Quando alguém está bêbado, mas não o suficiente para nada mais importar, preocupa-se com o fato das outras pessoas perceberem que ele está bêbado. É engraçado e eu mesmo já passei por isso. Mas se estamos moderadamente embriagados, queremos falar com os outros de maneira a não demonstrar o que realmente estamos.
Acho que foi por isso que aquele homem jovem, de barba e cabelos longos, puxou conversa comigo, na fila da padaria, em um sábado à noite.
_Nossa… já começou o jornal na TV.
Eu não conseguia ver nem o aparelho de TV, muito menos o que estava sendo apresentado. Mas, como eu não gosto de ficar propalando minha perda de visão (dá-me a impressão de estar me vitimizando, embora tenha que comunicar cada vez mais essa condição de visão limitada) e como, de qualquer modo, o rapaz estava bêbado, resolvi apenas concordar.
¬_Pois é… já está tarde…
Mas ele insistiu e chamou minha atenção para uma cena qualquer do jornal:
_Olha! Olha! “Cê” viu?
Impaciente, eu tive que explicar.
_Cara, sabe o que é? Eu não enxergo direito. Não sei o que está passando no jornal…
Desta vez ele tirou os olhos do aparelho de TV e olhou para mim.
_Mas o que você tem?
_Um problema aí. Na retina.
_E você não consegue ver nada?
_Vejo, mas borrado. Tenho que ficar perto para enxergar.
Então ele mostra, não muito perto, a lata de cerveja que estava comprando.
_Enxerga a lata? A marca?
_Enxergo. Mas borrado. E sei que é cerveja e qual é a marca porque conheço o logotipo, mas não consigo ler.
Ele olhou para a lata e ficou calado. Mas logo fez a pergunta que todos fazem:
_Não tem cura?
Com a esperança que sempre nos acompanha quando temos um problema, com essa esperança sem a qual tudo fica mais difícil, respondi:
_Por enquanto não.
Chegou a minha vez no caixa. Apresentei as compras, paguei e sai.
Um pouco depois escutei o rapaz me chamando, já na rua.
Senti uma ponta de medo e outra de irritação. Irritação porque achei que ele iria “colar” em mim, como bêbados afetivos as vezes fazem. E medo porque talvez aquele rapaz, vestido pobremente, talvez, sabendo de meu ponto fraco, quisesse me assaltar. Pensei em seguir caminhando e ignorá-lo. Mas parei, virando-me para ele.
E ele se aproximou rápido.
Deu-me um “semi-abraço”. O tanto que a lata d cerveja em uma de suas mãos e o pacote de pão em uma das minhas, permitiam.
E nesse abraço parcial, disse baixinho:
_Não fique triste. Isso aí é sinal de que acabou. Que não vai acontecer mais nada de ruim com você, porque já aconteceu. Agora acabou.
E saiu andando, deixando-me com um nó na garganta.
Não “colou” em mim e nem me assaltou, como eu temi.
Queria apenas me consolar, no seu abraço bêbado.
Ondas Curtas. O Abraço Bêbado. Por Luis Fernando Amstalden
Posted on 22 de julho de 2019 por blogdoamstalden
Posted in: Ondas Curtas
Eloisa de Mattos Hofling
22 de julho de 2019
Texto bonito,Luiz!
Condiz com sua sensibilidade…
Abraço (inteiro) ,meu amigo!
blogdoamstalden
22 de julho de 2019
Muito obrigado minha amiga. Mas penso que a beleza foi do gesto daquele rapaz. Abraço inteiro
Maricell
18 de agosto de 2019
Que lindo “abraço bêbado”. Lindo para quem o deu e para quem, merecidamente, o recebeu e retribuiu.
Lindo de viver!
Abraços de carinho por tudo que você é!
Maricell