Na Coxia

Posted on 22 de setembro de 2014 por

4



O-Teatro1

Quando se faz teatro, ficamos na coxia a espera da deixa para entrarmos, é uma sensação maravilhosa, com misto de medo, ansiedade e pavor, isso ocorre porque em breve será nossa vez, em breve estaremos nos holofotes!

No espetáculo da vida a coxia é um lugar incerto, obscuro e solitário. Ficamos a espreita, vendo através das cortinas os acontecimentos. É enevoado! Ouve-se o som das vozes, o barulho de palmas, o grito e assovios, mas não sabemos ao certo o que acontece no palco, não temos certeza do que nos espera.

A deixa é dada e entramos. Sozinhos, cruzamos a cortina, que parece pesada. Sozinhos, traçamos os passos tépidos e ficamos de cara com os holofotes. Luzes vermelho sangue! A nossa frente uma plateia sem rosto, sem performance, sem atitude, sem humanidade.

O grito que nos rasga a garganta é aplaudido pelos presentes, que sentados permanecem, e a nossa dor é lamentada por alguns, que oram e agradecem por suas gloriosas vidas.

Agonia, dor e sofrimento, vivenciados pelo protagonista, e o público suspira mais uma vez.

Ao fim do espetáculo, os que assistiram voltam a sorrir, levantam-se de suas cadeiras confortáveis e imaginam que aquilo é ficção, não acontece de fato. Entram em seus carros e voltam ao calor de seus lares.

No palco a morte certa, espancado sobre uma bandeira colorida de seis faixas, um corpo! Já não importa seu gênero, sua identidade de gênero, sua orientação sexual e afetiva, seus amores, seus ideais, sua família. Foi rompida a vida!

Dilacerada a chance, roubada a esperança.

Na coxia, ficamos esperando a deixa. Parece silencioso agora, talvez seja a minha vez de cruzar as pesadas cortinas, talvez se eu errar a fala, errar a esquina, errar o bar, a balada, talvez…

Talvez eu não encontre a morte, volte para casa, seja aplaudido por ser um escritor, por ser um bom aluno, por ser um bom pai, e não ter o meu sangue derramado, meu pescoço quebrado e minha história rompida.

NOZES SAO PAULO 18.12.2009 OE CADERNO2 Ensaio geral do espetáculo natalino Quebra - Nozes, com o ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Destaque para

Dedico todo o meu respeito às muitas vítimas de LGBTfobia, as lésbicas que são estupradas e tem suas casas invadidas, aos gays que são esganados e torturados, aos bissexuais que são marginalizados, as transexuais e travestis que sofrem as rejeições diárias institucionalizadas, ao Wanderson Silva encontrado com marcas brutais de espancamento e morto, a Travesti Cris morta a tiros por um carro que passava;  ao João Donati; ao Samuel da Rocha; Maria Lucineide e tantas outras mulheres e homens que foram vítimas desse brutal crime de ódio, só nos últimos dias.

Não podemos permanecer na coxia, esse não é o nosso lugar!