Quando se faz teatro, ficamos na coxia a espera da deixa para entrarmos, é uma sensação maravilhosa, com misto de medo, ansiedade e pavor, isso ocorre porque em breve será nossa vez, em breve estaremos nos holofotes!
No espetáculo da vida a coxia é um lugar incerto, obscuro e solitário. Ficamos a espreita, vendo através das cortinas os acontecimentos. É enevoado! Ouve-se o som das vozes, o barulho de palmas, o grito e assovios, mas não sabemos ao certo o que acontece no palco, não temos certeza do que nos espera.
A deixa é dada e entramos. Sozinhos, cruzamos a cortina, que parece pesada. Sozinhos, traçamos os passos tépidos e ficamos de cara com os holofotes. Luzes vermelho sangue! A nossa frente uma plateia sem rosto, sem performance, sem atitude, sem humanidade.
O grito que nos rasga a garganta é aplaudido pelos presentes, que sentados permanecem, e a nossa dor é lamentada por alguns, que oram e agradecem por suas gloriosas vidas.
Agonia, dor e sofrimento, vivenciados pelo protagonista, e o público suspira mais uma vez.
Ao fim do espetáculo, os que assistiram voltam a sorrir, levantam-se de suas cadeiras confortáveis e imaginam que aquilo é ficção, não acontece de fato. Entram em seus carros e voltam ao calor de seus lares.
No palco a morte certa, espancado sobre uma bandeira colorida de seis faixas, um corpo! Já não importa seu gênero, sua identidade de gênero, sua orientação sexual e afetiva, seus amores, seus ideais, sua família. Foi rompida a vida!
Dilacerada a chance, roubada a esperança.
Na coxia, ficamos esperando a deixa. Parece silencioso agora, talvez seja a minha vez de cruzar as pesadas cortinas, talvez se eu errar a fala, errar a esquina, errar o bar, a balada, talvez…
Talvez eu não encontre a morte, volte para casa, seja aplaudido por ser um escritor, por ser um bom aluno, por ser um bom pai, e não ter o meu sangue derramado, meu pescoço quebrado e minha história rompida.
Dedico todo o meu respeito às muitas vítimas de LGBTfobia, as lésbicas que são estupradas e tem suas casas invadidas, aos gays que são esganados e torturados, aos bissexuais que são marginalizados, as transexuais e travestis que sofrem as rejeições diárias institucionalizadas, ao Wanderson Silva encontrado com marcas brutais de espancamento e morto, a Travesti Cris morta a tiros por um carro que passava; ao João Donati; ao Samuel da Rocha; Maria Lucineide e tantas outras mulheres e homens que foram vítimas desse brutal crime de ódio, só nos últimos dias.
Não podemos permanecer na coxia, esse não é o nosso lugar!
Carla Betta
22 de setembro de 2014
Faz tempo que não leio os artigos do blog… e hoje abro para levar este soco de sensibilidade, de artigo bem escrito, de denúncia que a gente gostaria de varrer para debaixo do tapete. Contundente e, infelizmente, real.
Evandro Mangueira
22 de setembro de 2014
Carla, infelizmente real! As vezes quando falo desse assunto, tenho só revolta, dor e angustia. As vezes penso que sou semelhante ao inimigo, guardo no peito a vontade de bater, espancar e matar, daí descubro que a diferença é o que fazemos com nossas vontades, que tipo de luta queremos trava e contra quem. Obrigado por ler os meus artigos e mais ainda, obrigado por comentar.
Antonio Carlos Danelon - Totó
22 de setembro de 2014
Verdade, Carla. Parece que nada do que precisa ser mudado muda sem sangue. É triste que seja assim, porém o sangue desses mártires não é derramado em vão. Tenho certeza que regam a terra para que germine um mundo melhor.
Carla Betta
22 de setembro de 2014
Preferia que fosse outro adubo! Precisa haver um mártir? Ninguém quer ser mártir!… Que sociedade podre essa nossa!!