Uma obra pública, para merecer o nome, deve visar o bem de todos. Porém, nem sempre isso é possível, dadas as muitas e diferentes necessidades de cada estrato da população. Neste caso ela deve então atender a necessidade do maior número possível de pessoas, levando-se em conta as realidades social e econômica do momento.
Se parto desta definição, fica muito difícil entender que a nova passarela do Rio Piracicaba que está sendo construída, seja uma obra pública e isso pelas razões que citei, mas também por algumas outras.
Em primeiro lugar, a passarela não está dando vazão a um trânsito já existente. Ela vai criar um novo fluxo de passagem numa área que até então estava isenta. O Engenho Central tem pelo menos três acessos: pelo Mirante, pela Ponte Pênsil e por trás, a partir do balão do inicio da Av. Presidente Kennedy. Estas entradas são, durante a esmagadora maioria do tempo, mais do que suficientes para dar conta do fluxo de pessoas que visita o Engenho. Em momentos de grandes eventos pode haver algum congestionamento, mas estes são relativamente poucos, daí a certeza de que a nova passarela ficará ociosa. Por outro lado, mesmo a realização de eventos grandes no Engenho é questionável. Sua área é patrimônio histórico a preservação não combina com shows e festas atraindo milhares de pessoas. Quanto mais gente bebendo ou pulando na área, maior a chance de haver prejuízo aos prédios e instalações. Logo aumentar o acesso para beneficiar grandes festas coloca em risco toda a área.
Em segundo lugar, a margem direita do rio, na área que a ponte vai ligar à av. Beira Rio, tem ainda alguma mata e, portanto, é área de preservação permanente. Não sei quem autorizou o uso da área e nem por quais critérios, mas sei que haverá perda de área verde e isso afeta a toda a população, por menor que seja esta perda e principalmente considerando a pouca utilidade da nova passagem.
Em terceiro lugar, além do patrimônio ambiental (mata) e histórico (Engenho) o patrimônio paisagístico vai ser afetado. A vista da curva do rio, na altura da Rua do Porto, é uma de nossas paisagens mais bonitas, imortalizada em um sem número de quadros, fotos e cartões postais. De agora em diante, quem olhar rio abaixo a partir da ponte pênsil, do mirante ou da margem esquerda, verá não mais a curva com as casinhas da rua do porto, mas uma estrutura de aço e concreto. Séculos de paisagem e história destruídos, fechados.
Por último e talvez mais importante, está a relevância social da obra em relação ao seu custo. No dia 12 de Abril, conforme matéria deste Jornal, a prefeitura anunciou seu último pacote de obras do qual faz parte a nova passarela e sua iluminação. Fazendo as contas, vemos que o valor investido na Secretaria de Obras equivale a 68,52% do total; a Secretaria de Educação receberá 14,68%; a de trânsito 7% e a Secretaria de Saúde apenas 4,95%, sendo os demais 4,85% rateados entre Esporte e Desenvolvimento Social. Não está especificado quanto será colocado na passarela e na sua iluminação. Penso, aliás, que este pacote não contempla toda a obra, uma vez que ela já começou a muito. De qualquer modo fica clara a preferência: obras, dentre as quais a deste artigo, estão em primeiro lugar na prioridade, mas saúde está em quarto. Será que isso reflete realmente as nossas necessidades? Será que atravessar o rio por um novo ponto está na frente de ter bom atendimento de saúde? E não acredito em “estar na média de qualidade” de saúde e de educação. Acredito em excelência. Mas para isso é necessário mais investimentos, sempre mais. A passagem do rio não é o que acredito ser mais importante.
Enquanto cidadão, que tem pleno direito a opinião e expressão, afirmo que a nova passarela é uma “ponte longe demais”. Longe demais do interesse da população, longe demais da nossa realidade social, de nossa preservação ambiental, histórica e paisagística. Claro que ela deve estar perto de alguém, de algum interesse, mas não sei do qual.
(Publicado originalmente no dia 18 de Abril de 2012 no Jornal de Piracicaba)
Betão Choairy
25 de abril de 2012
Com está professor? Saudades!!! Me irrita ler tanta hipocrisia e arrogância por parte de nosso prefeito Barjas! As obras só maquiaram nossa cidade, deixando ainda podre todo o seu interior, exatamente nas áreas social e saúde! E a resposta foi péssima! Mostrou que o Sr. Barjas não está preparado para as críticas e sendo assim, não as aceita! Fico feliz com esse blog e com certeza estarei por aqui diretamente! Abracos meus além de meu irmão Chafic e da minha mãe!
Betão
blogdoamstalden
28 de abril de 2012
Olá Betão. Faz tempo que não nos vemos. Bom receber notícias suas. Estou tentando colocar uma enquete aqui sobre a adequação da resposta do prefeito, mas ainda não consegui. Assim que conseguir vou pedir que os leitores todos façam sua avaliação. Muito Obrigado por comentar e continue a vontade. O Blog é um espaço para sermos cidadãos. Abraço a todos.
BEtão Choairy
28 de abril de 2012
Agradeço a resposta! Tenha certeza que estarei aqui diariamente, pois tenho sido muito crítico em relação a essa cidade que vem sendo esquecida por dentro!!! Abraços!!!
Hélina Fernanda Soares
3 de maio de 2012
Tenho ido muito raramente a Piracicaba, mas outro dia vi uma imagem da passarela que se pretende construir, e fiquei muito incomodada… primeiro, porque a achei feia, de mau gosto; segundo, porque não vejo necessidade em sua construção. Muito pelo contrário, já há um acesso ao Engenho Central, com a bela ponte pênsil que atravessa o rio, dentre outros acessos. Esta obra é completamente desnecssária; não vejo como o prefeito Barjas Negri possa defendê-la, a não ser numa visão muito equivocada da função do Engenho, tombado como patrimônio histórico em administrações anteriores, e da fragilidade do ecossistema ciliar remanescente nas margens do Piracicaba.
Parabéns pelo blog, Fer.
blogdoamstalden
4 de maio de 2012
Nanda.
Obrigado por comentar. Você tocou num ponto fundamental. Qual a proposta de tombamento e utilização do Engenho? Vem aí a Festa das Nações. Com todo respeito e admiração pelo trabalho dos voluntários que vai reverter em renda assistencial, penso que o Engenho não é o lugar para milhares de pessoas circulando, dançando, comendo e bebendo. Será que alguém aí tem noção do que significa a preservação do patrimônio histórico? E infelizmente não é só a Festa das Nações. Shows de cantores de axé, sertanejo e muito mais, levam milhares de pessoas a circular freneticamente pelo local. Eu penso que logo não haverá mais Engenho…
Quanto a mata ciliar, sem comentarios.
A verdade é que todo mundo se diz “preocupado com o Meio Ambiente”, mas na maioria das vezes é puro marketing. Na prática continua-se a destruir.
Abração.
Guilherme Caetano
12 de maio de 2012
Boa noite, professor. Gostei, achei legal a opinião do senhor, gosto muito de ler estes textos. Mas adoro debates com mentes pensadoras, vamos lá. Eu também, de início, fiquei ligeiramente incomodado com a ponte. É verdade que a saúde realmente está sendo deixada de lado, mas uma coisa pude constatar. Em muitos anos, ouvi muito, muito mais se reclamar do afogamento da cidade do que da saúde pública, que já precisei me utilizar diversas vezes e não tive muitos problemas. Sim, precisa-se de mais funcionários e melhor remunerá-los, é fato. Estudo em São Paulo, também precisei usar o SUS de lá e, convenha-se, Piracicaba está realmente acima em termos de estrutura. Obras em cidades desenvolvidas como Piracicaba são imprescindíveis, e isso é indiscutível. Se o prefeito não as fizesse, estariam reclamando “ninguém faz nada pelo trânsito dessa cidade, está impossível andar por aqui”. Agora que faz “ah, mas ele não mexe na saúde”. Se desse maior valor à saúde do que à infraestrutura, haveria também muitas pessoas a censurar. O número de veículos na cidade já é superior ao número de habitantes, obras são sim essenciais para o desenvolvimento saudável do município. O Brasil viu suas cidades crescerem demais e não muito reagir até o fim do século passado, e agora tem de correr atrás. Não dá para viver em um centro sem o mínimo de vias de fluxo rápido e etecétera e tal. Enfim, acabei me desviando um pouco do assunto. O Engenho Central é sim um dos, senão o principal, pontos turísticos de Piracicaba. E, querendo ou não, os principais eventos da cidade se darão por lá. Independente do gosto sobre a arquitetura da nova obra, não é totalmente dúbio o valor da nova ponte – e não vamos tratar por necessidade. Nem todas as obras de uma prefeitura precisam equivaler-se deste quesito, caso contrário muitas obras de São Paulo ou Rio de Janeiro, apenas para tomar exemplo, jamais seriam erguidas. É gratificante termos algo mais, um cenário que possa atrair mais turistas à cidade, pois Piracicaba se beneficia muito deste setor, pelo menos regionalmente. A quantidade de pessoas que se aglomera naquele local em dias festivos é incontrolavelmente grande. Imagine só um tumulto causado por um acidente, e seja preciso uma evacuação. Com muito pouco se entope as outras três vias. E, por último, acho que nos valer do argumento de a retirada de meia dúzias de árvores de preservação ambiental seria um tanto exagerado. Tenho ciência de que em nosso país apoiar integralmente as obras da administração pública é colocar a mão no fogo por algo muito arriscado, mas talvez admitir de antemão outros interesses por uma construção que já seria previsível em um mandato movido a milhares de reformas na infraestrutura (permita-me, na ampla maioria essenciais) não seja substancialmente imparcial. E não tenho nenhum ou a mínima simpatia pelo partido do prefeito, que venha a ser claro! Muito pelo contrário, acho que neste país, para sermos capazes de avaliar todas as situações político-administrativas com a maior lucidez possível, devemos nos abster dessa aderência incondicional por qualquer partido. Mas é somente uma opinião, e não acho que a do senhor esteja inteira equivocada, gostei muito do modo com que tratou do assunto. Afinal, debates devem ter somente um objetivo: o de encontrar, independentemente dos lados e das ideias por elas defendidas, uma visão crítica mais próxima da realidade. Um grande abraço, continuarei a acompanhá-lo em suas reflexões analíticas! Atenciosamente, Guillherme Caetano
blogdoamstalden
15 de maio de 2012
Olá Caetano.
Obrigado por debater, comentar e discordar. Esta é a verdadeira proposta do Blog.
Perdoe a demora em responder. Os comentários são muitos e os acessos me surpreendem. Responder tudo e escrever está tomando muito tempo. Daí a demora.
Mas vamos lá.
Creio que o debabe não é sobre as ponte do Mirante, necessária sim. Nem sobre obras viárias em geral. Mas especificamente sobre os gastos que considero superfluos. Por exemplo, para quê um elevador panorâmico na Ponte do Miramte? Quanto ele custa em porcentagem da obra? Para quê as estaias? Para quê a nova passarela?
Mesmo que eu concordasse com você a respeito dos eventos no Engenho, creio que ele tem mais entradas do que eventos durante o ano. Então para quê um novo acesso para pouco uso? Se você viu o projeto e as obras da passarela, deve ter percebido que não é obra barata. Concreto daquele jeito com estaias decorativas também, é caro.
E é esse custo que eu questiono. Na minha opinião, este dinheiro a mais investido nas decorações e mesmo na passarela, poderia sim ser usado na melhoria constante dos serviços prioritários, saúde e educação.
Que bom que você não teve problemas no antendimento do SUS. Mas parece que muitos não tem esta sorte. No dia seguinte a publicação do meu artigo, o Jornal de Piracicaba trouxe uma matéria em que relatava esperas de até sete horas nas UPAs. O que foi atípico? Seu rápido atendimento ou a demora de outros? Creio que nós precisaríamos de uma pesquisa ampla sobre isso. Se eu tiver financiamento, faço a pesquisa. E mais, divulgo os dados com absoluta isenção.
No entanto, mesmo que seu atendimento tenha sido bom, creio que nestas áreas o que precisamos é a excelência sim. Bom pode ser melhor. Estaias e elevadores (perdoe a insistência) não são prioridades. No dia em que este país estiver com um atendimento de saúde e uma educação no padrão sueco, então eu serei favorável a amenidades nas obras. Por enquanto não sou.
Sobre o Engenho, creio que é um referencial sim, um patrimônio sim, belo sim. Mas questiono o uso. A estrutura é frágil e não creio que milhares de pessoa passando por lá, bebendo e dançando seja um uso prudente. Se a questão é esta, que se busque um parque específico para isto e não um patrimônio histórico. No fundo o que importa é saber se queremos o Engenho como patrimônio ou se o queremos para “tchú e tchá…”
Em relação ao seu outro comentário, concordo plenamente que não adianta construir escolas se o resultado da educação é ruim. E uma, não só ela, mas uma das medidas para melhorar a qualidade educacional é a boa condição de trabalho, inclusive de salário, para os professores.
Eu leio muito, gasto muito com livros e penso que não há como ser professor sem ler.
No entanto conheço professores da rede pública que não lêem ou lêm menos do que deveriam simplismente porque não tem dinheiro suficiente para comprar os livros.
Penso que ter mais qualidade e salário para os professores (e os outros profissionais que citei) é mais importante do que ter decorações na ponte.
Por último, estou junto com você. Não defendo nenhum partido específico, tampouco os critico especificamente. Questiono suas ações e busco uma coisa que não temos ainda no Brasil. Uma verdadeira participação democrática nas decisões do poder público.
Obrigado pelo apoio.
Espero contar sempre com seus comentários.
Abraço.
(Ps: seu texto está muito bem escrito, gostei muito)