Ondas Curtas. O Abraço Bêbado. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 22 de julho de 2019 por

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Quando alguém está bêbado, mas não o suficiente para nada mais importar, preocupa-se com o fato das outras pessoas perceberem que ele está bêbado. É engraçado e eu mesmo já passei por isso. Mas se estamos moderadamente embriagados, queremos falar com os outros de maneira a não demonstrar o que realmente estamos.
Acho que foi por isso que aquele homem jovem, de barba e cabelos longos, puxou conversa comigo, na fila da padaria, em um sábado à noite.
_Nossa… já começou o jornal na TV.
Eu não conseguia ver nem o aparelho de TV, muito menos o que estava sendo apresentado. Mas, como eu não gosto de ficar propalando minha perda de visão (dá-me a impressão de estar me vitimizando, embora tenha que comunicar cada vez mais essa condição de visão limitada) e como, de qualquer modo, o rapaz estava bêbado, resolvi apenas concordar.
¬_Pois é… já está tarde…
Mas ele insistiu e chamou minha atenção para uma cena qualquer do jornal:
_Olha! Olha! “Cê” viu?
Impaciente, eu tive que explicar.
_Cara, sabe o que é? Eu não enxergo direito. Não sei o que está passando no jornal…
Desta vez ele tirou os olhos do aparelho de TV e olhou para mim.
_Mas o que você tem?
_Um problema aí. Na retina.
_E você não consegue ver nada?
_Vejo, mas borrado. Tenho que ficar perto para enxergar.
Então ele mostra, não muito perto, a lata de cerveja que estava comprando.
_Enxerga a lata? A marca?
_Enxergo. Mas borrado. E sei que é cerveja e qual é a marca porque conheço o logotipo, mas não consigo ler.
Ele olhou para a lata e ficou calado. Mas logo fez a pergunta que todos fazem:
_Não tem cura?
Com a esperança que sempre nos acompanha quando temos um problema, com essa esperança sem a qual tudo fica mais difícil, respondi:
_Por enquanto não.
Chegou a minha vez no caixa. Apresentei as compras, paguei e sai.
Um pouco depois escutei o rapaz me chamando, já na rua.
Senti uma ponta de medo e outra de irritação. Irritação porque achei que ele iria “colar” em mim, como bêbados afetivos as vezes fazem. E medo porque talvez aquele rapaz, vestido pobremente, talvez, sabendo de meu ponto fraco, quisesse me assaltar. Pensei em seguir caminhando e ignorá-lo. Mas parei, virando-me para ele.
E ele se aproximou rápido.
Deu-me um “semi-abraço”. O tanto que a lata d cerveja em uma de suas mãos e o pacote de pão em uma das minhas, permitiam.
E nesse abraço parcial, disse baixinho:
_Não fique triste. Isso aí é sinal de que acabou. Que não vai acontecer mais nada de ruim com você, porque já aconteceu. Agora acabou.
E saiu andando, deixando-me com um nó na garganta.
Não “colou” em mim e nem me assaltou, como eu temi.
Queria apenas me consolar, no seu abraço bêbado.

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