O Professor e o Trabalho. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 2 de maio de 2013 por

6



Já faz muito tempo eu estava em frente ao mercado municipal na barbearia em que trabalhavam três profissionais, inclusive o Sr. Olavo (o Testinha) que é meu barbeiro até hoje (muito embora haja cada vez menos cabelo a cortar…). Bem, acontece que corria uma greve dos professores naquela época. Um homem entrou na barbearia e sentou-se na cadeira da ponta, sendo atendido por outro dos barbeiros. Ali pelas “tantas”, o novo freguês, que era comerciante e conhecido dos barbeiros, começou a conversar com quem lhe atendia e falavam da greve. O comerciante finalizou o assunto dizendo: “greve dos professores… e professor lá trabalha?”. Vou lhes dizer, perdi imediatamente a calma. Respondi que, a julgar pelo comentário dele, os professores que o ensinaram provavelmente não trabalharam, ou trabalharam mal. Foi bem complicado. Quase chegamos a vias de fato. Só não o fizemos porque os barbeiros, acertadamente, impediram.

Eu sei que deveria ter agido de maneira diferente, deveria ter argumentado, mas não consegui. E não é somente porque sou professor que tive aquela reação. Aliás, eu nem estava em greve, já que lecionava no ensino privado e a greve era dos professores do Estado. Mas minha irritação veio porque sei, até por ter sido aluno de grandes profissionais, o quanto é difícil ser docente. Cada classe é um universo diferente, cada aluno é um mundo diferente. Mesmo que alguém ministre a mesma aula para muitas turmas distintas, tem que ser criativo, saber mudar sua abordagem e entender e interagir com cada classe, logo, cada aula é diferente da outra. E isso significa muito trabalho. Cada prova, cada avaliação, deve ser pensada, estudada antes pelo professor, depois a correção  deve ser atenta, criteriosa, e fazer e corrigir tantas provas, principalmente as dissertativas, dá trabalho, muito trabalho. Eu deveria ter pelo menos tentado dizer isso àquele indivíduo. Não sei se ele iria entender, mas se eu tivesse tentado teria sido efetivamente um professor.

Este fato aconteceu a pelo menos dezoito anos. Agora uma nova greve de professores acontece. Infelizmente, uma greve que não tem adesão plena. E isso me deixa pensativo. Porque a adesão não é total? Porque tantos docentes continuam trabalhando? Pode ser porque eles acreditam que estão ganhando bem, suficiente para seu trabalho? Talvez seja. Talvez eles acreditem que o que fazem é bem pago. Eu penso que se lecionasse no Estado, estaria em greve agora, mas isso é minha análise. O que me deixa preocupado é o fato de que talvez estes mesmos docentes que não pararam, não o tenham feito porque não se valorizam o suficiente. Temo que a mentalidade de desvalorização dos professores, como a daquele freguês da barbearia, tenha se tornado tão comum que até  os profissionais do ensino não acreditem que devam receber mais e talvez mesmo achem  que seu trabalho não seja importante.

Eu sei que a idéia parece estranha, mas pense bem, se eu realmente acredito que minha função é importante e se a faço corretamente, então devo ser o primeiro a valorizá-la e a exigir a sua valorização pelos demais. E isso passa também pelo salário, por exigir um pagamento digno que me dê condições de continuar a exercer minha função plenamente, sustentar sua família e até continuar a me aprimorar. Os professores públicos têm estas condições? Eu tenho minhas dúvidas. Segundo uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, no último dia quatro de Abril, o valor médio da hora aula de um professor em São Paulo é de nove reais. Um livro custa por volta de quarenta reais, quase cinco horas aula de um professor na média. Será que com este salário ele consegue pagar suas despesas, sustentar sua família e ainda comprar livros para continuar a se aperfeiçoar?

A mesma reportagem chamava a atenção para dois outros fenômenos. A carência de professores porque muitos desistem da carreira e as constantes faltas e licenças médicas dos docentes da rede pública. Neste ponto, talvez aquele infeliz comerciante que citei no início do artigo tenha sido profético. Mal pagos, desvalorizados pela sociedade, pelo governo e por si mesmos, talvez muitos professores simplesmente “reajam” de outra forma, reajam com o “não trabalho”. Alguns abandonam a profissão, outros nem a procuram e outros ainda talvez utilizem de meios legais para faltarem ou se licenciarem constantemente, numa manobra comodista de quem não valoriza seu trabalho e nem a si mesmo.

Neste dia do Trabalho, finalizo dizendo aos professores que não entraram em greve e de quebra a todos os trabalhadores, que o respeito começa pelo respeito próprio e que sem luta, sem mobilização, nada se consegue. Se você, seja qual for seu trabalho, o faz bem, respeite-se e exija o mesmo daqueles que o empregam. Afinal, sem o seu trabalho não existe riqueza para ninguém. E sem o trabalho do professor, não existirá futuro para nossa sociedade.

Posted in: Artigos