Na semana passada, Barack Obama foi reeleito presidente dos EUA. Lá como aqui, um fenômeno curioso chamou minha atenção. Ocorre que para os eleitores, principalmente aqueles que professam alguma fé religiosa, um dos pontos importantes para a escolha de seu candidato foi a postura adotada por estes em relação à união gay.
Não é exatamente um assunto desprezível, eu concordo, mas pensemos um pouco. Os EUA, assim como o restante do mundo, têm enormes desafios pela frente. A crise econômica é um deles. Até agora os EUA não se recuperaram totalmente da crise de 2008 e a crise europeia também os afeta. Ao mesmo tempo eles, assim como todos nós, têm que enfrentar o desafio do desemprego estrutural. Quanto mais tecnologia é gerada, menos trabalhadores são necessários e pessoas desempregadas não compram, criando um impasse para as empresas que experimentam quedas nas suas vendas e correm o risco de desempregar ainda mais. Some-se a isso a necessidade de se fazer frente à concorrência chinesa e de outros países com legislações trabalhistas e ambientais “frouxas” que produzem a preços baixos e derrubam as vendas americanas. Falando em questão ambiental, este é outro dos problemas. Lá, aqui, em todo lugar, precisamos urgentemente conciliar a sustentabilidade social, econômica e ambiental. E se você quer saber, ninguém sabe ao certo como fazer isso. Sabemos apenas que temos que fazer, caso contrário nossa civilização e nossa própria espécie correm o risco de desaparecimento.
Estes são somente alguns dos temas/problemas. Existem ainda aqueles relativos a segurança internacional, à segurança interna, aos serviços públicos, principalmente os de saúde e educação, bem como outros mais específicos, inclusive aqueles relacionados a desigualdade social interna (“Yes”, ao contrário do que muita gente pensa, existe pobreza na “gringolândia”). Enfim, problemas não faltam para Obama e para todos nós. Curioso é que, com todos os desafios citados e outros tantos, muitos eleitores ainda estão mais preocupados com a postura do estado em relação a homossexuais do que com as questões citadas.
A mim isso parece ser uma tolice imensa. Você realmente pensa que o fato dos gays terem ou não sua união reconhecida pelo Estado é mais importante do que o seu emprego e o dos seus filhos? Pensa que é mais relevante do que a questão ambiental? Do que a questão da desigualdade social? Bolas, a união homossexual é apenas um problema de propriedade. Ela é relevante na medida em que um casal homossexual vive junto muito tempo e constrói, junto, um patrimônio. No caso de morte de um deles este patrimônio não passaria automaticamente para o outro, que dividiu os custos do mesmo, mas teria que ser também dividido com outros parentes de quem faleceu. O reconhecimento da união por parte do Estado visa impedir que parentes alheios a vida da dupla viessem (malandramente, na minha opinião) requerer bens aos quais não tem direito. É uma questão relevante sim, mas para os gays e não para a sociedade como um todo.
No entanto, para milhares de eleitores heterossexuais, tanto nos EUA quanto aqui, isso virou prioridade política. Penso que é um fenômeno bastante trágico, sabe? Penso que significa que o preconceito e a homofobia se tornam mais relevantes, para muitos eleitores, do que as grandes questões e desafios públicos. Enquanto estamos perdendo tempo discutindo se os gays podem ou não ter sua união legal (e material) reconhecida pelo Estado, a corrupção, o crime, a crise ambiental e os desafios sociais continuam aí. Não sou adepto das “teorias da conspiração”, mas cada vez mais me parece que discutir a união gay na política é algo útil a políticos corruptos e/ou inúteis, que alimentam tais polêmicas para que nada mude, para que, perdidos nos seus preconceitos, os eleitores percam a noção do que realmente é fundamental. Pense um pouco nisso. Será que os americanos e nós, não temos assuntos mais sérios a cobrar de nossos governantes?
PS: para os gays penso que sim, que é um tema relevante e que pode condicionar seu voto, mas para os heterossexuais não vejo importância, a não ser que você esteja de olho na herança daquele seu parente rico, e gay…
Valéria Pisauro
15 de novembro de 2012
Bravo! Bela reflexão!
Evandro Mangueira
23 de junho de 2014
Sabe o que acontece? Assuntos como casamento igualitário, aborto entre outros são de propriedade universal, todo mundo tem uma opinião, e enquanto se discutem esses assuntos, tem-se a impressão que estão fazendo política, que estão contribuindo de alguma forma. Assuntos mais elaborados como emprego e sustentabilidade necessitam de melhor preparo acadêmico e senso crítico mais apurado. E os políticos sabendo disso, mundo o foco! Deixa o povo brigando pela galinha na arena enquanto o banquete é servido bem longe deles!