frade me contou. E, para mim, ela é a lua que S. Francisco chamava de irmã. Para mim, ainda que seja só porque eu preciso disso, ela foi um pequeno sinal de Deus e do santo que admiro.
Ainda que Raj não sare e eu o perca, ainda que minha visão não cesse de se deteriorar e eu a perca, ainda que nenhum grande milagre venha a acontecer, saí de lá feliz.
Porque o Deus da esperança, que eu busco, se colocou no meu ombro e a vida, tão milagrosa, ronronou para mim, através da Lua de São Francisco…
Luis Fernando Amstalden. 05/07/2017

Esta foi a foto que o frade tirou

Lua no meu colo
Emiliana
5 de agosto de 2017
Que lindo! Os gatos são seres especiais, tem uma sensibilidade aflorada e sabem exatamente quem os amam e querem receber sua energia e seu carinho. Amo São Francisco, ele nunca deixou de ouvir nenhuma das minhas orações, e não me envergonho nem um pouco de orar pelos meus animais, os quais são amados como meu filho.
Em casa, a imagem de São Francisco ocupa um lugar de destaque e, debaixo de seus pés estão todos os meus gatinhos.
Amei seu texto, me emocionei, pois qdo se trata dos animais tenho ctz que a experiência e a história só pode ser bela.
Desejo de todo coração melhoras aí sei gatinho! Que São Francisco ouça as suas preces assim como ouve as minhas!
blogdoamstalden
6 de agosto de 2017
Emi, a Igreja Católica, infelizmente, canoniza santos mais por interesses políticos do que por seus méritos. Mas, em meio a uma miríade de santos fabricados, existem os verdadeiros. S. Francisco é um. E é tão doce esse santo… Tão amado. Sim, que ele nos ouça a todos. Obrigado.
Elaine Furlaneto
6 de agosto de 2017
Que texto mais lindo!!! Me emocionei!!! TB frequento a Igreja dos Frades e durante uma missa de domingo ela passou no meu lado e pulou no meu colo, assisti a missa inteira com ela nos braços, e foi um dia que eu estava triste, e ela me fez muito bem, assim como fez à vc! Estarei em oração pelo Raj, que São Francisco o proteja!!!
blogdoamstalden
6 de agosto de 2017
Obrigado Elaine, pelas suas orações. E fico feliz em saber que a Lua de S. Francisco já a visitou também. Quem melhor lá, para nos consolar, do que ela, em nome de S. Francisco e de Deus? Abraço
Helô Angeli
6 de agosto de 2017
Querido Fernando
Amei esse texto tão singelo e de grande fé!!! Enquanto vc descrevia a cena eu consegui vivencia lá.
Creio nesse Deus da Misericórdia e peço a Ele q cuide de vc é seu gatinho.
Grande abraço de paz e luz!
blogdoamstalden
6 de agosto de 2017
Obrigado minha amiga. Minha fé, no entanto, é permeada de dúvidas e, talvez por isso, para mim, ela mais verdadeira. Para mim, claro. E, no entanto, estava lá a Lua, ontem, para me dar um conforto de S. Francisco. Abs.
André Gorga
6 de agosto de 2017
Ops. Caiu um cisco aqui no olho.
blogdoamstalden
6 de agosto de 2017
O que posso lhe dizer, meu amigo? Obrigado…
Maricell
9 de agosto de 2017
Que lindo, Amstalden! Lindo o instante que o Deus da Esperança lhe propiciou através dessa pequena Lua. Pequenos grandes milagres que a vida nos oferece como conforto em momentos de angústia
Melhoras aos seus olhos e à pequena Raj para que você continue, por muito tempo, nos presenteando com seus textos ao lado da Raj. E que você volte a encontrar outras vezes outras Luas através de São Francisco e do Deus da Esperança.
Abraços
Maricell
Maricell
9 de agosto de 2017
Corrigindo: seu pequeno grande Raj, o Rei! Desculpa-me. Confundi o gênero porque tenho uma que se parece muitooo com o seu Raj. Chama – se Jedi. Lutou muito para sobreviver, por isso o nome que demos ao adota-la.
Maricell
blogdoamstalden
10 de agosto de 2017
Muito obrigado Maricell. De fato, para mim, foi um momento muito especial. Quase um milagre, ou talvez um milagre.
Talvez uma resposta sutil às minha preces. Sabe ,penso que ninguém escapa de beber o cálice que lhe é reservado. Por que, eu não sei. E talvez, Deus, nos console dando pequenos abraços como o que ganhei da Lua. Parece pouco. Mas, como é importante e precioso um abraço para quem precisa…. Abraço.
blogdoamstalden
10 de agosto de 2017
Ah, e que bom saber que vc. acolheu uma gatinha que lutou muito para viver. Longa vida a Jedi, como todo o carinho que a vida em sua plenitude, merece. Que o seu carinho seja a recompensa maior da luta dela.
Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins
31 de agosto de 2017
Caríssimo Luis Fernando, o vizinho amigo que conheci ainda garoto, jovenzinho,neto e filho de amigos dos meus pais, na nossa inesquecível Rua Benjamin Constant…O tempo, “Tempo a seu tempo” Oh! Tempo que entende tanto de ganhos e perdas, de afeto, de encanto,de brigas de amor,desencanto…Tempo inerente,que passa veloz, sorrindo ou chorando a provar, consciente, que é tempo, que é espaço , que pode ser fita (de aço) ou laço do abraço! Tempo que insinua ensejos… Como posso detê-lo? Outrora eu o queria ligeiro, agora…eu o desejo vagarosamente, inteiro!(1995!) E eu tinha uns vinte e dois anos menos! Nem havia perdido Paulinho, ainda…Incrível a vida! Enigmática, misteriosa, Divina mesmo! Como entendê-la?”Não se preocupe em entender… Viver ultrapassa todo o entendimento” Clarice Lispector. É isso aí, amigo. Vamos continuar de bem com a vida, sempre buscando fortalecer nossa ESPERANÇA. Esta nunca pode nos abandonar,ou melhor, cabe a nós, inteligentes e abençoados que somos, jamais nos desprendermos dela, a ESPERANÇA,arrimo da vida que segue…Para onde? Não importa!E quer saber de uma coisa? Acredito em MILAGRES. Assisti ao seu,comovida, encantada, confortavelmente sentada ao seu lado, presenciando maravilhada cenas reais da vida, em NOSSA Igreja, nosso Recanto Espiritual aconchegante desde nossa meninice… Também amo aquele Templo,onde tantas vezes chorei de dor, de alegria…Como você, Luis Fernando, gosto de visitar tal recinto, pleno em seus poderes mágicos de persuasão que garantem nosso equilíbrio emocional. Despeço-me, certa de um encontro providencial. Deus, na sua infinita bondade paternal, continuará a nos permitir lindos e significativos momentos. Acredito plenamente em “Encaixes Divinos”. Abraço fraternal com o célebre e apaziguador cumprimento do grande São Francisco de Assis, que Paulinho tanto admirava: “PAZ e BEM!” Carinhosamente Lourdinha.
Francisco José Sanches
13 de dezembro de 2017
Sim, acredito tb que Deus se manifeste através dos pequenos gestos, das pequenas coisas. O nosso arbítrio sobre elas e que as tornam grandes.
Sou testemunha, como veterinário, que os animais, creio eu criaturas tb divinas, são interlocutores especiais desse diálogo nem sempre claro que tecemos com o Divino.
Vc, como experiente mestre que é, sabe muito bem que lições são como sementes que necessitam de solo fértil para fecundar. Quantas outras almas passaram pela Lua sem notar seu brilho…ENXERGAR com o coração, infelizmente, não é pra todos. Vc é, foi, abençoado!
Abraços FRANternais.
blogdoamstalden
18 de dezembro de 2017
Meu querido amigo. Não sei se fui eu a enxergá-la ou o contrário. Mas fui abençoado sim, pelo consolo de Deus, de S. Francisco e da “Lua”, um instrumento do Divino, como você bem disse. Muito obrigado pelas palavras. meu amigo. Abraço.
Maria Tereza Leibholz
5 de março de 2019
A Lua de São Francisco, que lindo! Só quem enxerga com o coração, aprecia esses pequenos milagres do dia a dia. Conte com as minhas orações por vc e pelo Raj.
Soraya
5 de outubro de 2022
Que lindo. O que há com o Raj?
blogdoamstalden
5 de outubro de 2022
Olá, esse texto foi escrito em 2017 e na época ele estava com um tumor bem em cima da aorta. Na época estava fazendo quimioterapia, mas hoje ele está bem. O tumor é benigno e controlado por medicamentos e ele leva uma vida normal. Acho que isso foi uma graça de São Francisco