Ondas Curtas. Solidão na chuva. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 20 de fevereiro de 2019 por

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Foi agora há pouco.
Abriguei-me da chuva embaixo da marquise de uma banca de revistas.
Ele fez o mesmo. Barbado, cabelos compridos, magro, alto e andrajoso.
Um ônibus parou no ponto, em frente a banca. De dentro, uma idosa obesa tentava descer, de ré e com dificuldades.
Ele se adiantou e, tomando chuva, estendeu a mão para ajudar a mulher a descer.
Ela se virou e, ao ver o homem, o repeliu com gestos de mão e palavras que eu não ouvi.
Conseguiu descer afinal, mas o homem ficou ali parado, até que ela se afastasse, agitando as mãos no ar como se quisesse esconjurar a presença do andrajoso.
O ônibus e a mulher se foram, outras pessoas passavam apressadas, com ou sem guarda-chuvas, quase esbarrando no homem que permanecia no meio fio, na chuva que o molhava, olhando de um lado para o outro e parecendo perdido, ou, talvez, envergonhado.
Aproximei-me e ofereci-lhe um cigarro. Falamos um pouco e ele agora sorria. Foi embora, sumindo rápido de minha visão fraca, no meio da chuva.
Eu também me sinto solitário.
Mas, não tanto como aquele homem, porque talvez, se fosse a minha mão estendida, a idosa a tivesse aceito.
Dele nem a ajuda é aceita.
Resta-lhe somente a solidão na chuva.

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