A Professora e o Exorcista. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 29 de agosto de 2012 por

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Em 2009 e 2010 ministrei disciplinas para o curso de Geografia na UNESP de Rio Claro como professor convidado. Um de meus alunos começou seu estágio obrigatório para a licenciatura e, nele, deveria acompanhar aulas da matéria em uma escola pública. No dia seguinte a primeira aula, o aluno chegou muito assustado e comentou comigo que a professora da turma que ele acompanhava não expunha a matéria, mas exibia filmes aos alunos todas as noites. Lembro-me de ter argumentado que filmes são um recurso didático, embora parecesse que a professora o estava utilizando demais. Meu aluno então respondeu: “Mas professor, ela estava exibindo o filme “O Exorcista” para a turma…”

Confesso que fiquei sem ter o que dizer. Que raios o filme tinha a ver com Geografia? Bom, talvez a moça fosse especializada na obra “A Divina Comédia” de Dante Alighieri e estivesse ensinando a “geografia do inferno”, mas tirando esta hipótese, não via ligação alguma. Não via e não vejo, mas embora a situação seja de um absurdo risível, também não me surpreendi. A cada ano vejo chegarem a faculdade alunos oriundos da escola pública e, tirando cada vez mais raras exceções, a maioria é muito mal preparado. Um dos motivos (existem muitos outros) esta ligado a postura de docentes como a professora dos filmes.

Não sei quem é esta colega e nem quais os motivos que a levaram a adotar filmes deste tipo, mas gostaria de explorar uma das explicações para isso. Ocorre que o magistério é uma atividade mal remunerada. Não adianta negar, se compararmos a docência com outras áreas, veremos que é mal remunerada sim, e argumentar em cima de “médias” como tenho visto na imprensa, é esconder a realidade. Ora, a partir do momento em que um professor ganha pouco, acaba por ter que assumir mais horas aula. Eu conheço colegas que chegam a carga de quarenta e cinco horas aula semanais, dividindo-se entre escolas estaduais, municipais e particulares. Alguém pode argumentar, como também ouço frequentemente, que jornadas de mais de quarenta horas são normais para todos os trabalhadores. Mas não é tão simples assim. A atividade de docência exige que você fale, ande na sala, dê atenção aos alunos e entenda e acompanhe suas dificuldades, além de se manter razoavelmente atualizado lendo e estudando. E não é só. A cada hora aula temos que usar mais pelo menos uma para preparar material didático, planejar o que e como iremos expor e ainda corrigir provas e trabalho. Desta forma uma jornada de quarenta chega a oitenta horas semanais.

Em tais condições, não há tempo para mais nada, nem família, nem lazer, nem para cuidar de sua saúde. Uma opção para fazer o trabalho bem feito é reduzir a carga horária, mas daí a renda cai e falta dinheiro para se viver decentemente. É neste contexto que muitos docentes acabam por assumir uma estratégia alternativa: “não dar aulas ou não dá-las direito”. Exibir filmes para os alunos é uma destas estratégias. Outra delas é simplesmente “enrolar”. Existem piores, sei de professores que simplesmente dormem em sala e deixam os alunos fazerem o que quiserem e um amigo, diretor de escola, contou-me que já surpreendeu um professor “guiando” sorrateiramente os alunos para fora da escola antes do final da última aula noturna.

É fácil fazer isso. O aluno não se importa. Para ele, que não tem experiência, não tem base cultural e as vezes também não tem tempo (posto que muitos trabalham) quanto menos aulas e deveres melhor. Quem de nós, criança e jovem, não se alegrou quando um professor faltava ou “enrolava”? Meu sobrinho de onze anos diz que a coisa mais legal é quando a professora conta a história da vida dela, porque daí não tem matéria na aula…

O aluno não se importa, não tem aula e não tem matéria. O professor vai “enganando a vida” e se equilibrando entre várias escolas, pouca renda e conteúdo fraco. Alguns, aliás, oriundos de faculdades ruins, nem sabem direito a disciplina que ensinam (e isso eu vou desenvolver em outro artigo). Já o poder público também não se importa. Prefere o caminho mais fácil de usar índices, estatísticas, médias e belos discursos para demonstrar quantos alunos estão nas escolas, quantos foram aprovados (não importa de que forma) e quantos “concluíram” o ensino fundamental e médio. Aferrar-se a dados e médias é mais fácil do que criar um plano de carreira interessante aos professores e melhorar continuamente seus salários e suas condições de vida. Daí, como quem não paga não pode exigir, o poder público costuma fazer vistas grossas à péssima qualidade da educação. Ao final, tudo o que conseguimos são gerações cada vez mais medíocres e despreparadas, que vão viver do subemprego ou viver a exclusão. Pelo menos a audiência de alguns filmes melhora. Hollywood agradece…

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