Cidade de Deus. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 26 de janeiro de 2013 por

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Esta é a edição que eu tenho. A primeira.

Esta é a edição que eu tenho. A primeira.

Na semana passada, postei um artigo na seção Estante no qual dizia que por melhor que fosse um filme, o livro que o dá origem sempre é superior. Também falei da necessidade de você buscar um livro que lhe interesse, que lhe cative para começar a gostar de ler. A resenha da semana contempla as duas coisas. Primeiro porque se trata de um livro que virou um filme famoso, e muita gente deixa de ler porque já viu o filme. Segundo porque é um livro que prende, é sério de linguagem informal ao mesmo tempo. Trata-se da obra “Cidade de Deus”, de Paulo Lins,  que foi às telas em 2004 pelas mãos de Fernando Meireles.

Paulo Lins nasceu no Rio em 1958 e ainda criança foi viver no conjunto habitacional de baixa renda “Cidade de Deus”. Lá ele viu a criminalidade pré existente, mas conheceu mais, conheceu o crescimento do tráfico de drogas e, no final dos anos setenta, a mudança radical do armamento do tráfico, incrementada pela renda das drogas mas também, curiosamente, pelos noticiários da TV que traziam imagens da Guerra das Malvinas.

Na década de oitenta, Lins já escrevia poemas e frequentava círculos mais intelectualizados no conjunto, inclusive um grupo de poesia e o COMOCID, Conselho de Moradores da Cidade de Deus. Ingressou na UFRJ, no curso de letras, e acabou trabalhando numa pesquisa da professora Alba Zaluar sobre a violência nas favelas. Para a pesquisa, além de usar o que já conhecia, passou a ter mais contato com todos os diferentes grupos do local, inclusive as rodas de samba, os criminosos, os religiosos etc. Por influência da professora, acabou por produzir poemas sobre a realidade da Cidade de Deus e, mais tarde, iniciou o projeto do livro que, como ele mesmo conta, levou muito tempo para ser concluído e foi abandonado mais de uma vez. Em 1997, com o apoio da Cia das Letras, publicou pela mesma editora a versão final. E valeu cada longo ano de trabalho.

Podemos ver o livro por diversos ângulos. Um deles é o histórico do crime, a evolução da organização dos criminosos e o aumento de sua violência. Outro ângulo é o do quotidiano da favela, a linguagem própria dos moradores, suas ideias e seu universo cultural. Outro ainda é o das explosões de violência que vão desde crimes passionais até as matanças do tráfico. Temos também o advento do consumismo e a descrição das diferentes “tribos” que compõem o mosaico do conjunto habitacional. Ao ler a obra, você pode desde focar o lado mais “policialesco” mais brutal do livro até focar o lado mais sociológico, mais antropológico que aparece o tempo todo sob uma linguagem informal e acessível.

Penso que a obra de Lins tem o mérito de satisfazer a maior parte dos interesses que nos levam a ler. Se você quer simplesmente uma história recheada de lances de violência e ação, ela está lá. Se quiser algo mais profundo e até poético, também está. Logo é algo que pode ser lido por todos, desde iniciantes na leitura até aqueles que já são mais experientes. Se você ainda não sabe que tipo de assunto é o melhor para começar a ler, mas curte filmes de ação e noticiários policiais, está aí um bom início. Se escolher este livro, vai acabar fazendo o mais importante, vai acabar migrando para leituras cada vez mais complexas. Até porque, neste caso, a complexidade está lá, ao lado da simplicidade violenta. Eu já o li três vezes, e a cada uma, vi um ângulo diferente. Isso pode acontecer com você também, além de, é claro, lhe dar diversão.

O filme é bom, mas não é, nem de longe, a mesma coisa. Parte da história foi modificada e a maioria das histórias paralelas foi simplesmente suprimida. O ruim do sucesso do filme (que, aliás, foi internacional) é que acabou modificando a edição do livro. Para agradar o mercado que não lê, mas gostou do filme, a editora lançou uma versão mais condensada da obra em 2004, com quatrocentas páginas contra seiscentas da versão original. Em 2007, para comemorar dez anos da primeira edição, a versão completa foi relançada. Você pode encontrar as duas no mercado, sendo que a condensada também está em edição de bolso. Mas eu recomendo a versão completa. Não tenha medo das seiscentas páginas. Se elas são boas, você terá mais tempo de prazer na leitura.

Cidade de Deus

Paulo Lins, Cia das Letras.

Posted in: Estante