
autor: Edu Pitoresco
Fonte: http://www.97news.com.br/noticias_abrir.php?ct=23&id=9262
Aconteceu num grande supermercado da cidade. Na fila ao meu lado, reservada aos clientes idosos, com deficiência, gestantes ou com crianças pequenas, um homem de minha idade esperava sua vez. Ao lado dele, na verdade em torno dele, brincando, uma garota de uns sete anos. A garota não era “de colo”, condição para a qual é reservado aquele caixa, mas atrás dele vários idosos aguardavam sua vez. Os idosos e clientes de outras filas, eu inclusive, lançavam olhares de desaprovação ao indivíduo com a menina, mas o homem, de dentro de suas bermudas e do alto de seus chinelos havaianas “da moda”, retornava os olhares com arrogância. No momento em que chegou sua vez, a operadora do caixa disse-lhe, para o contentamento de todos, que aquela fila não era para ele, e sim para pessoas em condições especiais.
O “cidadão” não se fez de rogado. Disse em altos brados que estava ali porque se fazia acompanhar da filha pequena, portanto aquela fila era a dele também. A operadora retrucou (com bastante educação, posso atestar) que a criança era já grande, não necessitando do colo do pai e, portanto, podendo esperar nas outras filas. Não houve acordo. O homem exigiu falar com o gerente. Um supervisor, atraído pelos gritos, veio ver o que acontecia. Diante do cliente alterado, disse a moça do caixa que o atendesse.
Isso tudo já foi bem ruim, mas o pior veio depois. Com um sorriso sarcástico no rosto, o homem ao sair do caixa, olhou para a moça (que estava bastante constrangida) e aos outros clientes, e disse em voz alta: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Sempre detestei esta frase, que considero de um misto de arrogância e resignação dos oprimidos ao mesmo tempo. Mas naquele momento, dito por aquele indivíduo, com aquela expressão, a frase causou-me uma grande irritação. Mais tarde, comentei com um colega o evento e ele respondeu que a atitude do indivíduo era errada, claro, mas também era uma reação às eternas filas, espera e ineficiência das coisas no Brasil. Na visão de meu colega, burlar as regras num país onde elas não privilegiam a população, é um recurso de sobrevivência que se forjou diante da sociedade de privilégios que a elite brasileira sempre cultivou.
Desta forma, não somente as filas, mas todos os demais jeitinhos e burlas das regras seriam compreensíveis no contexto de uma sociedade desigual. Penso que o raciocínio de meu colega está correto. Podemos entender o fenômeno do jeitinho e mesmo o da arrogância daquele sujeito desta maneira. Mas o resultado prático também pode ser compreendido pelo mesmo raciocínio. Ocorre que se nossa sociedade acaba por aceitar que, dado seu caráter elitista, somente o burlar das regras e o privilégio são eficientes, então a ideia do irregular, do ilegal ou do “acima da lei” passa a ser culturalmente aceita e legitimada. Exemplificando: o sujeito que conseguiu ser atendido na fila preferencial graças ao “uso” da companhia da criança (que não tinha idade para isso) saiu “feliz”, contente. Logo ele vai repetir o comportamento em outras oportunidades e situações, tais como na fila do banco, estacionando em local proibido, oferecendo um suborno etc. E vamos além. Aqueles que estavam por perto vão desanimar de seguir as regras e, talvez, na próxima vez, vão fazer o mesmo, vão burlá-las. Cria-se então uma situação de “aprendizagem” de que a “regra real” é a de se desrespeitar as regras formais. A criança que acompanhava o pai, naquele momento, teve exatamente esta lição e muito provavelmente vai repeti-la ao longo de sua vida.
O resultado, por sua vez, é duplo. Por um lado as regras formais são constantemente desrespeitadas, gerando uma situação em que aquele que as segue e é honesto, acaba penalizado, prejudicado. Por outro lado, a situação de privilégio se mantém indefinidamente, mantendo a sociedade injusta, ineficiente e elitista. E penso que o pior de tudo é que o ato de reclamar ou de clamar pela correção, acaba sendo esvaziado. Como alguém pode reclamar que as filas são “furadas” se ele próprio as “fura”? Transporte esta situação para todo o resto e você entende muito do Brasil. Como eu posso reclamar do trânsito que ninguém respeita, das leis quebradas, dos privilégios de muitos ao serem julgados, da corrupção e, no limite, do crime, se eu próprio, sempre que tenho a oportunidade, quebro as regras, sou “corrupto” ou dou um jeitinho de me safar de uma situação? Nós precisamos urgentemente de uma “revolução cultural”. Uma revolução de ética e cidadania. Se você concorda, proponho-lhe que faça esta revolução, que mude seu comportamento. Experimente ir aos poucos. Tente algo parecido com a técnica eficaz de algumas associações de combate ao vício em álcool. Só por hoje, tente não estacionar em local proibido, tente não pedir para o professor dar um jeitinho na nota do seu filho, tente não furar a fila, tente não recorrer daquela multa que você sabe que mereceu. Só por hoje, tente mudar o seu modo de pensar, e daí você terá direito de reclamar quando as coisas não funcionarem. E, quer saber? Acho que com o tempo você vai parar de reclamar porque elas vão funcionar.
Danilo Schmidt
31 de janeiro de 2013
Professor, concordo com cada palavra, cada vírgula e cada ponto.
Contudo, adiciono!
Não nos calemos perante a corrupção alheia!
Aproveitando o exemplo citado, aonde o gerente autorizou o atendimento do cliente (talvez por medo de ser prejudicado em seu emprego), as outras pessoas no mercado poderiam ter ido contra a decisão do mesmo. Os idosos na fila, até entendo. Pessoas vividas, cansadas da labuta do dia a dia e cansadas do descaso no funcionalismo público, que energia teriam para reclamar da atitude do “burlador” ou da decisão do gerente?
Por que, e no caso me desculpe professor, ninguém que viu a cena interrompeu e disse: “Eu discordo! A posição dele nesta fila não está coerente e não vou aceitar esta posição sua, Sr. Gerente.”
Eu gosto de pensar que as pessoas, dum modo geral, gostam de fazer o que é correto. Assim sendo, o Gerente teria o apoio de outro cliente para negar a passagem do corrupto pela fila preferencial. Isso também serviria de defesa, no caso de pessoas superiores ao gerente prejudicá-lo devido à atitude tomada, pois neste momento a “briga” deixaria de ser
Cliente – Mercado, e passaria a ser Cliente – Cliente, restando ao gerente apenas tomar a decisão de seguir o regulamento.
Ninfa Sampronha Barreiros
31 de janeiro de 2013
Amstalden, amei o seu texto, não vou escrever mais porque com certeza daria uma réplica e tréplica,rs. Quando eu ia pagar contas me deparei com diversas situações desse tipo, agora estou proibida de fazê-lo, pela minha filha. Isto porque ela me diz que o que faço é catequisar as pessoas e não ensinar a boa educação. Penso que faço o contrário. Só sei que quando era minha vez de ser atendida, o (a) caixa me diziam…”se 10% da população fosse como a Sra, a fila andava e eu não ficava estressada” e aí me dirigia para minha filha e dizia…”Ta vendo que é uma questão de ensinar e não catequisar”! Dá para eu escrever um livro… Mas, da sua descrição a começar do que se estava falando na TV, não sairia do Banco tão cedo,rsrsrs. Adoro uma prosa!
blogdoamstalden
31 de janeiro de 2013
Você tem razão, Danilo. Eu mesmo poderia ter interferido. No dia eu não o fiz por um motivo simples. Eu estava com raiva, com muita raiva do sujeito em questão. Estava com raiva de tudo o que o gesto dele significava e esta raiva, por sua vez, se transferia a ele enquanto indivíduo. Se eu tivesse interferido no dia, teria me alterado uma vez que ele também estava alterado. Isso teria sido muito ruim; teria sido péssimo para mim, para ele, para a criança que o acompanhava e para todos em volta. A melhor atitude teria sido abordar o gerente e dizer que, em protesto àquela atitude, eu deixaria a fila e minhas compras e ainda faria uma reclamação oficial. Na hora, no entanto, meu sangue quente não me permitiu ver isso. Mas não me arrependo exatamente porque depois eu pude pensar, clarear minha mente e chegar a conclusão do que seria melhor fazer. E pode apostar que o farei, tão logo outra oportunidade chegue. Não sei o que você acha, mas quanto mais velho eu fico, mais consciente me torno de que escolher como lutar é tão importante quanto lutar. Abraço e obrigado por ter comentado.
Danilo Schmidt
31 de janeiro de 2013
Mais uma vez, você tem a razão. Agir de cabeça quente costumar não trazer bons resultados. Abraço professor !
Amadeu Provenzano Filho
31 de janeiro de 2013
Amigo Amstalden: sem dúvidas, é isso mesmo pura falta de educação e respeito. Se você aceita e deixa prá lá, é omisso. Se reclama, é velho, é chato. A falta de respeito no mercado, começa pelo próprio mercado que permite as filas intermináveis, fazendo todo mundo esperar por tempo enorme. Certa feita no Carrefour, as filas lotadas, apenas um caixa para atender deficientes, grávidas, idosos, etc. precisei chegar à grosseria em defesa de todos ali, e dizia que quando o cliente passa a mecadoria no caixa ele não pechincha e paga o preço que o mercado cobra e, na cobrança, está incluso o custo do atendimento que cá prá nós, é dos piores nessa hora. E as pessoas passam a acreditar que é assim mesmo, tem que ter paciência. Naquele dia uma senhorinha que já estava cansada, ao me ver aos brados depois de mais de 28 minutos na fila, me pediu calma dizendo que quem não tem paciência não vai ao céu. E eu repeti a questão do custo do atendimento incluído no preço da mercadoria que ela estava levando dizendo que o mercado não faz favor algum em atender da melhor forma seus clientes, e completei: eu quero ir para o céu, mas quero ir com dignidade. A senhora não quer? Foi acontecer isso e os caixas começaram a abrir como efeito dominó. Num outro momento uma funcionária mesmo dizia que era orientação da casa manter as pessoas em filas longas porque elas vão se lembrando de pegar mais isso, mais aquilo.
Pena que nesta terra ainda seja necessário alguns terem que se manifestar de forma áspera, grosseira, agressiva, se passar por mal educado quando na verdade não é, para se fazer respeitar. Quando qualquer um deixa de lutar pelos seus direitos, se perde a dignidade e a dignidade é inegociável. Luto por uma situação clamando por justiça e que já me fez adoecer. Mas os desmandos vem de cima para baixo a partir de quem elabora as Leis, de quem tem o dever de fazê-las cumprir, e até mesmo do Ministério Público que pelo seu “Custus Legi” – obrigação de observar, fiscalizar e fazer cumprir ass Leis, não exige o cumprimento delas. Então fica muito fácil para os mal intencionados rirem na cara dos outros, como no caso relatado em seu claro texto. O Alexandre Garcia comentava que alguém sugeria que nosso país tivesse Leis mais severas. Discordava disso e completava: o Brasil precisa de uma só Lei com dois artigos: Artigo Primeiro: Todos estão obrigados a cumprir as Leis existentes. Artigo Segundo: Todas as autoridades estão obrigadas a fazer cumprir e obedecer as Leis – inclusive elas.
Batagello
31 de janeiro de 2013
Perfeito Luis, também concordo e já experimentei a mesma sensação muitas vezes mais do que gostaria. Pessoalmente, acho que no final das contas o pior é a sensação de impunidade. O dito cidadão pode fazer e desfazer e ainda sair prepotente e orgulhoso da bobagem que fez. A moral é, por uma lado, uma adesão pessoal às normas do bom convívio e, de outro, um sistema de coerção comunitário. Basta lembrar da parábola do anel de Gyges: o comportamento moral também depende do olhar do outros. Infelizmente, as pessoas sentem medo de questionar e repreender os infratores. Somos duplamente vitimados.
Adilson P. Roveran
31 de janeiro de 2013
Semelhante ao fato exposto, temos o cidadão que reclama da corrupção, mas trafega pelo acostamento da rodovia, sinaliza com luz alta para o veículo da frente que já está no limite de velocidade, utrapassa pela direita, atende celular ao volante, não sabe para que serve a seta ou anda pela contra-mão. O pior é que nunca é parado, multado ou advertido (ao menos isso).
Essa sensação de impunidade cresce a cada dia no país e pessoas que se recusam a fazer parte desse tipo de comportamento são taxadas de idiotas, otários, bobos, etc.
Daisy Costa
31 de janeiro de 2013
‘Nós precisamos urgentemente de uma “revolução cultural”. Uma revolução de ética e cidadania.’ – Perfeito, Luis Fernando Amstalden!!!
Carla Betta
31 de janeiro de 2013
Li um belo texto no face de uma amiga cujo assunto é o mesmo: respeito e educação, mas visto pelo outro lado da moeda. O autor (que não me recordo o nome) encantava-se com os gestos e atitudes simples de uma senhora e as crianças sob seus cuidados em oposição à algazarra de outras crianças. Gestos simples, cotidianos têm muito significado no roda-e-gira do mundo. Sei bem, Luis, o que é preferir nada fazer para não ter uma reação exagerada e nada educativa. A gente vai vivendo, vai aprendendo e tomando a consciência daquele rapaz da conhecida história que fez a diferença para as estrelas-do-mar que ele atirou de volta ao oceano. O que me recorda Madre Teresa de Calcutá: “Sou apenas uma gota no oceano, mas o mar seria menos sem mim”. Bela reflexão a sua!
Anônimo
31 de janeiro de 2013
Querido Fê
Penso que tão grave quanto burlar uma regra, foi a falta de humildade, de benevolência, de caridade com a pessoa que o estava atendendo. Ser educado com todos, sem ver posição social, é o mínimo que uma pessoa digna pode oferecer, em qualquer situação.
bjs
andregorga
6 de fevereiro de 2013
Faço compras num supermercado no Bairro São Dimas onde os clientes geralmente são bem educados. Existem caixas preferenciais para idosos, gestantes, pessoas com crianças de colo, etc, etc. Quem não corresponde ao perfil do caixa não deixa de ser atendido, mas os funcionários pedem licença para passar à frente as pessoas que se encaixam no perfil informado. Felizmente nunca vi acontecer uma baixaria como a deste imbecil citado. Penso que, num caso desses, o ideal seria que os outros indivíduos da fila fizessem pressão junto ao gerente, um “resmungo” coletivo para que o gerente se tocasse da atitude incorreta que estaria compactuando e para que este levasse em conta que os demais clientes são tão ou mais importantes que um indivíduo grosso e truculento que, ao que tudo indica, não deve ser frequentador assíduo do estabelecimento, pois se o fosse, não iria se indispor com funcionários que encontraria constantemente. Infelizmente, quando estou indignado não consigo me conter e isso ás vezes me traz algum risco. Se eu estivesse na fila ao lado e não tivesse como influenciar a resolução do gerente, penso que, depois de dita por esse tosco a frase “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, eu apontaria o dedo para ele e diria em voz alta para que todos num raio de uns 5 metros ouvissem: – “Mas a funcionária está certa… o senhor está errado!!”. Não sei se seria a melhor atitude, não sei se não sofreria uma agressão por parte do indivíduo, mas quem sabe a filha desse sujeito e outras pessoas presentes ao ouvir isso começassem a perceber que atitudes como essa não serão bem vistas quando reproduzidas.
Como dizia minha avó: “Na minha razão, tenho medo não”.
Adilson P. Roveran
8 de fevereiro de 2013
Concordo. Pior que um ato de ignorância e/ou violência é a apatia e complacência de quem não concorda com tais atitudes