Em 1955, aos vinte e dois anos, o americano Willian Buck encontrou na biblioteca de sua cidade uma bela edição do Bhagavad-Gita, clássico indiano que faz parte do Mahabharata, a colossal obra épica, filosófica e religiosa hindu. Fascinado, estudou a cultura da Índia e o sânscrito, além de estender suas leituras para outras obras tradicionais. Chegou a conclusão que a extensão dos clássicos (só o Mahabharata em cinco mil páginas…) e seu formato em poema, dificultavam o acesso ao público ocidental moderno.
Dedicou então, anos de sua vida a ler os originais e “recontar” primeiro o Ramayana, depois o Mahabharata, em forma de prosa e de maneira mais dinâmica, sem tantas digressões e detalhes secundários. Em 1970, depois de publicar as duas obras, trabalhava numa versão do Harivamsa (outro clássico) quando faleceu aos trinta e sete anos. Parece uma missão “cármica” cumprida, não?
E o resultado da missão são dois livros maravilhosos, de leitura fluída e “saborosa”. O Mahabharata está esgotado no Brasil, mas o Ramayana ainda está disponível. Neste último, conta-se a epopeia do deus Rama e sua luta contra os demônios Rakshasas, chefiados pelo Rei Ravana que derrotara todos os deuses e deusas e dominava a terra. Rama tem sua esposa, Sita, raptada por Ravana e, ajudado por Hanuman, o rei dos macacos e por Jambavam, o rei dos ursos, luta para derrotar os Rakshasas e recuperar sua amada.
Além da narrativa do conflito, já em si muito agradável, o livro traz princípios filosóficos, éticos e religiosos indianos que, na verdade, são comuns a todas as culturas. No fundo, nossas dúvidas e anseios são universais: qual nosso papel no mundo? Qual o sentido da vida e da luta? Como nos portamos nesta vida? No Ramayana encontramos todas estas perguntas e algumas “respostas” (ou podemos dizer propostas?) dentro do universo cultural indiano. Quem quer entender um pouco mais deste universo, pensar um pouco mais nas questões existenciais ou só ter momentos de puro prazer com uma obra fantástica, deve experimentar esta. Eu não me canso de reler e é difícil dizer qual trecho gosto mais. Aquele em que é descrita a luta de Rama e Indrajit, um dos generais demônios é um joia de poesia e psicologia, assim como o trecho que relata o diálogo entre Ravana e Yama (a morte). Deixo a título de exemplo, o preâmbulo (resumido) da edição que tenho:
”Oh! Homem, sou o demônio guerreiro Indrajit, difícil de ver. Luto invisivelmente, escondido da tua vista por encantamento. Ataco por trás dos ventos selvagens do mau pensamento; apago muitas luzes desguardadas. Eu te conheço, e as boas obras realizadas em tua vida serão o teu único escudo quando precisares morrer e passar sozinho por mim a caminho do outro mundo(…) Dilata o coração. Renuncia à cólera. Acredita-me, teus poucos dias estão contados; faze agora mesmo uma escolha rápida e não penses em outra! Vem, aclara o coração e, prestes, caminha comigo para o seio de Brama, enquanto é tempo. “
Edu Pedrasse
12 de maio de 2012
http://www.estantevirtual.com.br/q/william-buck-mahabharata
blogdoamstalden
15 de maio de 2012
Valeu a dica Edu.
Fábio
12 de maio de 2012
Luiz, muito bom!!!! coloque também no blogue dois poemas indianos que você sempre comenta: o que fala de Dharma (..toda forma de perdão é Dharma…) e aquele que fala do inimigo que carrega armas poderosas, dentre elas uma sacola cheia de antigos amores.
Muito legal seu blog!!! Parabéns!
blogdoamstalden
16 de maio de 2012
Fábio, os dois trechos, o do Dharma e o da Carruagem de Prahasta, respectivamente, estão exatamente no Ramayana. O do Dharma, inclusive, é parte do trecho que citei incomplento. O outro também é maravilhos. E são “primeiros amores” perdidos. Li recentemente uma obra sobre história oral da primeira guerra mundial e, lá, um soldado conta que pior do que a guerra foi receber por carta a notícia de que sua primeira namorada o havia abandonado. Lembrei imediatamente do Carro de Prahasta. Universal o fenômeno, não? Qualquer hora escrevo um artigo sobre este trecho.
Obrigado pelo comentário e pelo elogio.
Abraço.
Marina Machado
16 de maio de 2012
Luis, não sei se cabe nesse post, mas gostaria de compartilhar um livro que eu achei muito bom da escritora indiana Thirty Unrigar que se chama “A distância entre nós” que conta um pouco da diferença social entre uma patroa e sua empregada em Bombaim. De uma sensibilidade de outro mundo.
blogdoamstalden
16 de maio de 2012
Marina. Cabe sim no post. Mas creio que pode ser mais. Por que você não nos “presenteia” com uma pequena resenha do livro? Eu fiquei a fim de ler. Sei que seu tempo é curto, mas ficaria feliz em ver sua resenha aqui. Obrigado e Abração.
Mateus de Paula Pimenta
21 de janeiro de 2013
eu já li uma diversidade imensa de livros, mas tenho o Ramayana como livro de cabeceira, devo ter lido já umas oito vezes, e quanto mais eu leio, mais a alma se vislumbra com toda a compaixão de Narayana, e William Buck é muito poético ao descrever cada verso. com conotações que revelam a pureza de grandes nobres Almas,,,
blogdoamstalden
23 de janeiro de 2013
Mateus, não li oito vezes, mas acho que ainda chego lá. Já li três e vivo relendo trechos. Tem alguns maravilhosos, tais como aquele em que ele descreve o carro de combate de Prahasta, ou ainda a cena em que Yama vem buscar Rhavana e ele zomba dela, porque havia amado, então sua vida não fora em vão. Cada vez que abro, encontro outro trecho que me fascina. Acho que Buck tinha como karma a recontagem desta obra. Cumpriu-o bem… Abraço e obrigado por comentar.
JOSÉ CAVALCANTI SILVA
23 de maio de 2016
Cheguei ao seu blog através de uma busca por uma biografia de Willian Buck, que não encontro na internet. Seu post está maravilhoso. O Ramayana é belíssimo. Acabei de comprar o Mahabharata e estou aguardando que chegue. Obrigado por esse artigo. Seu blog é também maravilhoso.