Brasileiros Longe de Casa. Quando a Neve Cai, por Hannah Verheul. Apresentação Luis Fernando Amstalden

Posted on 5 de março de 2013 por

2



Quando somos crianças, as coisas ao nosso redor tem outra magia. Uma casa, uma árvore, um quintal, todos são mais interessantes do que quando somos adultos. E não é só isso. Também as pessoas, seus hábitos, sua fala e ainda os sons, os cheiros e os sabores nos despertam mais atenção. Tudo é mais intenso na infância. Isso se deve, penso eu, ao fato de que, enquanto crianças e, portanto, “novos neste mundo” ainda estamos muito atentos ao que se passa à nossa volta. O tempo passa e nos acostumamos à paisagem, ao nosso meio, a nossa cidade. Na verdade, ocupados demais com outros pensamentos, acabamos por nos tornar desatentos, focados demais no quotidiano para ver até mesmo a beleza de uma construção nova ou antiga perto de nós.

No momento em que nos tornamos estrangeiros em algum lugar, experimentamos um pequeno retorno à infância. Nossos olhos, ouvidos, nariz e boca, além de nossas mãos e pés, experimentam o novo, o diferente, quase da mesma forma e com a mesma intensidade que uma criança experimentava sua própria casa, sua própria vida. Da mesma maneira, temos que “aprender” de novo, desde aprender a estar e nos orientarmos em lugares, até a conviver com outras pessoas, experimentar climas diferentes e ainda degustar novos sabores e sentir novos cheiros. As vezes não é uma experiência tão agradável, dependendo da situação em que estamos naquele novo local. As vezes é maravilhoso. Mas seja melhor o pior, é sempre uma experiência impar que nos traz o crescimento. E traz um crescimento tanto maior quanto maior for nossa abertura a ele. Vá a um local diferente, até a uma cidade vizinha, de má vontade e pré-decidido a não gostar, que tudo o que você viver será ruim. Vá de espírito aberto e tudo será bom, mesmo que você esteja lá a trabalho ou numa situação não tão agradável quanto gostaria. O novo lugar é sempre um mundo novo, como aquele que você conheceu quando criança, e é, portanto, uma oportunidade de você exercitar e vivenciar outra vez a sensibilidade infantil.

Mas tenho também a firme convicção de que precisamos compartilhar as nossas experiências, tanto aquelas no exterior quanto aquelas em outros lugares do nosso próprio país. Aliás, tenho a convicção de que devemos compartilhar o máximo de experiências possíveis, afinal isto é o que nos torna humanos, nossa capacidade de expressar e registrar, perpetuar o que vivemos, pensamos e sentimos.

É por isso que lanço, hoje, uma nova seção no Blog: Brasileiros Longe de Casa. O nome é uma homenagem a minha ex-professora, Dra. Teresa Sales, que pesquisou a vida de brasileiros nos EUA e publicou um livro com este nome. De qualquer modo, a seção é um espaço para que aqueles que vivem longe do Brasil ou estão ou estiveram no exterior, compartilharem conosco suas vivências. Podem ser impressões do país, das pessoas, da comida, críticas, análises, dicas, casos curiosos, enfim, tudo aquilo que você viveu e lhe marcou. E não precisa ser escrito somente por brasileiros no exterior. Se você é de uma região e está em outra, vive em outra, pode também compartilhar o que viveu aqui. O importante é que você sinta prazer em contar o que viveu. Se este prazer estiver presente, pode apostar que ele se manifestará também em quem ler seu texto. E do prazer de ler e aprender é que vem o crescimento. Quem sabe seu texto faça o leitor tornar-se também, de novo e em parte, uma “criança” fascinada pelo novo.

Tente, escreva e envie para mim que será publicado com os devidos créditos.

Para iniciar esta sessão com “chave de ouro”, um texto de minha amiga Hannah Verheul, que apesar do nome “gringo” é brasileiríssima, de João Pessoa, embora viva na Inglaterra ha muito tempo com seu marido e sua filhinha. Hannah sempre foi uma pessoa muito inteligente e sensível e sua experiência em viver longe de casa não é nova. Fez seu mestrado e seu doutorado em Piracicaba, onde nos conhecemos, viajou para pesquisar na Europa antes de lá viver. Neste texto ela demonstra sua sensibilidade ao falar sobre a vida na Inglaterra a partir do contraste entre o sol do Brasil e a neve londrina, que é um tanto mais rara do que o sol aqui. Eu gostei demais. A neve e a introspecção, o aconchego, são imagens maravilhosas. Espero que vocês gostem tanto quanto eu gostei.

Abraços.

Amstalden

Quando a neve cai…

O calor nesse verão está terrível! Não sei se é porque há anos que não fico em janeiro no Brasil e já tinha esquecido o que é o verão nordestino de João Pessoa! A verdade é que ao falar com meu marido pelo Skype e ver a janela de nossa casa coberta de neve, bateu aquela saudade de principiante!
Nunca esquecerei minha primeira nevada, subindo de carro os Alpes suíços com minha querida amiga Ana Gondim nos anos 90 e avistar os telhados prateados brilhando ao sol, a neve outonal transformada em gelo derretido. Foi um momento único com direito a chalé alpino, lenhador cortando madeira para a lareira e o imenso branco ao meu redor! Daí por diante aprendi a amar a neve e hoje, senti uma saudade enorme desse ar condicionado público central que é a Inglaterra no inverno!
A Inglaterra não é um país de neve abundante, portanto quando há indícios de neve os noticiários ingleses, nos dão um “passo a passo” do que está acontecendo na casa de São Pedro! Junto com a neve vem o silêncio que nenhum latino brasileiro é capaz de imaginar que pode existir… É um silencio pessoal compartilhado. O silencio da neve é um estado de espírito. Multidões de pessoas caminham calmamente nas ruas para pegar os trens (que geralmente nessa época se atrasam), deixando seus carros nos “parkings”. Seguem em filas para pegar os ônibus e metrôs e trens e não falam. Discretamente compram o “white tea” nas estações e o jornal diário para ler no caminho ao trabalho. Caminham cuidadosamente, calmamente sobre a neve limpa e recém-caída. O barulho da neve fresca caindo no chão é um barulho silencioso, calmo e lindo que deixa qualquer ser humano em estado de graça…
A neve inglesa ainda é um acontecimento social e enchem os parques de risos e gargalhadas com crianças, adolescentes, adultos, e idosos se arriscando. Carregam debaixo do braço os trenós de madeiras (que passam de uma geração para outra) ou os “snowboarding” de plástico, modernos e coloridos que fazem a festa da família e dos comerciantes! Pasmem, os trens urbanos e interestaduais, param com 2 centímetros de neve, os “tubs” ainda param com a neve acumulada, as escolas fecham com qualquer 5 cm de neve e as casas se enchem de crianças, maridos, namorados e amantes felizes por poderem curtir a neve!!!
Após passar horas sobre a neve fresca destruindo o lindo visual divino com jogos típicos de guerra de neve, desvirginarem o gramado público com tanto vai e vem de trenós, corridas, formação de anjos no solo, bolas de neve gigantescas sendo empurradas ruas abaixo dando origem aos bonecos de neve (vestidos por cachecóis e luvas perdidas e galhos secos espetados como braços e ainda a tradicional cenoura), os ingleses voltam para casa! Deixam para trás um campo de guerra! A neve preta derretida, suja pelos pneus dos carros que contaminam as Wellington boots ou simplesmente “wellis” nos faz pedir aos céus que neve de novo, para que a ordem e a beleza sejam reinstaladas!
A família e amigos invadem o lar, loucos por um chocolate quente, ou simplesmente o tradicional “tea”. As luvas, gorros, casacos e calças são pendurados nos aquecedores e a busca por locais quentes e aconchegantes na casa é a primeira opção! As botas, claro, que ficam do lado de fora da casa, são substituídas pelas pantufas, pés descalços ou uma meinha enxutinha faz os pés relaxarem! Biscoitos de gengibre (ginger man), biscoitos doces, torradas quentinhas e saindo propositalmente queimadas das tostadeiras, são besuntadas espetacularmente com manteiga e geleias (morango, marmelada, framboesa e mirtilo são as favoritas), tortas de geleia saindo do forno ou simplesmente muffins, são acompanhadas do tradicional chá, provavelmente as marcas PG Tips, Tetley ou Twining, serão as escolhidas.
Na nossa imaginação cinematográfica, os ingleses têm sempre aqueles chás das 5 tradicional com louça inglesa do séc. XVIII, mas o inglês típico no dia a dia não usa mais o pote de chá. Usa chá de saquinhos e prepara uma a uma, a caneca de chá individual (tea mug). O chá será sempre, White (tradicionalmente adiciona-se o leite primeiro na chávena que o chá) ou Black. O açúcar de beterraba será em grãos ou em cubos, branco ou mascavo. Um porta saquinhos de chá (pratinho minúsculo em forma de bule) é usado para o descarte do saquinho usado. Um charme!
Sinto falta da Inglaterra, da sua neve no inverno, do seu silêncio, da educação superficial do povo: ”Yes, please!”; “No, thank you!”; “Sorry!” até mesmo quando ele está errado! Sinto falta das tea mugs que servem também para aquecer as mãos rígidas e vermelhas do gelo oriundo da neve. Sinto falta da corrupção controlada, da não obrigatoriedade do voto, da igreja submissa ao estado, do estado laico, das crianças nas escolas e sem pedintes no meio das ruas, da medicação de graça até os 12 anos de idade, das escolas públicas de graça e das universidades pagas, do “commitement” do estado com a saúde e educação do povo, do trabalho voluntário para melhoria da sociedade, da comida simples e dos hábitos simples, da monarquia e suas fofocas no The Sun, dos programas culinários dos grandes chefes na TV, da sociedade de muro alto e da neve que cai silenciosa, deixando você com uma saudade enorme do verão no Brasil!

Hannah Verheul
Mãe e esposa, Dentista e Higienista Bucal, especialista em Endodontia, Profa. de Patologia Bucal do CCS-DCOS-UFPB, Ph D e MS em Patologia Bucal, Pós-doc. em Microbiologia e Biologia Celular no UCL Eastman Dental Institute – University College London, e residente do Reino Unido desde 2001.