Antônio Carlos Danelon é alguém que conheço desde minha infância, quando ainda era forte a corrente da Teologia da Libertação na Igreja Católica. Com ele aprendi muito. Lembro-me de uma de suas palestras, na qual ele insistia que o Evangelho “pede” coerência. Nunca me esqueci desta fala e, até hoje, isso é algo que eu procuro manter na minha vida.
Totó, como os amigos e parentes o chamavam e chamam, manteve. Nunca se vendeu, nunca se corrompeu e, acima de tudo, nunca desistiu de viver e proclamar a necessidade de um mundo mais justo. Penso que ele manteve vivo o espírito do cristianismo engajado, aquele que não se restringe aos templos e não incentiva fiéis arrogantes, que pensam serem os únicos “escolhidos”. Este cristianismo, que eu conheci na minha infância e juventude está meio marginalizado. Não aparece nas televisões, dominadas por padres e pastores midiáticos, que dançam, cantam e vendem falsas esperanças e uma religião superficial e castradora. Não está mais nas grandes cerimônias religiosas e muito menos no discurso das Igrejas “oficiais”. Lamento pela pequeno número de pessoas que ainda o vive, mas não pela falta de fama desta corrente cristã. Cristo nunca quis ser “showman”, nunca quis acumular riquezas e realizar suntuosas cerimônias. Se quisesse, não teria vivido entre os pobres e não teria feito sua Última Ceia com singelos pão e vinho.
O cristianismo que o Totó defende continua. Ele está na vida de centenas, milhares de pessoas que ainda buscam a justiça e não se calam ou conformam com a injustiça. Está com milhares que não aceitam a ideia de que “o mundo é assim”, mas pensam que o mundo pode ser muito diferente, muito melhor e não têm medo de defender isso. São pessoas que se interessam por política sim, que se interessam pelo meio ambiente e com a justiça material, porque pensar e lutar em relação a tudo isso é ser o “sal da terra”.
Claro que todas estas pessoas erram. Todos nós erramos. Mas a meu ver errar buscando é melhor do que errar por passividade e conformismo. Estas duas características costumam ser atributos daqueles que são conformistas ou coniventes com o mundo injusto. Os que buscam a justiça, mesmo errando, geram o movimento, a reflexão e a experimentação. E destes é que vem a mudança, não da passividade.
É com prazer e orgulho que apresento a vocês a “Coluna do Totó”. Agora todas as sextas feiras ele vai escrever neste Blog, como já havia fazendo a tempos, mas sem um dia fixo. Leia, debata, concorde ou discorde, mas busque com ele e conosco o pensamento, a reflexão e um mundo melhor. Abaixo, o primeiro texto já oficialmente colocado.
OVELHAS Por Antônio Carlos Danelon
A mensagem de Jesus não condiz com o marasmo que estamos vivendo, pelo menos muitas comunidades da Igreja Católica de Piracicaba. Onde, afinal está a alegria de pertencer ao Reino; o amor que nos uniria e nos faria referência; os dons postos a serviço; a coragem do testemunho e até mesmo as perseguições?
Não vejo, mas ouço falar de ricas experiências feitas por comunidades abertas aos sinais dos tempos e ao Espírito que renova todas as coisas. Daqui donde estou no entanto, sinto-me como ovelha de um rebanho que se reúne para balir. O que devo cantar rezar e ouvir já vem pronto e escrito. Espontaneidade, interação e acolhimento? Ora, em geral mal se olha na cara de outro; do jeito que se chega se sai, sem uma amizade nova a mais. Se na assembléia tiver alguém sofrendo; desempregado ou precisando de algo ninguém fica sabendo Na rua nem se saúda, embora lado a lado se estivesse na igreja. Gosto de minha comunidade e vou todos os sábados ou domingos à missa, mas quero mais. Não é só isso que Jesus veio trazer. Já vi melhores gestos de fraternidade em cadeias, arquibancadas de futebol e até no carnaval.
Existem padres que se esforçam para animar a assembléia incrementando a liturgia e até fazendo missas de cura e libertação – como se Jesus já não nos tivesse libertado definitivamente. Acaba que quem oferece melhor espetáculo tem maior auditório. Não é a Palavra e o compromisso com a comunidade que atraem certos tipos de ovelhas, mas o pastor, especialmente o traquejado ou aquele que lhes oferece repouso no espírito, afinal viver fugindo de si e do mundo cansa. Empapuçadas do capim que a Santa Madre oferece – apesar do riquíssimo e imenso estoque de iguarias que possui – as ovelhas se tornaram exigentes, não de consistência, mas de variedade. Se por outro lado, algum padre quiser mudar as coisas elas se mandam ou reclamam com o bispo até que ele se enquadre ou vaze.
Na maioria das paróquias o padre é o centro. Se ele estiver a fim de alguma coisa, vamos lá, mas devagar que o santo é de barro; se não estiver, melhor ainda; serve de justificativa para o marasmo, falta de ousadia e engajamento. Muitos Conselhos Pastorais viraram comissão de finanças. Além de amortecer conflitos entre egos e pastorais, neles se discutem formas de arrecadar dinheiro para reformar a igreja, construir salas e salões – que ficam ociosos na maior parte do tempo; pagar os salários do pessoal, do padre (muitos deles meros funcionários da Santa Madre) e saldar contas. Por isso é mais urgente discutir galinhadas e bingos que estratégias de evangelização. Muitos leigos se sentem engajados na Igreja por venderem rifas e trabalham nas festas.
Estou longe de ser um bom católico apesar de amar muito a Igreja. Mas não estou contente. Pessoas pagam mercenários para “sentir” Deus em suas vidas; o mundo se mata em busca de luz e paz; jovens se enterram nos vícios à procura de um sentido para a vida; pobres cada vez mais distantes; políticos picaretas transformam a cidade num inferno e nossa Igreja – que se diz portadora da salvação – dormindo como os apóstolos no Getsêmani. Talvez Sodoma receba compaixão maior que nós no Dia do Juízo.
Fazer benemerência só prolonga a injustiça. Igreja é povo que tem proposta transformadora. Até as empresas buscam participação, horizontalidade e interação por ser a melhor estratégia, aliás, a mesma de Jesus. Os leigos não querem mais ser tratados como ‘leigos’. São poucos, mas querem opinar, planejar, executar e participar da alegria de anunciar o Reino. Além de seu direito é seu dever.
“Comunidade sem participação plena e verdadeira, não é comunidade”. (Renold Blank). E, digo, se não é comunidade Jesus não está nela.
Antônio Carlos Danelon é Assistente Social. totodanelon@ig.com.br
Valéria Pisauro
19 de janeiro de 2013
Esse belo texto fez-me lembrar das palavras do Pe. Antônio Vieira, no “Sermão da Sexagésima”. Ele critica ferozmente os pregadores que assim procedem, acusando-os de transformarem a Igreja num teatro e o sermão numa comédia e de buscarem a fama e o prestígio do mundo. Em sua condenação, chega a comparar os evangelizadores a médicos: se os médicos não se preocupam se o paciente gosta ou não do remédio, conquanto esse remédio cure-lhe os males do corpo e o salve da doença, também assim deve agir o pregador, que é um médico de almas. Ele não deve se preocupar com as convenções políticas e sociais, mas sim com o seguir fielmente a doutrina tal qual ela é. Vieira arremata este raciocínio mencionando uma situação ocorrida em Portugal, quando da discussão a respeito de quem, entre dois grandes pregadores da época, seria o melhor. Sem reproduzir os nomes (provavelmente sabidos pela plateia) Vieira afirma que a questão, cujos votos estavam empatados, fora definida pela seguinte declaração de um dos debatedores de maior autoridade:
“Entre dois sujeitos tão grandes não me atrevo a interpor juízo; só direi uma diferença, que sempre experimento: quando ouço um, saio do sermão muito contente do pregador; quando ouço outro, saio muito descontente de mim.“
Abraços.
Antonio Carlos
19 de janeiro de 2013
Valeu, Valéria! Você trouxe um Pe. Vieira que pega na veia. Muito bem lembrado. Luis, ‘assim você me mata’! Obrigado. Vou tentar fazer jus na vida e na palavra. Um honra para mim fazer parte dessa página que só tem enriquecido as mentes e transformado realidades.
blogdoamstalden
20 de janeiro de 2013
Linda lembrança, Valéria. Se Pe. Viera era atual naquela época, imagine hoje com a TV, a internet e os milhares de livros de auto ajuda. Ainda vou relatar uma situação interessante de um padre midiático.
Abs.