Weber e o INSS. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 7 de fevereiro de 2013 por

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O sociólogo Max Weber, afirma que uma das características da burocracia é a diluição da responsabilidade. Como as regras burocráticas criam uma série de exigências protocolares, o funcionário de um órgão público, por exemplo,  não se sente responsável nem pelo resultado de suas ações e nem pelo fato da estrutura a que pertence ser absurda. Na verdade ele se “adapta” à rotina e ao fato de que dificilmente responderá pelos seus atos e pelos seus erros, uma vez que não se vê responsável por nada, mas apenas como parte de uma estrutura. Ele tampouco vê o ser humano a sua frente, mas apenas os documentos e procedimentos a cumprir. Weber escreveu sobre isso por volta de cem anos atrás, quando o INSS ainda não existia, mas ele sabia do que falava.

Tenho duas tias idosas, uma com 82 anos e a outra com 85. Ambas são solteiras, sem filhos e incapazes. A mais nova por demência senil, a mais velha por Alzheimer. Aposentadas, o que recebem é insuficiente para cobrir suas despesas e por isso contam com a ajuda da família. Por decisão de poucos familiares e omissão de muitos, acabei assumindo a curatela das duas. Isso significa que sou o responsável legal pelas duas, podendo responder civil e criminalmente por tudo que lhes diga respeito. Devido a doença, a mais velha está acamada e inconsciente. Alimenta-se por uma sonda no estômago e pesa menos de quarenta quilos. Desde julho de 2012 sua pensão está bloqueada, uma vez que a curatela não havia ainda sido deferida e, devido a isso, eu não poderia renovar seu cartão de benefício e muito menos retirar a pensão (que é de R$ 1.200,00). Enquanto a situação não foi regularizada, recebeu-se apenas a pensão da mais nova (R$ 680,00) e o restante das despesas, mais de cinco mil mensais, foi rateado entre alguns parentes. Claro que mesmo com a pensão bloqueada, o valor ainda não seria suficiente, mas diminuiria as despesas daqueles parentes que, as vezes com dificuldades, ajudam.

Consegui a curatela em 21 de novembro de 2012. No dia 22 pela manhã, estive na sede local do INSS para regularizar a situação. Lá fui informado que antes um funcionário teria que proceder uma perícia para constatar que minha tia mais velha estava viva. Começou aí o absurdo. Se a justiça me concedeu a curatela é porque ela está viva, tanto que um oficial de justiça já havia feito uma visita para constatar isso. Se ela estivesse morta a responsabilidade seria da juíza e, caso houvesse falecido neste meio tempo, minha, que teria que imediatamente comunicar seu falecimento. Assim não havia necessidade real de perícia. Mas a funcionária se apegou ao rito. Chegou a dizer que eu deveria ter levado antes os documentos que provavam o meu pedido de curatela. Absurdo isso, porque se eu tenho o documento final em mãos e ela não me atendeu, porque aceitaria o pedido do documento? Pedir a justiça a interdição de alguém qualquer um faz, mas ter o pedido concedido é outra coisa. Sem opção, perguntei quando seria a visita. Fui informado que o funcionário que as fazia (o único na cidade) estava de férias e voltaria na segunda seguinte (26/11/12). E ele foi, mas no dia 03/01/2013. Neste meio tempo, minha tia deu entrada no hospital três vezes. Seu estado é cada vez mais grave e, caso ela faleça, o processo para e a pensão fica novamente bloqueada.

Mas voltemos a visita. O funcionário perito (muito simpático) esteve na casa delas e queria que ela assinasse um documento! Bolas, em primeiro ela está inconsciente, em segundo, até onde entendo, eu assino agora qualquer coisa em nome dela! Novamente não houve jeito. Como Weber disse, o funcionário considera a regra imperativa, mesmo que ela se choque com outra (no caso a da justiça). Então, como fazer? Na frente de um primo e da cuidadora, o funcionário disse que poderia colher as impressões digitais dela, o que geralmente se faz com analfabetos. O que poderíamos fazer? Ele as colheu. Depois me disse que dali quinze dias o benefício estaria liberado.

Mas não estava. Fui ao banco cinco vezes e nada. Entrei em contato e recebi um email do mesmo funcionário, no dia 27 de janeiro de 2012, dizendo que havia ocorrido um “erro de digitação” e que agora o dinheiro estava disponível. Fui ao banco no dia 28 e de fato estava. Só que havia um problema. A curatela havia sido registrada como se fosse válida entre os dias 17 e 28 de AGOSTO DE 2012! Note o leitor que neste dia eu nem a curatela ainda tinha. No último dia 30 voltei ao INSS. Lá falei com a supervisora. Ela viu, pegou meus papéis, conversou com o perito e em cinco minutos trouxe um registro demonstrando que meu nome agora estava inserido como curador no sistema. Só que levaria até vinte dias para que isso fosse efetivado nos computadores. Até lá, não posso retirar o dinheiro. Perguntei o que havia acontecido e ela disse “não sei”. Perguntei o nome da primeira funcionária que me atendera e quem digitara errado, e novamente ouvi um “não sei”, mas desta vez acompanhado de um “tenha um bom dia”.

Desde então, tenho tentado registrar uma queixa na ouvidoria do INSS. Não consigo. O site tem formulários que não posso preencher porque desconheço os números e códigos que ele pede. Também não consigo ser atendido no número telefônico. Ou não atendem ou cai a ligação. São vinte dias para a regularização, me disseram, e a cada hora que se passa, minha tia pode morrer e o processo voltar ao zero. Se isso acontecer, teremos que manter a outra tia, a mais nova, sem este valor. Vai faltar dinheiro para pagar as cuidadoras e o restante das necessidades desta outra tia. Tento me acalmar lembrando que Weber já explicou o que acontece, já explicou que para os funcionários, não existe razoabilidade nem responsabilidade, tanto que a supervisora “não sabe o que aconteceu”. Que ele explicou que é sim algo absurdo e surreal. Tenho tentado ter “um bom dia”. Mas não estou conseguindo.

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