O sociólogo Max Weber, afirma que uma das características da burocracia é a diluição da responsabilidade. Como as regras burocráticas criam uma série de exigências protocolares, o funcionário de um órgão público, por exemplo, não se sente responsável nem pelo resultado de suas ações e nem pelo fato da estrutura a que pertence ser absurda. Na verdade ele se “adapta” à rotina e ao fato de que dificilmente responderá pelos seus atos e pelos seus erros, uma vez que não se vê responsável por nada, mas apenas como parte de uma estrutura. Ele tampouco vê o ser humano a sua frente, mas apenas os documentos e procedimentos a cumprir. Weber escreveu sobre isso por volta de cem anos atrás, quando o INSS ainda não existia, mas ele sabia do que falava.
Tenho duas tias idosas, uma com 82 anos e a outra com 85. Ambas são solteiras, sem filhos e incapazes. A mais nova por demência senil, a mais velha por Alzheimer. Aposentadas, o que recebem é insuficiente para cobrir suas despesas e por isso contam com a ajuda da família. Por decisão de poucos familiares e omissão de muitos, acabei assumindo a curatela das duas. Isso significa que sou o responsável legal pelas duas, podendo responder civil e criminalmente por tudo que lhes diga respeito. Devido a doença, a mais velha está acamada e inconsciente. Alimenta-se por uma sonda no estômago e pesa menos de quarenta quilos. Desde julho de 2012 sua pensão está bloqueada, uma vez que a curatela não havia ainda sido deferida e, devido a isso, eu não poderia renovar seu cartão de benefício e muito menos retirar a pensão (que é de R$ 1.200,00). Enquanto a situação não foi regularizada, recebeu-se apenas a pensão da mais nova (R$ 680,00) e o restante das despesas, mais de cinco mil mensais, foi rateado entre alguns parentes. Claro que mesmo com a pensão bloqueada, o valor ainda não seria suficiente, mas diminuiria as despesas daqueles parentes que, as vezes com dificuldades, ajudam.
Consegui a curatela em 21 de novembro de 2012. No dia 22 pela manhã, estive na sede local do INSS para regularizar a situação. Lá fui informado que antes um funcionário teria que proceder uma perícia para constatar que minha tia mais velha estava viva. Começou aí o absurdo. Se a justiça me concedeu a curatela é porque ela está viva, tanto que um oficial de justiça já havia feito uma visita para constatar isso. Se ela estivesse morta a responsabilidade seria da juíza e, caso houvesse falecido neste meio tempo, minha, que teria que imediatamente comunicar seu falecimento. Assim não havia necessidade real de perícia. Mas a funcionária se apegou ao rito. Chegou a dizer que eu deveria ter levado antes os documentos que provavam o meu pedido de curatela. Absurdo isso, porque se eu tenho o documento final em mãos e ela não me atendeu, porque aceitaria o pedido do documento? Pedir a justiça a interdição de alguém qualquer um faz, mas ter o pedido concedido é outra coisa. Sem opção, perguntei quando seria a visita. Fui informado que o funcionário que as fazia (o único na cidade) estava de férias e voltaria na segunda seguinte (26/11/12). E ele foi, mas no dia 03/01/2013. Neste meio tempo, minha tia deu entrada no hospital três vezes. Seu estado é cada vez mais grave e, caso ela faleça, o processo para e a pensão fica novamente bloqueada.
Mas voltemos a visita. O funcionário perito (muito simpático) esteve na casa delas e queria que ela assinasse um documento! Bolas, em primeiro ela está inconsciente, em segundo, até onde entendo, eu assino agora qualquer coisa em nome dela! Novamente não houve jeito. Como Weber disse, o funcionário considera a regra imperativa, mesmo que ela se choque com outra (no caso a da justiça). Então, como fazer? Na frente de um primo e da cuidadora, o funcionário disse que poderia colher as impressões digitais dela, o que geralmente se faz com analfabetos. O que poderíamos fazer? Ele as colheu. Depois me disse que dali quinze dias o benefício estaria liberado.
Mas não estava. Fui ao banco cinco vezes e nada. Entrei em contato e recebi um email do mesmo funcionário, no dia 27 de janeiro de 2012, dizendo que havia ocorrido um “erro de digitação” e que agora o dinheiro estava disponível. Fui ao banco no dia 28 e de fato estava. Só que havia um problema. A curatela havia sido registrada como se fosse válida entre os dias 17 e 28 de AGOSTO DE 2012! Note o leitor que neste dia eu nem a curatela ainda tinha. No último dia 30 voltei ao INSS. Lá falei com a supervisora. Ela viu, pegou meus papéis, conversou com o perito e em cinco minutos trouxe um registro demonstrando que meu nome agora estava inserido como curador no sistema. Só que levaria até vinte dias para que isso fosse efetivado nos computadores. Até lá, não posso retirar o dinheiro. Perguntei o que havia acontecido e ela disse “não sei”. Perguntei o nome da primeira funcionária que me atendera e quem digitara errado, e novamente ouvi um “não sei”, mas desta vez acompanhado de um “tenha um bom dia”.
Desde então, tenho tentado registrar uma queixa na ouvidoria do INSS. Não consigo. O site tem formulários que não posso preencher porque desconheço os números e códigos que ele pede. Também não consigo ser atendido no número telefônico. Ou não atendem ou cai a ligação. São vinte dias para a regularização, me disseram, e a cada hora que se passa, minha tia pode morrer e o processo voltar ao zero. Se isso acontecer, teremos que manter a outra tia, a mais nova, sem este valor. Vai faltar dinheiro para pagar as cuidadoras e o restante das necessidades desta outra tia. Tento me acalmar lembrando que Weber já explicou o que acontece, já explicou que para os funcionários, não existe razoabilidade nem responsabilidade, tanto que a supervisora “não sabe o que aconteceu”. Que ele explicou que é sim algo absurdo e surreal. Tenho tentado ter “um bom dia”. Mas não estou conseguindo.
Celso Bisson
7 de fevereiro de 2013
alem do total despreparo, ignorância profissional dos funcionários (administrativamente, nada pessoal), pois a incompetência é dos superiores que não as preparam, começando pelo mais alto cargo cuja nomeação nada tem a ver com um mínimo de competência, e sim com aberrações políticas, observa que NEM AO MENOS SABEM OPERAR COMPUTADORES (se precisarem de ajuda minha neta de 6 anos está as ordens), pois demora 20 dias para inserir algo no sistema. triste e burocrata brasilzinho…
Valéria Pisauro
7 de fevereiro de 2013
Que absurdo! O pior…existe uma lei contra o desacatado ao funcionalismo público. Cuidado com o que diz, sorria e tenha um bom dia!
Antonio Camarda
7 de fevereiro de 2013
Cara Valéria, realmente é absurdo. A poucos anos passados fui à receita federal que era no predio…Dedine…. Assustou-me a quantidade de placas nos pilares , balcões , em em todo canto mencionado a tal lei do desacato ao funcionalismo.. Senti-me agredido, e notei que todas as pessoas que estavam sendo atendidas e mesmos as que estavam aguardando não estavam reclamando de nada, transmitiam paz e tranquilidade. Na hora pensei : sera que a reciproca é verdadeira? Ou seja , sera que existe uma lei equivalente para proteger o cidadão? Pensei que caso existisse seria interessante quando o cidadão honesto e pacífico, adentrar em um recinto deste , pendurar uma placa no pescoço alertando o funcionário que por lei tem que tratar bem o cidadão,. Mas devido outras prioridades não procurei investigar com quem entende de leis.. Qualquer dia por curiosidade irei ao novo prédio ou palácio da receita para conferir se tal complexo de superioridade e arrogância em relação ao contribuinte ainda existe.
Antonio Camarda
7 de fevereiro de 2013
É um desafio e tanto lidar com a burocracia, enfrentar funcionários mal preparados, e as vezes tratando mal o público. Passei por esse tipo de experiencia não apenas uma vez. Aluguei meu imóvel a uma empresa e tive muitas dores de cabeça para receber, fiquei meses sem receber…….bem , sem entrar em detalhes, precisei da casa para meu filho., e a tal empresa saiu pois encontrou ponto melhor., deixando anos de atraso do iptu , por conivência com uma imobiliária….bem fui à prefeitura,no setor de , dívida ativa…para parcelar e acertar a dívida, que as estas alturas ja estava na justiça, com todas as complicações. Não posso generalizar pois fui muito bem tratado pelos funcionários que atenderam-me, e fui tantas vezes que até quase que éra conhecido e durante o trabalho destes eu procura puxar assunto sobre futebol, acontecimentos na cidade, pescaria etc…enquanto eles trabalhavam. Este era o lado bom.e elogiável. Dai virou um INFERNO : passaram-me a uma funcionária que ficava no celular falando e sorrindo por muito tempo…não sei se namorado..não vai ao caso. Desde o 1º atendimento, tentei ser educado como estava acostumado com os demais , mas não adiantou, éla simplesmente disse :tá tudo errado precisa ir no 2° andar., tirar vias , deu o nome dos papéis pedi explicação mas ela nem sequer respondeu, ..dai, no 2º devolviam para o 1º….. Bem dai o sofrimento virou rotina pois só ela tratava do assunto.Uma das vezes presenciei uma cena desagradável: eu estava com ficha de idoso, e depois de bom tempo ( éla sempre no celular ou maquiagem)chamou-me…depois de atendido voltei ao meu lugar arrumando a papelada na pasta… e tinha um homem , não idoso que disse estar ali a muito tempo e não era chamado….sai passei devagar em frente ao guichê e ouvi outra funcionária comentando com ela: nossa, fulana aquele homem de camisa vermelha faz tanto tempo que esta esperando , voce esqueceu de atende-lo? ela respondeu: não, simplesmente não fui com a cara dele Voltei la outras vezes e ela só complicava e enrolava, até que um dia voltei e informaram no térreo que continuava com ela mas no 2º andar ( se não me falha a memória). Naquele dia já subi irritado , disposto a tudo para resolver tal problema, quando notei um senhor discutindo com ela, em voz alta e alterada , até que ele deu um murro no balcão e disse : quero falar com o chefe ou responsável pelo setor. Surgiu uma senhora dizendo que era advogada e responsável pelo setor….O senhor explicou e mostrou a papelada cuja moça , tinha solicitado diversas vezes para ele ir em cartórios etc etc.. A tal advogada rolou a tela do computador e ficou pálida e perplexa e disse para a funcionária : Fulana este snr não precisava ter feito nada disso esta tudo certo desde a 1ª vez que ele esteve aqui. Voce não percebeu o erro de preenchimento.? Ela encarou a “chefa” e disse em tom de desprezo , claro que percebi. A chefa: então porque você não corrigiu? A funcionária : porque o funcionário anterior fez errado…continuei fazendo. ( Se fosse na iniciativa privada tal funcionária levaria um “pé no traseiro” na hora sem direito a nada e com testemunhas)….Dai pensei que o senhor que durante a conversa disse ser contador do “clube coronel barbosa, no centro”, tivesse um ataque cardíaco pois ficou furioso, vermelho juntou rapidamente os papéis e a Chefa : espere …vamos resolver…e ele: não quem vai resolver é um advogado….bem a chefa disse que que estava saindo pra almoçar, ainda falei com ela do meu caso .. e tal moça…mas ela passou o caso para outra funcionária . Tudo foi resolvido, eu não precisava ter perdido todo aquele tempo e passado por tanta irritação e preocupação.. Depois de alguns meses voltei la nem lembro-me para que , talvês para concluir o processo e tive a infelicidade de ve-la …trabalhando…ou melhor complicando. Pensei que teria sido demitida diante dos fatos, e do desrespeito com a chefa . Mais ai ficou comprovado o maldito CORPORATIVISMO, e não adianta reclamar.. E muitas vezes uma laranja podre acaba contaminando…….
Antonio Carlos Danelon
8 de fevereiro de 2013
Tem gente que estuda pra caramba e acaba passando em concurso público não para servir ao seu semelhante, uma das coisas mais nobres do ser humano, mas para ter estabilidade de emprego e amarrar o burro na sombra. Luis você já procurou a Defensoria Pública?
blogdoamstalden
16 de fevereiro de 2013
Ainda não procurei, Totó, porque espero o prazo burocrático dado por eles. Só que estou realmente com falta de sorte. Agora não consigo saber se a curatela está registrada porque a greve dos vigilantes me impede de entrar no banco….
Fernando
9 de fevereiro de 2013
Em muitos assuntos sobre burocracia lembro me do filme “os doze trabalhos de Asterix” que vi ainda criança. Trata-se de um filme para crianças, mas que mostra bem, em uma parte do mesmo, a estrutura burocrática de um determinado setor público. Extremamente esclarecedor ao mesmo tempo simples. Recomendo.
blogdoamstalden
16 de fevereiro de 2013
Obrigado pela dica, Fernado. Abs.
Thais
9 de março de 2013
Em primeiro lugar nao concordo com Weber, a burocracia ate um certo ponto é necessária, dependendo do país que vive rodeado de fraudadores e pessoas de menos escrupulos, onde um certo numero de ” documentos ou papeis ” irao dificultar a vida de alguns desses individuos. Sou servidor publico de um orgao importante do governo federal e me sinto muito capaz de exercer minhas atividades e dou suporte acima da media aos meus comandados, realizei um concurso publico concorrido, passei por treinamentos e cursos. Não podemos generalizar em falar dos servicos publicos, lembremos que servicos privados (telefonia, enregia eletrica) temos inumeras reclaramações e nem por isso chamamos de incompetentes quem ali exercem suas atividades. NO caso em tela (idosa que nao recebeu seu beneficio, visto que a curatela não tinha saido), lembro que a Lei 8212 e o Decreto 3048/99 permite que apenas com o pedido da curatela (apenas o pedido judicial), nao sendo necessario num primeiro momento a curatela definitiva e nem a provisoria, apenas o pedido judicial por si só é comprovante necessario para o cadastramento da curatela, assim, não o impedindo de receber os proventos da sua representada. A propria lei, não permite o pagamento retroativo, caso essa representação legal tenha sido feito meses depois, onde ja havia gerado credito. Temos que ter em mente que a Lei foi feita nçao pelos orgaos publicos e sim pelo Legislativo. Temos que saber cobrar de quem é de direito
blogdoamstalden
10 de março de 2013
Thais, obrigado por comentar. O objetivo deste blog é incentivar a reflexão e “duvidar” como eu afirmo usando a frase de Descartes “duvido, logo penso”. Sua refutação ao texto é, então, bem vinda. Mas vamos a suas críticas. Em primeiro lugar a teoria de Weber é uma análise muito séria e respeitada nas Ciências Sociais. Claro que você não pode ter noção dela só pelo meu comentário curto, mas não se trata de concordar ou não com ele, até porque ele afirma que não é possível gerenciar o Estado moderno sem burocracia, que é uma forma de racionalização. Por outro lado, ele é, na sua lucidez, capaz de detectar os desvios da burocracia, e a impessoalidade, a difusão da responsabilidade e a proteção corporativista são apontadas por ele no seu estudo, que tem a aceitação mundial da ciência. Em segundo lugar, ao criticar o INSS não fiz nenhuma apologia a serviços privados, até porque não tem sentido em se tratando de previdência social. Logo não entendi seu comentário a respeito da telefonia e etc. E, desculpe-me, mas eu já disse que funcionários de empresas privadas são incompententes sim, inúmeras vezes. Disse a eles e a seus chefes, pessoalmente, por email e por telefone. E fiz quando eles mereceram o adjetivo, tanto que nunca fui questionado por isso.
Em terceiro, o que você chama de generalizar é uma forma de classificar e entender um fenômeno. Se os serviços do INSS e de muitos outros órgãos públicos são ruins, e isso pode ser detectado por inúmeros estudos, ações cíveis e mesmo reclamações dos usuários, então temos um fenômeno social sim, generalizado sim. Claro que existem exceções, como você, por exemplo, que afirma fazer um bom serviço. Mas isso a torna exceção e não regra. Tanto que, pelo menos em minha cidade, o INSS é o ÚNICO órgão público não policial que tem detector de metais na sua porta. Aliás, só a PF também o tem aqui. Então eu pergunto, porque este aparelho se o órgão funciona bem e seus funcionários são bem preparados? Por que a população estaria tão insatisfeita que poderia entrar lá armada? Você argumenta que é pelas leis ineficientes que o serviço é ruim, logo a insatisfação popular deveria ser atribuída ao legislativo. Concordo que na maioria da vezes nossas leis criam mais problemas do que resolvem, mas tendo vivido a experiência de ir tantas vezes a agência do INSS, eu acredito que não é bem isso. Há sim um descaso para com os cidadãos, uma falta de conhecimento sobre a rotina e pior, uma total falta de interesse em instruir quem está a sua frente. Eu presenciei isso várias vezes lá. Obrigado por me falar desta lei. Engraçado que NINGUÉM lá o fez antes, só o fizeram DEPOIS que a curatela havia sido concedida e que a liberação do benefício teria que ser ratificada por uma vistoria. O engraçado e trágico é que esta vistoria, além de atrasar por dois meses, passou por cima do Judiciário, uma vez que o documento da juíza era o reconhecimento de que minha tia estava e está viva. Caso isso não fosse verdade a responsabilidade seria minha perante a juíza, não do INSS. Por último, penso que alguma coisa do texto lhe escapou. Os atrasos foram atribuídos a um “erro de digitação” ou a um “não sei o que aconteceu nem quem é o responsável” (frase dita pela supervisora e que é clássica em Weber) e não à lei que você cita. Não, Thais, tudo o que foi dito foi uma manobra corporativa para que os funcionários se isentassem de responsabilidade. Não teve nada com a lei. Tanto que o benefício foi liberado e COM os retroativos.
Espero que você continue fazendo bem seu trabalho, inclusive orientando seus subordinados. Isso ajuda muito.
Luis Fernando Amstalden
PS: pelo lado mais humano e menos burocrático, comunico a quem se interessar, que minha tia continua viva… Obrigado.