Desmistificando o “trololó” da modernização da telefonia no Brasil. Por Eduardo Stella

Posted on 9 de agosto de 2012 por

13



Muitas vezes tenho que escutar as mesmas histórias sobre o quanto “evoluiu” a telefonia no Brasil após as privatizações e devido a elas tudo foi possível. Enfim, é uma longa conversa que estou realmente farto de escutar e em geral as pessoas que fazem estas argumentações apenas repetem, como papagaios amestrados, o que a grande mídia alardeia despudoradamente.

         Elencarei as conversas mais tradicionais e os fatos verdadeiros logo em seguida, para que fiquem claras as razões de como e porque as mudanças ocorreram. E nem todas as mudanças foram boas e nenhuma delas ocorreu sem um aumento de custo brutal para a população.

            Em minha visão de Estado, discordo do Estado controlando tudo na vida do cidadão, prestando serviços desnecessários como supérfluos. Porém, o básico deve ser fornecido pelo governo e, no que tange a cobrança, ela deve ser feita, porém sempre visando a manutenção da estrutura, como eram as estatais do passado. Porém como todos sabemos, o atendimento das estatais estava muito aquém das necessidades da população devido a diversos problemas estruturais que poderiam ser resolvidos aplicando uma política de gestão eficiente (vide a Petrobrás). E é exatamente nesse ponto que a prosopopéia flácida das privatizações ganhou força!

            Vamos aos mitos.

            Mito número 1 Antes da privatização a população não tinha acesso em larga escala a telefonia devido a baixa disponibilidade de linhas e a privatização acabou com isso.

 

            De fato havia um déficit colossal entre a necessidade das linhas e a oferta. Quem não se lembra das imensas listas de espera? Pois é, porém o mito não reside aí e sim que foi a privatização quem aumentou a oferta!

            Essa é a coisa que para quem é do ramo de tecnologia como eu não gosta de escutar. Qualquer um que conheça a Lei de Moore, que é uma profecia tecnológica dita nos anos 70 feita pelo fundador da Intel Gordon Moore que diz que a cada ano e meio o poder de processamento dos equipamentos digitais duplica, entenderá que o processo de massificação das linhas a custos módicos ocorridas nos anos 90 tem mais a ver com a evolução tecnológica do que com a doação de nossas estatais.

            Para se ter ideia, um enlace E1 comporta até 32 linhas digitais no mesmo par de fios que outrora passava uma única linha. Uma central de comutação telefônica digital tem o tamanho e o TCO (Total Coast of Ownership) até 10 vezes menor que as obsoletas centrais de relês. Por aí deu pra ver a verdadeira expansão da oferta como ocorreu e com custos mais baixos e não foram as privadas (sem trocadilhos) quem fizeram o investimento como veremos no próximo mito.

            Enfim, ficou evidente aqui que o que aumentou a oferta foi o avanço tecnológico e não a troca de mãos da telefonia como todos gostam de apregoar.

            É muito apreciado pelo público pró-privatismo dizer com toda pompa possível: “Antes da privatização celular era artigo de luxo”. Sempre acabo, com minha ironia de ir na ferida, questionar a esses defensores da privataria como que no tempo de Dom Pedro ele não usava carro?

            Usar anacronismos é uma tática que confunde certamente os mais incautos.

            Mito número 2 – As companhias privadas investiram rios de dinheiro na modernização da telefonia.

            Mito puro! Desde 1995 até 1997 a TELESP passava por um profundo processo de digitalização de suas CPA (centrais telefônicas) e que o Estado bancava tudo ainda. Eu trabalhava praticamente o tempo todo em contato com esse pessoal e vi a coisa acontecer debaixo de meus olhos.

            A central telefônica da Vila Rezende, moderníssima por sinal na época, foi instalada em tempos áureos de modernização da telefonia que o país todo passava. Quem se lembra dos antigos pulsos dos telefones? Nas linhas 421 (hoje 3421) os telefones já usavam discagem por tom! Era o progresso andando a passos largos. Logo depois veio a digitalização das linhas 3422 e que seguiu-se modernizando durante os anos seguintes.

            Porém, o grosso do dinheiro foi investido antes da conversa de privatização e em 97 comecei a escutar que nossa Telesp seria doada para um grupo europeu. O resultado nós conhecemos hoje. Várias vezes campeã de reclamações do PROCON por aqui.

            Mito número 3 – Não compramos mais hoje linhas telefônicas e qualquer um pode ter.

            Esse é provavelmente o mito mais difícil das pessoas enxergarem talvez porque a maior parte da população se lembra do absurdo que era antigamente. Havia investimento em linhas telefônicas para aluguel pois ter uma linha era algo muito caro para se comprar. Custava mais de Us$ 1.000,00 para ter uma linha em casa e a grande maior parte da população não possui essa quantia guardada debaixo do colchão. Era mais fácil alugar uma linha do que comprar e esperar ela ser instalada.

            Porém, o que nunca é questionado é que na verdade hoje você paga eternamente pela sua linha e paga muito mais que antigamente. Após a privatização, o custo da telefonia subiu mais de 400% (quatrocentos porcento)  em alguns poucos anos e também instituiu-se a taxa obrigatória.

            Oras, qual foi a mágica da massificação das linhas? Financiamento altamente lucrativo para os banqueiros. Você pagava pela linha, porém em suaves parcelas da taxa mínima de pouco mais de R$ 30,00. Com essa taxa, você usando ou não, estava pagando e antes não era assim. Em 8 anos pagando essa taxa, você já pagou com sobra o antigo investimento inicial de Us$ 1.000,00 de outrora com a diferença que continuará pagando e paga até hoje.

            Então o aumento astronômico das tarifas somado com a “taxa mínima” mascarou aquela coisa de pagar uma fortuna pra ter uma linha. O que houve foi um financiamento das linhas e que na prática resultou num aumento muito grande para o consumidor.

            Mito número 4 – A privataria acabou com o monopólio.

            Aqui tangimos em uma questão muito delicada que é a falácia do fim do monopólio. Na verdade trocou-se o ruim monopólio público pelo monopólio privado. O governo de Fernando Henrique garantiu 5 anos (que acabaram na prática se tornando 10 anos) de monopólio para as empresas que ele doou as antigas estatais.

            Oras, se ele tirou o monopólio da estatal e jogou para seus amigos privados, então não houve fim do monopólio, houve a troca de mãos.

            Mito número 5 – A qualidade hoje é infinitamente superior e tem muito mais recursos

 

            Outro mote da campanha da privatização é: Hoje a qualidade das linhas é muito melhor que em outrora.

 

            Este mito está intimamente ligado ao primeiro e só pergunto a você, caro leitor, por que o velho fusca não tem os mesmos recursos de um carro de mesma faixa de mercado dele só que atual? Ou ainda, por que a TV de hoje pega muito melhor, muito mais bonita, gasta menos e dá muito menos problema?

 

            Por acaso as montadoras de carros e fábricas de TV eram estatais antigamente? Pensem nisso antes de levar a sério e adiante o mito número 5!

 

            Mesmo assim, com o avanço tecnológico capitaneado pela evolução digital (aquela de que a cada 18 meses o poder dos chips dobram), não devemos nunca esquecer que as companhias de telefonia no Brasil estão sempre entre as piores do mundo e é a segunda mais cara do mundo!

 

            Além das críticas

 

            Até agora, se vossa teve paciência de ler esse texto aqui, gostaria de propor alguns exercícios que vão além das críticas e que são sugestões para melhorar e baratear os serviços públicos.

 

            Não sou contra a iniciativa privada explorar os serviços públicos, mas sou veementemente contra ela explorar sozinha tais beneficies a população.

 

            A volta do sistema Telebrás – incluindo uma companhia federal e as demais estaduais – apenas para fornecer os serviços básicos e sem objetivo de buscar o lucro seria o primeiro passo para alimentar a concorrência.

 

            Assim como assistimos no caso dos bancos e seus juros estratosféricos, vamos assistir as companhias privadas aprimorando seu atendimento e tentando conseguir melhores tarifas e produtos melhores que o básico oferecido pelas estatais. Aí todo mundo sai lucrando: população e companhias e é esse o ideal.

 

            Só peço ao leitor para que reflita sobre estes mitos que trouxe aqui e compare com os fatos. Que seja isento de suas paixões políticas-ideológicas e tentem analisar os fatos pelo aspecto lógico. Também peço para que pesquisem as informações aqui trazidas de forma crítica.

 

Eduardo Stella é desenvolvedor de sistemas e trabalha com tecnologia há
20 anos.