Já faz muito tempo eu estava em frente ao mercado municipal na barbearia em que trabalhavam três profissionais, inclusive o Sr. Olavo (o Testinha) que é meu barbeiro até hoje (muito embora haja cada vez menos cabelo a cortar…). Bem, acontece que corria uma greve dos professores naquela época. Um homem entrou na barbearia e sentou-se na cadeira da ponta, sendo atendido por outro dos barbeiros. Ali pelas “tantas”, o novo freguês, que era comerciante e conhecido dos barbeiros, começou a conversar com quem lhe atendia e falavam da greve. O comerciante finalizou o assunto dizendo: “greve dos professores… e professor lá trabalha?”. Vou lhes dizer, perdi imediatamente a calma. Respondi que, a julgar pelo comentário dele, os professores que o ensinaram provavelmente não trabalharam, ou trabalharam mal. Foi bem complicado. Quase chegamos a vias de fato. Só não o fizemos porque os barbeiros, acertadamente, impediram.
Eu sei que deveria ter agido de maneira diferente, deveria ter argumentado, mas não consegui. E não é somente porque sou professor que tive aquela reação. Aliás, eu nem estava em greve, já que lecionava no ensino privado e a greve era dos professores do Estado. Mas minha irritação veio porque sei, até por ter sido aluno de grandes profissionais, o quanto é difícil ser docente. Cada classe é um universo diferente, cada aluno é um mundo diferente. Mesmo que alguém ministre a mesma aula para muitas turmas distintas, tem que ser criativo, saber mudar sua abordagem e entender e interagir com cada classe, logo, cada aula é diferente da outra. E isso significa muito trabalho. Cada prova, cada avaliação, deve ser pensada, estudada antes pelo professor, depois a correção deve ser atenta, criteriosa, e fazer e corrigir tantas provas, principalmente as dissertativas, dá trabalho, muito trabalho. Eu deveria ter pelo menos tentado dizer isso àquele indivíduo. Não sei se ele iria entender, mas se eu tivesse tentado teria sido efetivamente um professor.
Este fato aconteceu a pelo menos dezoito anos. Agora uma nova greve de professores acontece. Infelizmente, uma greve que não tem adesão plena. E isso me deixa pensativo. Porque a adesão não é total? Porque tantos docentes continuam trabalhando? Pode ser porque eles acreditam que estão ganhando bem, suficiente para seu trabalho? Talvez seja. Talvez eles acreditem que o que fazem é bem pago. Eu penso que se lecionasse no Estado, estaria em greve agora, mas isso é minha análise. O que me deixa preocupado é o fato de que talvez estes mesmos docentes que não pararam, não o tenham feito porque não se valorizam o suficiente. Temo que a mentalidade de desvalorização dos professores, como a daquele freguês da barbearia, tenha se tornado tão comum que até os profissionais do ensino não acreditem que devam receber mais e talvez mesmo achem que seu trabalho não seja importante.
Eu sei que a idéia parece estranha, mas pense bem, se eu realmente acredito que minha função é importante e se a faço corretamente, então devo ser o primeiro a valorizá-la e a exigir a sua valorização pelos demais. E isso passa também pelo salário, por exigir um pagamento digno que me dê condições de continuar a exercer minha função plenamente, sustentar sua família e até continuar a me aprimorar. Os professores públicos têm estas condições? Eu tenho minhas dúvidas. Segundo uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, no último dia quatro de Abril, o valor médio da hora aula de um professor em São Paulo é de nove reais. Um livro custa por volta de quarenta reais, quase cinco horas aula de um professor na média. Será que com este salário ele consegue pagar suas despesas, sustentar sua família e ainda comprar livros para continuar a se aperfeiçoar?
A mesma reportagem chamava a atenção para dois outros fenômenos. A carência de professores porque muitos desistem da carreira e as constantes faltas e licenças médicas dos docentes da rede pública. Neste ponto, talvez aquele infeliz comerciante que citei no início do artigo tenha sido profético. Mal pagos, desvalorizados pela sociedade, pelo governo e por si mesmos, talvez muitos professores simplesmente “reajam” de outra forma, reajam com o “não trabalho”. Alguns abandonam a profissão, outros nem a procuram e outros ainda talvez utilizem de meios legais para faltarem ou se licenciarem constantemente, numa manobra comodista de quem não valoriza seu trabalho e nem a si mesmo.
Neste dia do Trabalho, finalizo dizendo aos professores que não entraram em greve e de quebra a todos os trabalhadores, que o respeito começa pelo respeito próprio e que sem luta, sem mobilização, nada se consegue. Se você, seja qual for seu trabalho, o faz bem, respeite-se e exija o mesmo daqueles que o empregam. Afinal, sem o seu trabalho não existe riqueza para ninguém. E sem o trabalho do professor, não existirá futuro para nossa sociedade.
Carla Betta
2 de maio de 2013
“Vestida de azul e branco
Trazendo um sorriso franco
No rostinho encantador
Minha linda normalista
Rapidamente conquista
Meu coração sem amor”
Primeira estrofe da música cantada por Nelson Gonçalves, de nome: Normalista, cujos autores são: Benedito Lacerda E David Nasser.
De um tempo em que as professoras e os professores eram valorizados e respeitados, de uma época em que os filhos dos ricos estudavam na escola pública, onde meu pai e seus conterrâneos aprenderam latim como se aprende que 2+2=4!
Saudades? Não! Nem havia nascido ainda! Nostalgia? Sim!
Que pulo foi este o que demos?
Com certeza, não foi o pulo-do-gato!
Há anos, mts anos que me pergunto onde iríamos parar e quais seriam as consequencias de mudanças tão nefastas na educação?! O tempo me responde e cada vez mais me preocupo!
blogdoamstalden
4 de maio de 2013
Antes, Carla, o ensino era melhor, mas com poucas escolas. Hoje aumentamos o número de escolas e professores mas diminuímos a qualidade. Os sucessivos governos dão desculpas várias, algumas até reais, para o investimento menor em educação. Qualquer hora vou escrever sobre isso. Mas de uma coisa tenho certeza: manter professores é menos interessante politicamente do que construir pontes, passarelas e represas, afinal as empreiteiras contribuem generosamente para as campanhas, de TODOS os partidos.
Anônimo
3 de maio de 2013
Concordo em número e gênero com você!
Eu também estaria em greve, principalmente por respeito à profissão que escolhi e que amo!
blogdoamstalden
4 de maio de 2013
Valeu, obrigado por participar.
Anônimo
11 de maio de 2013
Parabenizo pela sua coluna no Jornal de Piracicaba leio todas, você escreve com clareza e assuntos que envolve nosso dia a dia.Sou funcionária municipal e estudante de Pedagogia na Anhanguera, e penso em um dia contribuir para o bem da sociedade e das pessoas, em especial aos mais carentes e os que são marginalizados pela sociedade.Pois vivo isso diariamente por ser mulher e negra.Obrigada professor pela sua contribuição em nossa sociedade.
blogdoamstalden
11 de maio de 2013
Olá Moça. Você não sabe que alegria me proporciona com sua pequena mensagem. Eu sozinho não faço diferença alguma em nossa sociedade, mas quando encontro o seu pensamento e a sua vontade, então nós começamos a fazer. Você já está contribuindo, minha cara, pode ter certeza, ainda que pelo simples fato de ter este direcionamento. Desejo-lhe toda sorte em seu caminho e, desde já, a convido para escrever sobre suas experiências neste Blog. Eu ficaria honrado. Só faltou você deixar o seu nome, né? Abração e muito obrigado.