O médico e o  remédio . Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de fevereiro de 2024 por

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Eu li essa parábola em um livro sobre budismo. Como imagino que é uma história de tradição, como outras que estão na mesma obra, tomei a liberdade de adaptá-la e trazê-la para nosso contexto.

Um homem ficou doente e procurou um médico. Na consulta, o médico fez o diagnóstico e prescreveu um tratamento composto de alguns comprimidos que deveriam ser tomados três vezes ao dia.

O paciente então voltou para casa e conseguiu, pela internet, uma foto de seu médico. Imprimiu-a e a colocou em uma mesa. Ao redor da foto espalhou flores, frutas e acendeu velas. Todos os dias, pela manhã, tarde e noite, Sentava-se em frente ao “altar” improvisado e lia compassadamente a receita que o médico lhe dera. Ao terminar, prostrava-se diante da foto e agradecia ao médico.

Evidente que ele não sarou e morreu após algum tempo.

Ele não entendeu que a prescrição requeria a prática, a adoção do remédio.

É assim que acontece com as religiões e, eu acrescentaria, com as ideologias políticas e com as correntes filosóficas. Elas são formas que procuramos para a “cura” de nossas dúvidas, angústias e até dos males do mundo. São instruções e propostas de como agir na vida e no mundo.

Se você adota uma religião, verá que ela traz uma proposta de vida e ensinamentos a serem praticados, como o remédio receitado por um médico. Mas geralmente o que fazemos é louvar o fundador da religião e não praticarmos os seus ensinamentos. Daí ser como não tomar os comprimidos da história e recitarmos a receita sem tomar o medicamento, louvando o médico ou fundador da religião que nos prescreveu o tratamento.

Falando principalmente do cristianismo, religião majoritária no Brasil, penso que a maioria faz isso. Se “toma” os medicamentos, se segue os ensinamentos, segue-os de maneira parcial, escolhendo uns em detrimento dos outros. E, pior, recita os trechos dos ensinamentos da mesma maneira que o paciente da história recitava a receita do médico sem seguir o tratamento.

Também tornamos o fundador em um objeto de culto sem nos preocuparmos muito com o que ele ensinou e, pior, idolatramos aqueles que não são os fundadores, não são os “médicos”, mas falam em nome dele e “interpretam” a receita, ou a Bíblia e os evangelhos, escolhendo os trechos que mais lhes interessam.

Desta forma, o princípio mais importante do cristianismo, que é o amor aos pobres, aos fracos e aos injustiçados, se perde em palavras vãs e escolhas do que é mais simples, afinal, o remédio pode ser amargo de se tomar e viver.

O mesmo ocorre, penso eu, com propostas ideológicas e políticas bem como correntes filosóficas.

Ouço pessoas louvando princípios de meritocracia e lisura moral, à direita, e outras bradando por uma solidariedade para com os pobres à esquerda. Também ouço ambientalistas alardeando a necessidade de um desenvolvimento sustentável. Mas essas mesmas pessoas agem, muitas vezes, de maneira absolutamente parcial, como se escolhessem os  “remédios” que vão realmente tomar ou mesmo sem tomar nenhum.

É o caso de quem prega a meritocracia e o Estado mínimo mas recorrem a relações pessoais para fazer negócios ou arrumar cargos públicos e não hesitam em obter vantagens privadas as custas do Estado.

Também é o caso de quem fala pelos pobres mas se mantém bem longe deles ou, ainda, os ambientalistas de internet que não  fazem nenhuma modificação em seus hábitos e nem mesmo se engajam para cobrar políticos, mas se limitam a compartilhar postagens na internet.

Todos estão optando pelo caminho mais fácil que é o de “recitar a receita e louvar o médico” sem tomar os medicamentos.

E ninguém vai se curar, nem o mundo vai ser “curado”.

Se você gostou deste texto e quiser ser coerente com valores de solidariedade e amor, faça uma doação para o Prof. Thomas Polla. Thomas sofreu um AVC no início de fevereiro e está com o lado esquerdo do corpo ainda meio paralisado. Ele tem um filho especial que precisa de medicamentos e cuidados. Esperamos pela recuperação do professor, mas podemos ajudar no seu tratamento e na manutenção de sua família.

Você pode doar qualquer valor pela chave PIX 11 99630-3189. A conta deverá aparecer com o nome dele ou da esposa, Aline Mora. Eu farei também uma pequena doação até porque também já recebi ajuda e tenho que passar isso adiante.

Se não puder ajudar com uma contribuição, por favor, compartilhe  texto para que mais gente tenha a oportunidade de ler e talvez ajudar.

Grato.

Luis Fernando Amstalden