
Imagem reblogada de http://silveiraroccha.blogspot.com.br/2011/04/professores-desmotivados-abandonam-o.html
Em 2009 e 2010 ministrei disciplinas para o curso de Geografia na UNESP de Rio Claro como professor convidado. Um de meus alunos começou seu estágio obrigatório para a licenciatura e, nele, deveria acompanhar aulas da matéria em uma escola pública. No dia seguinte a primeira aula, o aluno chegou muito assustado e comentou comigo que a professora da turma que ele acompanhava não expunha a matéria, mas exibia filmes aos alunos todas as noites. Lembro-me de ter argumentado que filmes são um recurso didático, embora parecesse que a professora o estava utilizando demais. Meu aluno então respondeu: “Mas professor, ela estava exibindo o filme “O Exorcista” para a turma…”
Confesso que fiquei sem ter o que dizer. Que raios o filme tinha a ver com Geografia? Bom, talvez a moça fosse especializada na obra “A Divina Comédia” de Dante Alighieri e estivesse ensinando a “geografia do inferno”, mas tirando esta hipótese, não via ligação alguma. Não via e não vejo, mas embora a situação seja de um absurdo risível, também não me surpreendi. A cada ano vejo chegarem a faculdade alunos oriundos da escola pública e, tirando cada vez mais raras exceções, a maioria é muito mal preparado. Um dos motivos (existem muitos outros) esta ligado a postura de docentes como a professora dos filmes.
Não sei quem é esta colega e nem quais os motivos que a levaram a adotar filmes deste tipo, mas gostaria de explorar uma das explicações para isso. Ocorre que o magistério é uma atividade mal remunerada. Não adianta negar, se compararmos a docência com outras áreas, veremos que é mal remunerada sim, e argumentar em cima de “médias” como tenho visto na imprensa, é esconder a realidade. Ora, a partir do momento em que um professor ganha pouco, acaba por ter que assumir mais horas aula. Eu conheço colegas que chegam a carga de quarenta e cinco horas aula semanais, dividindo-se entre escolas estaduais, municipais e particulares. Alguém pode argumentar, como também ouço frequentemente, que jornadas de mais de quarenta horas são normais para todos os trabalhadores. Mas não é tão simples assim. A atividade de docência exige que você fale, ande na sala, dê atenção aos alunos e entenda e acompanhe suas dificuldades, além de se manter razoavelmente atualizado lendo e estudando. E não é só. A cada hora aula temos que usar mais pelo menos uma para preparar material didático, planejar o que e como iremos expor e ainda corrigir provas e trabalho. Desta forma uma jornada de quarenta chega a oitenta horas semanais.
Em tais condições, não há tempo para mais nada, nem família, nem lazer, nem para cuidar de sua saúde. Uma opção para fazer o trabalho bem feito é reduzir a carga horária, mas daí a renda cai e falta dinheiro para se viver decentemente. É neste contexto que muitos docentes acabam por assumir uma estratégia alternativa: “não dar aulas ou não dá-las direito”. Exibir filmes para os alunos é uma destas estratégias. Outra delas é simplesmente “enrolar”. Existem piores, sei de professores que simplesmente dormem em sala e deixam os alunos fazerem o que quiserem e um amigo, diretor de escola, contou-me que já surpreendeu um professor “guiando” sorrateiramente os alunos para fora da escola antes do final da última aula noturna.
É fácil fazer isso. O aluno não se importa. Para ele, que não tem experiência, não tem base cultural e as vezes também não tem tempo (posto que muitos trabalham) quanto menos aulas e deveres melhor. Quem de nós, criança e jovem, não se alegrou quando um professor faltava ou “enrolava”? Meu sobrinho de onze anos diz que a coisa mais legal é quando a professora conta a história da vida dela, porque daí não tem matéria na aula…
O aluno não se importa, não tem aula e não tem matéria. O professor vai “enganando a vida” e se equilibrando entre várias escolas, pouca renda e conteúdo fraco. Alguns, aliás, oriundos de faculdades ruins, nem sabem direito a disciplina que ensinam (e isso eu vou desenvolver em outro artigo). Já o poder público também não se importa. Prefere o caminho mais fácil de usar índices, estatísticas, médias e belos discursos para demonstrar quantos alunos estão nas escolas, quantos foram aprovados (não importa de que forma) e quantos “concluíram” o ensino fundamental e médio. Aferrar-se a dados e médias é mais fácil do que criar um plano de carreira interessante aos professores e melhorar continuamente seus salários e suas condições de vida. Daí, como quem não paga não pode exigir, o poder público costuma fazer vistas grossas à péssima qualidade da educação. Ao final, tudo o que conseguimos são gerações cada vez mais medíocres e despreparadas, que vão viver do subemprego ou viver a exclusão. Pelo menos a audiência de alguns filmes melhora. Hollywood agradece…
Valéria Pisauro
29 de agosto de 2012
Quantos Professores & Filmes conhecemos…dignos de crítica ou piedade????Quantos alunos conhecemos carentes de Professores ou de Filmes????
Reflexão sensacional!!!
Antonio
30 de agosto de 2012
Uma crônica/reflexão que apesar dos trechos engraçados expõe nossa maior mazela e me causa profunda tristeza.
E tende a piorar.
Enquanto não houver, por parte da população a exigência e por parte dos governantes um plano sério para a educação estas situações só tendem a piorar e produzir alienados em número cada vez maior.
Enquanto as delegacias de ensino forem cabides para apaniguados, enquanto o poder público fechar salas porque têm menos de 45 alunos, enquanto….tudo isto continuará.
A cada mudança de governo, novo secretário, em geral quem nunca deu aula, novos diretores das delegacias, nomeados pela amizade e não pela competência, novos diretores de escola, em geral cabos eleitorais do eleito ou dos vereadores, vai continuar.
Em 64 a Coréia e os outros tigres asiáticos eram arrozais.
A geopolítica decidiu pelos governos e incentivou o ensino, de todas as formas, hoje são potências.
O caminho sabemos qual é!
Como fazer?
João Humberto Venturini
30 de agosto de 2012
Excelente artigo Amstalden!!
Eu sou professor na rede estadual e particular e essa situação descrita do professor é a realidade. Muitos, principalmente em eleições, ficam ai dizendo q a educação tem q ser prioridade, mas não entendem a dinâmica q tem q ter um profissional da área da educação. Qdo digo muitos, não falo só dos políticos, mas da sociedade em geral, a qual cobra da gente, mas não quer entender o contexto q a gente vive. Não querem saber sobre o papo do salário, pois para a maioria q eu converso isso é irrelevante, pois a maioria acredita q ser professor é dom e tem q fazer pq gosta e não por salário. Ouvir isso me irrita bastante, pois é de uma ignorância sem tamanho.
As pessoas esquecem q nós tb, além de comer, beber e se vestir, temos famílias, queremos lazer e cultura. Para tudo isso, um salário digno é indispensável!
No estado, por exemplo, a hora/aula está próxima dos R$ 9,00 !!!!!!!! Isso mesmo!!! E o vergonhoso ticket alimentação agora aumentou um pouco mais de R$ 4,00 (nós chamamos de vale-coxinha)!! Isso q esse ticket só recebe professores com até 28 aulas! Para os professores q tem mais aulas q isso chegando no limite de 33, não recebem ticket! Veja q absurdo.
O resultado é esse q vc descreveu, onde a maioria tem jornadas de trabalho excessivas e depois de um certo tempo não dão conta disso.
Carla Betta
30 de agosto de 2012
Ai, que triste! Que consequências desastrosas! Aonde iremos parar? Sermos o país do futuro eternamente? Criarmos mais e mais cotas ao invés de melhorar o ensino, começando por valorizar o professor?… tsc..tsc..tsc..
Anônimo
30 de agosto de 2012
Eu estava na sua aula neste Dia…..Geografia _Unesp, noturno! Infelismente as coisas nas escolas não mudaram, de nenhuma das partes….
Olivia Ricci
2 de setembro de 2012
É professor, para dar aulas nas escolas públicas de ensino básico hoje é preciso muita coragem! Infelizmente não vejo muito como mudar a situação, já que há uma grande apatia generalizada.