O dia violentado. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 30 de abril de 2022 por

5



O dia do trabalho foi instituído para celebrar o óbvio: o fato de que o trabalho humano construiu e constrói o mundo humano. Não há nada a nossa volta que não tenha sido criado, transformado ou adaptado pelo trabalho humano. E, se nós sobrevivemos com espécie e alongamos nossa vida e nosso bem estar, é a isso que se deve e não ao dinheiro ou a propriedade que são meios, não criação.

E o outro ”óbvio” da comemoração é o fato de que quem realmente trabalhou e trabalha criando o mundo, não está, na sua imensa maioria, incluído no gozo dos benefícios criados.

Fosse o escravo, o servo ou o pretensamente “vendedor de sua livre mão de obra”, o assalariado, todos ficaram e ficam com uma ínfima parte do valor criado. E nenhum deles, nem o atual desempregado que se julga um “empreendedor” de seu próprio trabalho, tiveram ou terão segurança para os dias em que não puderem mais, por idade, doença ou incapacidade, continuarem trabalhando para sobreviver das migalhas que lhes sobrariam.

Pior, os jovens aptos já não serão mais necessários posto que as máquinas fazem quase tudo e farão ainda mais. Esses nem serão descartados como o velho escravo, o velho o servo ou o velho assalariado. Esses serão simplesmente excluídos e relegados a atividades informais ou ilegais.

Mas a festa do trabalho, com seu objetivo de realmente mudar a realidade dos que não usufruem do que produzem foi violentada inúmeras vezes. Foi “incorporada” por governos ditatoriais ou não que a transformaram na festa da ideia de que o “trabalho digno e duro dignifica”. Bem,, dignifica, mas não garante a sobrevivência e nem a velhice…

Foi violentada também em países que, ditos “repúblicas de trabalhadores” festejaram com longos desfiles de armamentos simbolizando o poder de defesa de suas “repúblicas livres”. Armamentos construídos com suor dos trabalhadores a quem faltavam carne e pão, mas não pelo suor dos burocratas a quem nada faltava.

Porém, penso que  nunca foi tão violentado como promete ser nesse dia primeiro de maio de 2022, quando Jair Bolsonaro que não pode ser acusado de “trabalhar” nem quando esteve no Exército, nem quando esteve no Congresso e muito menos agora, como presidente, convocou manifestações em apoio a um outro notório “não trabalhador”, o deputado Daniel da Silveira.

Esse deputado que se promoveu quebrando a placa de uma mulher assassinada, berrando ameaças de agressão e morte e defende o direito de intimidar, ameaçar e agredir. Esse mesmo que, enquanto cobrador de ônibus, falsificou atestados médicos para ficar 24 dias de licença médica nos feriados de final de ano, empurrando uma carga extra e mal paga para alguém que, no seu lugar, ficou longe da família e das festas. Esse mesmo que foi punido 86 vezes pela PM na qual ingressou mediante recurso porque respondia pelos atestados falsos.

Quantos dias o grande deputado deixou de trabalhar na PM, por detenção ou não, forçando outros colegas a dobrarem jornadas no seu lugar e se exporem a perigos que ele evitou?

São esses, Bolsonaro e Silveira os “ícones” que serão defendidos nas ruas no primeiro de maio. São os que não trabalham, não trabalharam e não geram nada que serão festejados em público com a presença de muitos trabalhadores verdadeiros enganados e mutas outras pessoas que também não trabalham, mas vivem de herança, renda ou pensões e que, com essa festa, seviciarão  a data e os seus significados.

E ao final, muitos garis terão que limpar a sujeira das ruas, trabalhando de verdade, mas que, ao voltarem para suas casas, talvez sejam, por usarem roupas simples, chamados de “vagabundos”.

Posted in: Artigos