Uma Ponte Longe Demais. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 24 de abril de 2012 por

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Uma obra pública, para merecer o nome, deve visar o bem de todos. Porém, nem sempre isso é possível, dadas as muitas e diferentes necessidades de cada estrato da população. Neste caso ela deve então atender a necessidade do maior número possível de pessoas, levando-se em conta as realidades social e econômica do momento.

Se parto desta definição, fica muito difícil entender que a nova passarela do Rio Piracicaba que está sendo construída, seja uma obra pública e isso pelas razões que citei, mas também por algumas outras.

Em primeiro lugar, a passarela não está dando vazão a um trânsito já existente. Ela vai criar um novo fluxo de passagem numa área que até então estava isenta. O Engenho Central tem pelo menos três acessos: pelo Mirante, pela Ponte Pênsil e por trás, a partir do balão do inicio da Av. Presidente Kennedy. Estas entradas são, durante a esmagadora maioria do tempo, mais do que suficientes para dar conta do fluxo de pessoas que visita o Engenho. Em momentos de grandes eventos pode haver algum congestionamento, mas estes são relativamente poucos, daí a certeza de que a nova passarela ficará ociosa. Por outro lado, mesmo a realização de eventos grandes no Engenho é questionável. Sua área é patrimônio histórico a preservação não combina com shows e festas atraindo milhares de pessoas. Quanto mais gente bebendo ou pulando na área, maior a chance de haver prejuízo aos prédios e instalações. Logo aumentar o acesso para beneficiar grandes festas coloca em risco toda a área.

Em segundo lugar, a margem direita do rio, na área que a ponte vai ligar à av. Beira Rio, tem ainda alguma mata e, portanto, é área de preservação permanente. Não sei quem autorizou o uso da área e nem por quais critérios, mas sei que haverá perda de área verde e isso afeta a toda a população, por menor que seja esta perda e principalmente considerando a pouca utilidade da nova passagem.

Em terceiro lugar, além do patrimônio ambiental (mata) e histórico (Engenho) o patrimônio paisagístico vai ser afetado. A vista da curva do rio, na altura da Rua do Porto, é uma de nossas paisagens mais bonitas, imortalizada em um sem número de quadros, fotos e cartões postais. De agora em diante, quem olhar rio abaixo a partir da ponte pênsil, do mirante ou da margem esquerda, verá não mais a curva com as casinhas da rua do porto, mas uma estrutura de aço e concreto. Séculos de paisagem e história destruídos, fechados.

Por último e talvez mais importante, está a relevância social da obra em relação ao seu custo. No dia 12 de Abril, conforme matéria deste Jornal, a prefeitura anunciou seu último pacote de obras do qual faz parte a nova passarela e sua iluminação. Fazendo as contas, vemos que o valor investido na Secretaria de Obras equivale a 68,52% do total; a Secretaria de Educação receberá 14,68%; a de trânsito 7% e a Secretaria de Saúde apenas 4,95%, sendo os demais 4,85% rateados entre Esporte e Desenvolvimento Social. Não está especificado quanto será colocado na passarela e na sua iluminação. Penso, aliás, que este pacote não contempla toda a obra, uma vez que ela já começou a muito. De qualquer modo fica clara a preferência: obras, dentre as quais a deste artigo, estão em primeiro lugar na prioridade, mas saúde está em quarto. Será que isso reflete realmente as nossas necessidades? Será que atravessar o rio por um novo ponto está na frente de ter bom atendimento de saúde? E não acredito em “estar na média de qualidade” de saúde e de educação. Acredito em excelência. Mas para isso é necessário mais investimentos, sempre mais. A passagem do rio não é o que acredito ser mais importante.

Enquanto cidadão, que tem pleno direito a opinião e expressão, afirmo que a nova passarela é uma “ponte longe demais”. Longe demais do interesse da população, longe demais da nossa realidade social, de nossa preservação ambiental, histórica e paisagística. Claro que ela deve estar perto de alguém, de algum interesse, mas não sei do qual.

(Publicado originalmente no dia 18 de Abril de 2012 no Jornal de Piracicaba)

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