Chico Mendes por Ronaldo Victoria

Posted on 18 de fevereiro de 2019 por

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Foto do acervo do autor

Foi com tristeza que soube da declaração do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, a respeito de Chico Mendes, durante entrevista no programa Roda Viva. Do alto de sua arrogância (quem ele pensa que é?), disse não conhecer Chico Mendes e, portanto, relativiza a importância dele para a área em que atua.
Bela declaração para um ministro do meio ambiente! Mas que não provoca surpresa. Chico Mendes, esse que Salles desconhece, entre tantas coisas, foi o único brasileiro a ganhar o prêmio global ONU por seu trabalho nos seringais do Acre.
Em novembro de 1988, eu trabalhava como correspondente da Folha de S. Paulo em Piracicaba. Um dia o chefe de reportagem me ligou e disse que Chico Mendes estaria na cidade para dar uma palestra no Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura). Confesso que demorei a saber de quem se tratava. A atuação de Mendes não era tema da grande imprensa.
Quando cheguei ao Cena, Chico estava atrasado para entrar na sala e começar sua apresentação. Demonstrava nervosismo. Não era para menos, vivia tempos assustadores e ao seu lado estava um segurança armado. Eu estava sozinho, sem máquina fotográfica, mas esse clima foi captado pelo talentoso fotojornalista Paulo Alcides Tibério, o Pauléo, do Jornal de Piracicaba, em foto que ficou famosa. O olhar do líder seringueiro mostra bem o momento tenso em que vivia e, infelizmente, profetizava o que veio a acontecer.
O fato é que meu papo com ele foi rápido. Chico contou que vinha sendo perseguido pela recentemente fundada UDR (União Democrática Ruralista) e, claro, temia pela sua vida. Entregou-me um manifesto escrito por ele em que falava o que estava acontecendo.
A esse respeito, duas questões. Primeira: a entrevista não teve tanto destaque nas páginas da Folha. Falo isso de maneira teórica, pois tentei pesquisar no Google como foi noticiada e nada encontrei. Há mais de 30 anos, sem internet, não havia essa preocupação. Também não recuperei a íntegra do manifesto, mas ficou na minha mente uma frase marcante: “Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta”. Segunda questão: a atuação dele só passou a ser noticiada mesmo após o assassinato. Ou seja, a imprensa divulgou bem mais o mártir do que o lutador. Triste, mas real. Seja como for, o que mais entristece é que, 30 anos depois, surge um burocrata, de quem nunca tinha ouvido falar, para menosprezar um herói tão popular. Tanto que virou enredo de escola de samba e tema de minissérie da Glória Perez. E os “cegos do castelo” parecem fazer o favor de não ver!

Ronaldo Victoria é jornalista formado pela UNIMEP nos anos oitenta e com várias passagens por jornais de Piracicaba e São Pulo.

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