O Gigante. Por Evandro Mangueira.

Posted on 21 de junho de 2013 por

8



o gigante

Saio do trabalho às 16h30min, mas devido a um tremendo mau planejamento das rotas dos ônibus de Piracicaba, consegui chegar ao protesto somente as 17:30, e o Gigante já estava nas ruas!

 

CAUSA:

 

Aos 13 anos de idade vi os protestos que levaram o impeachment de Collor e com isso cresci acreditando que o povo, se desejasse, teria pleno poder sobre o governo. Naquela ocasião, o grito nacional era apenas um, mas as causas sempre foram muitas. Aos gritos de Fora Collor, estavam embutidos os gritos de queremos educação, queremos melhores escolas, queremos melhores condições, queremos empregos. Os atuais protestos têm uma característica diferente, hoje gritamos por várias demandas, por várias urgências, mas não são só as macros que estão sendo solicitadas, temos as locais e essas não devem ser esquecidas. Ontem, essencialmente, a população pedia para que as tarifas baixassem, a verdade é que o transporte público em Piracicaba (eu sou um usuário regular) é caótico, diversas vezes já fiquei nos pontos esperando o ônibus que passa lotado e não para, faço referência aqui ao Sônia e ao Perimetral que são os que uso com frequência, além do preço abusivo, temos que sofrer a espera em pontos que não acolhem da chuva e nem do sol, quando muito tem uma base de lata, mas o próximo a minha casa tem a apenas uma bola pintada de amarelo no chão. Isso agravado a trajetos ruins que não facilitam em nada a vida de quem precisa ir a mais de um lugar.

Reconheço e compartilho o pedido de outras causas, educação, saúde e segurança e todas as demais carências de uma sociedade penalizada pelo abandono dos governantes. Enquanto os nossos governantes recebem verdadeiras fortunas se comparadas ao salário da maioria da população, temos que engolir, goela abaixo, o descaso aplicado sobre as causas sociais e urgentes.

A luta pela qual fomos às ruas não é só pelo transporte, não mesmo, mas vejo urgência que essa seja atendida para que a população seja menos explorada. Enquanto o governo sabe, muito bem, que o transporte público deveria ser livre, para que a população se apropriasse da cidade. O transporte é o meio que leva os trabalhadores a produzirem riquezas, por que mesmo tem que ser tão caro? Por que mesmo tem que, sequer, ser pago?

Embora sejam muitas as causas, mas hoje temos que negociar essa, a qual o Prefeito se recusa a revisar.

 

A LUTA:

 

O Reaja de Piracicaba e o Pula Catraca começaram o movimento que pede a redução do preço da tarifa do “busão” muito antes de qualquer movimento ser televisionado, e manifestos começarem. Essa luta é de toda a população, os que usam carros sabem como o trânsito em Piracicaba está complicado, e como é difícil andar pelas ruas seja a pé, seja de ônibus, seja de carro.

A luta é de todos!

 

O PROTESTO:

 

A onda de protesto que surgiu em todo o Brasil, chamada de “o Gigante acordou” renovou o espírito dos Piracicabanos que foram as ruas ontem.

Ao chegar ao terminal central, após o atraso devido à necessidade de pegar dois ônibus, vi o número de pessoas e uma felicidade súbita tomou conta de mim, era um fenômeno novo, feito por uma juventude diferente da que viveu o impeachment de Collor, diferente em interesses, em pensamento e atitudes, mas não diferente em causas, ouvi os mesmo gritos sobre educação, segurança, trabalho, fome, corrupção. Isso é triste, porque ainda vivemos em um país onde a maioria dos governantes esqueceu-se do povo!

As ruas foram tomadas e os hinos eram lindos, eram emocionantes, contive minhas lágrimas, mas não contive meus arrepios.

A ponte com elevador foi tomada! Aquela identificada com uma placa ADM 2009 -2012.

Até esse momento vi muita alegria, muito sorriso e bastante civismo, mas a partir desse ponto vi pela primeira vez o perigo, dois rapazes descendo a rua com pneus, máscaras (camisetas) e sacos de folhas, eles foram até uma árvore milenar, próxima a biblioteca municipal. Um dos carros tocava a música “Sociedade Alternativa” de Raul Seixas, vi pessoas falarem com os rapazes, mas não os vi acender o primeiro fósforo.

Chegamos à casa de lei, e lá já existia um confronto, pessoas gritavam, e alguém jogou uma bomba (tipo de são João) e percebi que os policiais ficaram agitados, muitos faziam pressão, e vendo a cena, até entendi porque os vereadores se acovardaram e saíram da câmara cinco horas antes do evento acontecer. Nessa hora começamos um grito de “sem violência”, era ecoado forte e tomando proporções de todo o movimento, os ânimos acalmaram ao redor da casa de lei, mas ao meu lado dois mascarados gritavam apenas a parte do “violência”, notando que algo estava acontecendo, juntei-me ao grupo que dispensava a multidão, pedido para que fossemos todos a praça central. Aparentemente o confronto estava sendo diluído, e todos voltavam a sorrir e a vibrar, imaginei que essa era à hora de cantar o hino nacional, decidi por ir para casa sem o hino, pois esse não saía e o grupo na praça só aumentava.

Chegando ao terminal central, aguardei por volta de 15 minutos pelo Sônia e nesse momento ocorreu o inesperado, o terminal foi tomado pelas pessoas e em volta muitos gritos de “Que coincidência, sem policia não tem violência”, preciso, por uma questão de tranquilidade de consciência, dizer que não vi atitudes opressoras por parte dos policiais, não na parte de dentro onde eu estava, soube depois a respeito das balas de borracha.

O Terminal teve suas portas fechadas e seu espaço foi invadido por carros das diversas frotas existentes, homens fortemente armados desceram dos carros e a população, reduzida, lá de dentro entrou em pânico.

Nessa hora fiz contato externo, e comecei um diálogo com Amstalden e outros que estavam on no facebook.

Os arredores do terminal foram tomados, e a população dava ordem para sairmos de dentro do galpão, mas nessa hora os portões já estavam fechados e as saídas bloqueadas por ônibus e policiais.

Dentro estavam em sua maioria mulheres, mas tinha um homem com um bebê, e uma grávida, minha atenção foi voltada para eles, uma vez que de fora eram lançadas bombas (tipo são João) e pedras (tipo aquelas portuguesas para calçadas). Claramente, o confronto havia começado. O barulho lá fora, eu imaginava o que era, mas não posso relatar além de minhas suspeitas, pareciam tiros e nas portas eram lançadas pedras.

O pânico nessa hora foi completo entre os usuários do terminal, principalmente porque ninguém nos informava o que deveríamos fazer.

Os ônibus começaram a sair, e nós permanecíamos lá dentro, fui até um motorista e perguntei para onde ele ia, fui informado que era para uma garagem, falei para a população que estava próxima de mim para entrarmos no ônibus, houve resistência do motorista, ele dizia não poder deixar entrar.

A negociação demorou minutos e conseguimos entrar no ônibus.

Esse saiu por trás, onde a população já diminuía a concentração, localizando-se na frente do terminal.

O nosso ônibus passou a margem da movimentação, mas fomos atacados com alguns chutes. Pude ver no meio da multidão, outros ônibus e uma grande agitação e fogo, não consegui identificar o que ocorria, pois tentava manter a calma das pessoas que estavam comigo.

Ao sairmos de lá, senti a perda do meu orgulho, senti um pouco de vergonha tomando conta de mim e abatido desanimei. Mas, fui retomado pelo orgulho, estávamos fazendo história.

Ao chegar à minha casa, soube da depredação nas ruas e lojas, através da internet.

 

OS DESORDEIROS:

 

Entendo que o movimento representava a grande insatisfação de todos os brasileiros e todas as brasileiras, e que, a exemplo do mundo todo, não existe protesto sem confronto, mas o de Piracicaba estava muito lindo e não merecia os últimos acontecimentos. Precisamos resgatar a culpa dos fatos, a verdade é que o número de jovens revoltosos era um número bem pequeno, mas não posso culpá-lo, eu mesmo já tive muita vontade de sair quebrando tudo diante tanta injustiça que vejo, mas também não posso apoiá-los, pois acredito que essa causa também é contra a violência e que os fardados também são vítimas.

Existiram os oportunistas, os que saquearam as lojas e depredaram patrimônios públicos e particulares, esses são, sem dúvidas, uma responsabilidade da polícia, que durante todo o trajeto não se fez presente, apenas protegendo o santo patrimônio do terminal central. Oportunistas, como esses saqueadores, estão presentes em todos os protestos que ocorrem Brasil a fora, mas a minha pergunta aqui é: São eles os únicos culpados?

O sistema de governo que vivemos marginaliza, há anos, uma parcela muito grande da população, a educação, a única ferramenta capaz de transformar, é sucateada, sem falar no sistema de educação continuada que é uma piada.

Esses “vândalos” são reflexos de uma sociedade doente, de um povo esquecido e de um momento histórico ao qual temos que rever o valor que, efetivamente, existe entre os bens e os humanos. Um governo que faça pelo social é disso que precisamos, precisamos desses jovens “vândalos” de volta para a nossa sociedade, pois essa energia que eles detêm deve ser usada para o bem do nosso país.

Eu não acredito que somos degradados filhos de Eva, acho sim que fomos esquecidos e enlatados no sistema, acredito que esse momento serviu para mostrar que temos uma juventude revoltada, que temos uma juventude abandonada, marginalizada, carente de educação, de conhecimento crítico e esperança nos nossos governantes.

O ataque as lojas, só mostra o desejo de consumo que esse sistema inseriu em nossa sociedade, e que é mais culpa de um todo do que do individual!

Precisamos lutar por igualdades, por equidades.

Transformar esse país em nação, e recuperarmos esses jovens.

O patrimônio não pode valer mais do que o humano, do que a necessidade que temos de saúde, educação e dignidade.

Não é possível se sentir digno quando se tem fome, quando se vê na TV pessoas repletas de luxo e seus filhos doentes em salas lotadas de hospitais.

Vejo sim uma mancha de sangue em cada um dos protestos, mas vejo muita coisa acontecendo, estamos trazendo o jovem para o interesse político, para a vontade de se viver no Brasil, resgatando as palavras de nossa bandeira, “Ordem e Progresso”, resgatando a nossa dignidade.

A causa é válida, a luta é de todos e todas e o Brasil é do povo e para o povo!

Não vamos mais aceitar uma falsa democracia, esmolas para a população, escolas sucateadas, professores redentores do sistema apenas com giz na mão e barrigas vazias, famílias vivendo abaixo da linha da pobreza e jovens sendo entregues ao tráfico e as drogas.

NÃO! Esse é o grito de ordem, não queremos mais ser representado por partidos, mas sim por pessoas que fazem pelo povo e para o povo.

Evoco a força do povo, a esperança do jovem a experiência dos velhos e o conhecimento de quem teve oportunidade de educação, para lutarmos juntos, e para acalmarmos os ânimos de quem foi tão vítima do sistema quanto eu e você.

Evandro Mangueira é Funcionário Público, Escritor e Colunista deste Blog.