Os vencedores, os perdedores e o Natal. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 22 de dezembro de 2018 por

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Há um traço cultural muito forte no capitalismo, e, em particular, no centro desse sistema, os EUA. Trata-se do conceito de que a sociedade é dividida entre vencedores e perdedores. Perdedor, “loser” é um termo muito ofensivo nos Estados Unidos, ao contrário de “winner”m vencedor.
E, claro, ser um vencedor na cultura americana e capitalista, o que torna o conceito cada vez mais globalizado, significa ter dinheiro, sucesso profissional, poder e consumo farto. Um perdedor, ao contrário não tem nada disso. Os vencedores, crê-se, são aqueles que detém características positivas, tais como inteligência, vontade de trabalhar, imaginação de empreendedor, coragem e operosidade. Os perdedores seriam perdedores exatamente por não terem nada disso.
Essa ideia é antiga, remonta, no mínimo, ao pensamento calvinista e sua interpretação do cristianismo e do capitalismo, como nos explica o sociólogo Max Weber.
Em minha análise, no entanto, a questão não é tão simples assim. Ser um “vencedor” não depende apenas de méritos próprios, mas também da sociedade em que você vive, do estrato social em que foi criado e, ainda, muitas vezes do acaso, da aleatoriedade. Alguém que nasce em um grupo social extremamente pobre material e culturalmente, terá muita dificuldade de se tornar um “vencedor”. E, da mesma forma, alguém que nasce ou desenvolva uma deficiência, uma doença, terá também muitas dificuldades para tingir o mesmo status, muito mais do que aqueles que nascem sãos e em ambientes econômicos e culturais favoráveis.
É claro que há aqueles que conseguem, e eles merecem aplausos. Mas se você analisar direito, verá que são a minoria absoluta, ao passo que aqueles que se tornaram “vencedores” vindos de condições favoráveis, são a grande maioria e, muitos ainda, sem tanto mérito.
E penso que há, ainda, dois problemas em relação a esse pensamento que constrói a ideia de vencedores e perdedores em razão de um mérito absolutamente individual. O primeiro problema é que, ao pensarmos que os pobres, os fracos e os doentes o são por falta de mérito, tornamo-los culpados de sua própria situação. E desta forma, esquecemos tanto individualmente quanto coletivamente, da compaixão, do amor pelos que sofrem. Chegamos ao ponto de “criminalizar” a pobreza, por exemplo. E isso já ocorreu e ocorre tanto em forma de preconceito quanto em forma de leis. No passado, alguém podia ser preso no Brasil por vadiagem (ainda que fosse um desempregado). E no século XIX, na Inglaterra, haviam leis que proibiam as paróquias de atenderem aos pobres, sob o pretexto de que, desta forma, eles não trabalhariam. Bem, essas leis nunca resolveram o problema da pobreza, só o pioraram.
O segundo ponto complicado no raciocínio de vencedores e perdedores, é o de que, corremos o risco de nos esquecermos que, de uma forma ou de outra, todos nós seremos ou já somos, perdedores. Você pode ter poder, dinheiro, status, mas, qual é a segurança de que isso não vai se dissolver em uma crise? Um dia, e não me tomem por pessimista, a crise virá. Seja financeira, seja nas suas relações profissionais, seja na saúde. Nesse mundo tudo é mutável, já diziam os antigos sábios. E mesmo que você. mantenha seu dinheiro e poder, as custas inclusive de ignorar o sofrimento dos que tem menos, (afinal eles seriam “culpados” por terem pouco), um dia você experimentará a doença, a velhice e finalmente a morte. Cedo ou tarde, nos experimentaremos essas situações, e, mesmo que você seja a pessoa mais rica do mundo, será, então, também um “perdedor”.
Mas você deve estar perguntando o que tem tudo isso a ver com o Natal. O que toda essa reflexão tem a ver com a festa que se aproxima.
Tem a ver com o fato de que Cristo (pelo menos o Cristo sobre quem eu aprendi nos Evangelhos e em quem eu creio) nasceu pobre, entre os pobres e com eles viveu, para eles se dedicou-se, a eles curou e a eles principalmente ensinou.
Cristo, torno a dizer, o Cristo que eu “conheço”, ensinou que a verdadeira vitória é o amor, a compaixão, a solidariedade.
Esse amor que, por mais rico que você seja, não vai poder comprar. E que um dia, quando você esteja doente e velho, rodeado de cuidadores e médicos, vai lhe faltar mais do que um remédio contra dor.
Nós, na verdade, não nos dividimos entre vencedores e perdedores. Nós precisamos uns dos outros, em todos os sentidos, e principalmente do amor uns dos outros. Isso é o que nos torna a todos vencedores. Sem isso, somos todos perdedores.
Contra toda a lógica da lei do mais forte embutida na cultura que torna o fraco um “perdedor”, quase um criminoso, Cristo e o cristianismo apresentam um caminho alternativo, um caminho que reconhece a verdade: precisamos uns dos outros e sempre precisaremos.
Não é justo que eu queira impor a minha visão do cristianismo a você.
E para falar a verdade, não o quero fazer.
Mas posso desejar e desejo, que nesta Natal, você perceba que o amor verdadeiro é a verdadeira vitória.
E que você precisa deste amor, assim como eu e todas as criaturas.
Feliz Natal e Paz na Terra às pessoas de boa vontade.
Luis Fernando Amstalden.

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