Foi agora há pouco.
Abriguei-me da chuva embaixo da marquise de uma banca de revistas.
Ele fez o mesmo. Barbado, cabelos compridos, magro, alto e andrajoso.
Um ônibus parou no ponto, em frente a banca. De dentro, uma idosa obesa tentava descer, de ré e com dificuldades.
Ele se adiantou e, tomando chuva, estendeu a mão para ajudar a mulher a descer.
Ela se virou e, ao ver o homem, o repeliu com gestos de mão e palavras que eu não ouvi.
Conseguiu descer afinal, mas o homem ficou ali parado, até que ela se afastasse, agitando as mãos no ar como se quisesse esconjurar a presença do andrajoso.
O ônibus e a mulher se foram, outras pessoas passavam apressadas, com ou sem guarda-chuvas, quase esbarrando no homem que permanecia no meio fio, na chuva que o molhava, olhando de um lado para o outro e parecendo perdido, ou, talvez, envergonhado.
Aproximei-me e ofereci-lhe um cigarro. Falamos um pouco e ele agora sorria. Foi embora, sumindo rápido de minha visão fraca, no meio da chuva.
Eu também me sinto solitário.
Mas, não tanto como aquele homem, porque talvez, se fosse a minha mão estendida, a idosa a tivesse aceito.
Dele nem a ajuda é aceita.
Resta-lhe somente a solidão na chuva.
Ondas Curtas. Solidão na chuva. Por Luis Fernando Amstalden
Posted on 20 de fevereiro de 2019 por blogdoamstalden
Posted in: Ondas Curtas
Maria Tereza Leibholz
21 de fevereiro de 2019
Uma experiência cheia de sensibilidade e gentileza. Antes na solidão que no preconceito. Parabéns.
blogdoamstalden
21 de fevereiro de 2019
Obrigado Tereza. Eu penso que todos nós vivemos experiências assim,mas não as anotamos. Não importa, no entanto, se as anotamos ou não, mas se as “notamos” e, portanto, estamos vivos de verdade para percebê-las
Dante Amstalden
21 de fevereiro de 2019
A solidão é um peso aterrador. Mas seu gesto foi nobre e ele deve se orgulhar da solidariedade e compaixão.
blogdoamstalden
21 de fevereiro de 2019
Sim, Dante, o gesto dele foi. E, na verdade, penso que é o gesto de milhões que se sentem solitários e buscam os outros, mas continuam sendo rejeitados. Abraço e saudades.
CASTORINO Telles
21 de fevereiro de 2019
Esse texto, muito bonito, cita a invisibilidade das pessoas (mendigos, velhos, garis, empregadas domésticas, etc). Parabéns, Luís Fernando. Um abraço.
blogdoamstalden
21 de fevereiro de 2019
Obrigado Teles. Você entendeu bem a sensação que procurei passar. Abraço.
Jānis Bērziņš
22 de fevereiro de 2019
Quase um A Vida como ela é. O mundo está cheio de invisíveis. Agora, que idosa mala.
blogdoamstalden
24 de fevereiro de 2019
Sim, meu amigo, e as vezes nós somos os “invisíveis”. Mas ão podemos julgar a mulher tão duramente. Nós mesmos, muitas vezes, tememos ou temos repulsa por moradores de rua ou ourtos invisíveis. Obrigado por comentar. Abraço.