Nas Ciências Sociais, usamos um conceito chamado de “Profecia Autorrealizável”. Basicamente significa que, se você pré determina uma expectativa, vai agir de acordo com sua predeterminação e, por conseguinte, vai condicionar o resultado. Por exemplo: se você é fumante e afirma para si mesmo e/ou para outras pessoas que “não adianta, nunca vai conseguir deixar de fumar” então não tomará nenhuma atitude no sentido de parar, uma vez que já predeterminou que não consegue. O resultado é que sem atitudes, continuará fumando e, daqui a algum tempo, verá “confirmada” sua “profecia”: não conseguiu deixar o vício. O conceito não é aplicável somente a aspectos de nossa vida pessoal, mas também de nossa vida social. Se acreditamos que uma determinada situação social não mudará nunca, então não agiremos e, por conseguinte, ela não muda mesmo.
No dia 18/03, o programa “Fantástico” trouxe uma reportagem denúncia, na qual membros de empresas ofereciam propinas escandalosas a um repórter disfarçado de gestor de um hospital público no Rio de Janeiro. Não sei se o que mais revolta na situação é o cinismo dos representantes das empresas ou a covardia da situação em si. Quem frauda uma licitação em hospitais e outros órgãos públicos, não está simplesmente roubando, está matando, uma vez que o dinheiro desviado deixará de ser aplicado nos serviços do hospital e, com certeza, alguém vai morrer por falta deste serviço. Creio que um bandido que assalta um banco merece mais respeito do que estes corruptos e corruptores do serviço público. Um bandido pelo menos comete o crime pessoalmente e se arrisca a ser preso ou morto. Os corruptos roubam e matam ocultamente, covardemente. E o pior de tudo é que esta foi apenas a “ponta do iceberg”. Imagine quanto dinheiro público é desviado sem que ninguém saiba.
Agora, o que tem isso a ver com as “profecias” a que me referi? Tem que, desde a reportagem eu ouvi inúmeras vezes de amigos, conhecidos e estranhos que “é assim mesmo, o Brasil está perdido e não vai mudar”. Ora, estas afirmações são exatamente as profecias autorrealizáveis. Quem afirma isso não fará nada a respeito e assim, de fato, os corruptos continuarão mandando e matando. No próximo escândalo (e de vez em quando eles aparecem) as pessoas tornarão a comentar que “nunca nada mudará” e com isso perpetuarão a profecia e a inação.
Ao ler estas linhas, você pode estar pensando: “Ok, mas afinal o que eu posso fazer?” Eu diria que pode fazer muito. Quer um início? Pela internet você pode protestar enviando mensagens às autoridades manifestando, de forma cortês, mas firme, seu desagrado e sua intenção de nunca mais votar naqueles que estão envolvidos em escândalos e/ou naqueles que deveriam fiscalizar os contratos públicos.
Mesmo no caso do escândalo do Rio de Janeiro, você pode opinar (aliás deve, porque a verba é federal e o dinheiro é seu também); pode escrever ao Ministério da Saúde, identificar-se como eleitor e cidadão e cobrar providências duras. Pode ainda escrever para o deputado federal e senador para os quais votou na última eleição e cobrar o mesmo. Pode até escrever ao seu deputado estadual, afinal ele transita nas esferas do poder também e para o diretório central do partido dos seus eleitos. E mais, cumpra a sua promessa. Se não houver medidas duras a respeito deste e outros casos de corrupção, não vote nos candidatos do partido cujos membros estejam envolvidos ou sejam responsáveis por evitar estes casos.
Você acha que não funciona? Bem, eu discordo e poderia dar muitos exemplos da eficiência de tais protestos. Mas por ora, acho que é suficiente lembrar o seguinte: Suzanne Von Richtoffen e o Casal Nardoni teriam todas as brechas legais para estarem soltos. No entanto estão presos e isto se deve a pressão popular pela repercussão de seus crimes. No final é a mesma coisa. Os corruptos e corruptores de verbas públicas, principalmente em hospitais, são assassinos. Peça a sua punição.
Anna Flávia Silva
28 de abril de 2012
Luis, gostei muito do texto.
Mas, eu me pergunto até que ponto existe a indignação verdadeira e real das pessoas? Vejo muitas pessoas reagirem a problemas (seja em qualquer âmbito) superficialmente, porque parecem que não querem se envolver, parece que vêem/pensam que as coisas sempre fogem de sua alçada, mesmo que prejudique esmagadoramente essas pessoas. É pura comodidade? Medo? Ou é falta de consciência? Não consigo compreender…
Existe uma explicação sociológica para isso?
Se você pudesse fazer um post sobre isso, acharia muito interessante.
Abraço,
Anna Flávia
blogdoamstalden
28 de abril de 2012
Olá Anna. Gostei muito do seu comentário. Creio que é isso mesmo. As pessoas gostam mais de reclamar do que de agir. Creio que existem várias razões sociológicas e culturais para este nosso comportamento sim. Algumas dizem respeito a fenômenos globais, outras a fenômenos locais. A sugestão é excelente. Vou escrever algo sim. Muito Obrigado por comentar. Espero contar sempre com suas idéias. Abraço.
Anônimo
30 de abril de 2012
Muito bom, Doutore. A pergunta que fica é: será que o voto distrital não ajudaria a diminuir a distância entre eleito e eleitor? Sds marinheiras ao amigo, Marcelo Dotta.
blogdoamstalden
1 de maio de 2012
Concordo plenamente. Sou um defensor do voto distrital.