Com ou sem Violência? Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de junho de 2013 por

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manifestação em bh

Na minha adolescência já fui mais radical nas idéias pacifistas. Isso começou a mudar nos anos oitenta, quando conheci um ex-guerrilheiro nicaragüense que havia lutado no movimento sandinista contra o ditador Somoza. Lembro-me que conversava com ele e perguntei se uma resistência pacífica não teria sido mais eficiente do que aquela luta armada. Ele respondeu que talvez, mas que o regime tinha total desprezo pela vida humana e, neste contexto, ficava difícil uma vez que a ditadura não hesitava em eliminar aldeias inteiras se fosse necessário. O que fazer então? Submeter-se ao genocídio? Também me contou de sua aldeia natal, que fora invadida por soldados do governo e teve a maioria das mulheres estupradas, além de homens torturados e mortos. Contou-me também que, depois do evento, os guerrilheiros levaram armamento para os aldeões e deram-lhes instruções militares básicas. Daí por diante, as tropas e depois os chamados “contra” nunca mais entraram daquele jeito lá. Até tentaram, mas não conseguiram. Com um pouco de ironia, contou que até três freiras que haviam sido molestadas sexualmente, passaram a manter fuzis na sua casa.

De lá para cá, vivi outras experiências e conheci outros fatos que me fizeram rever a radicalidade pacifista. Continuo acreditando que a violência é um mau caminho, mas em situações específicas, para defesa frente a quem (indivíduo ou grupo) não tem o menor respeito pela vida dos outros, acredito que não haja muita alternativa se não lutar, defender-se ainda que violentamente. O desafio, porém, é saber QUANDO isso é necessário. Quando a violência defensiva é inevitável. E este conhecimento não é tarefa fácil.

Não tem sido fácil também para muitos jovens, inclusive alguns alunos, que me afirmam não acreditar que, sem alguma violência, as atuais manifestações serão inúteis. Para eles, assim como para algumas pessoas já maduras que ouvi, as depredações e confrontos com a polícia seriam “necessários”, uma vez que sem isso,  as passeatas não teriam força. Nas palavras de uma aluna muito inteligente, “só passeata é micareta”.

Bem, eu entendo o pensamento dela e de muitos outros, Entendo principalmente porque penso que todos eles falam movidos por uma indignação tão grande que vira passionalidade, vira emoção pura traduzida em raiva, daí os ataques. Também entendo que trata-se de uma geração pouco acostumada ao coletivo, criada numa cultura individualista característica do capitalismo consumista e competitivo. Daí a falta de confiança no grupo, na ação conjunta e no protesto a não ser que ele se traduza em algo concreto imediatamente, tal como vidros quebrados e ônibus incendiados.

Alguns adultos também acabam por defender ações mais radicais e talvez isso tenha a ver com a sua decepção com vários fatores. Faz 21 anos que o último grande movimento ocorreu (Fora Collor) e de lá para cá, o que vimos foram discursos, engambelações e impunidades devidamente legalizadas. A constituinte de 1988 deixou brechas para a impunidade principalmente porque a maioria dos deputados e senadores que vinha da ditadura, continuava lá. Eles fizeram a constituição nova. Você acredita que eles não iriam se proteger? Claro que se protegeram. Aliás, o próprio presidente da república na época da constituinte era um notório colaborador da ditadura. José Sarney, que por sinal, continua aí na política, “firme e forte”. Adultos de minha geração que “perderam” o “Diretas Já” (sim, porque nós perdemos este movimento) e depois viram Collor subir e cair, acreditaram que novos tempos viriam, mas não vieram, pelo menos não em termos de uma cidadania mais plena e um Estado com menos privilégios de poucos. Ao contrário, vimos a educação tornar-se um negócio em expansão e, apesar dos inúmeros discursos, dados e promessas, assistimos uma defasagem entre o que se precisa em termos de estrutura e qualidade educacional públca e o que se tem. O mesmo vale para a saúde pública, para os transportes e para a segurança. Pior, vimos as “ratazanas” da corrupção engordarem e, por nossa legislação “porosa” continuarem aí. Como entender que Paulo Maluf não pode sair do Brasil sob pena de ser preso pela Interpol e, no entanto, vê-lo livre e concorrendo politicamente no país? Mais terrível, apertando a mão de Lula, o líder que muitos de nós imaginaram ser a promessa de renovação, de derrubada das antigas elites políticas.

Assim os adultos de minha geração, os “tios” como eu, também estão frustrados e enfurecidos. Quando esta frustração não se transforma num cinismo oportunista ou numa alienação falsamente cômoda, transforma-se nas pedras voando pelos ares ou, no mínimo, no apoio moral a elas.

Ocorre que eu também sinto tudo isso, toda esta frustração que, de vez em quando, leva quase ao desespero e à depressão. E é uma frustração, assim como imagino que seja a da maioria, que não se dirige a um ou outro partido ou político, mas a TODOS ELES, dos vereadores de minha cidade chegando ao governo da república. Porém, eu NÃO ACREDITO QUE ATITUDES VIOLENTAS vão servir agora, neste momento de mobilização difusa, para mudar alguma coisa. SE acreditasse, pode ter certeza de que arrumaria algumas pedras também, mas não creio. E sabe por quê?

Em primeiro lugar porque acredito que as depredações e confrontos vão levar ao esvaziamento. Milhares de pessoas que não querem ou não estão dispostas a atitudes violentas, vão se afastar do movimento. Ok, ele começou em parte porque a repressão policial foi dura, mas agora mais violentos estão os manifestantes. Aqueles que saíram as ruas para contestar as agressões de um grupo de policiais, vão se retrair no momento em que as agressões mudam de lado.

Em segundo lugar, diminuído o número de manifestantes, sobrarão os mais violentos e, com menos gente nas ruas, será mais fácil se reprimir. Aqueles que se mantiverem com pedras e fogo, serão individualmente identificados, espancados, presos e processados, dentro das leis. Vamos nos lembrar de que, apesar de tudo, não estamos num estado ditatorial como o dos países árabes recentemente. Lá o espaço era tão pequeno para a mobilização que não sobrou muito a não ser a resistência violenta. Tão violenta que derivou em guerra civil aberta, que derrubou Mubarak, Gadafi e combate Assad, agora, na Síria. Aqui o jogo é outro. Em tese as garantias constitucionais permanecem e a repressão aos exaltados se dará sob suas regras e ninguém poderá dizer que está errado. Daí, algumas centenas de prisões, a desmobilização e “game over” na linguagem dos jovens. Eu não quero isso…

Em terceiro lugar, não estamos desta vez tentando tomar o Estado das mãos de uma ditadura aberta, mas ocupá-lo realmente como cidadãos. Na situação de Estado de Direito, a que me referi, não estamos enfrentando tropas fanáticas, cujo cérebro está dirigido para a repressão sem limites como foi o caso dos soldados nicaragüenses de Somoza que citei no início deste texto. Estamos lidando com policiais que, mesmo ainda bastante condicionados por uma disciplina conservadora, também são cidadãos e estão tão decepcionados e frustrados quanto nós. Assim, não se trata de combatê-los, mas de fazer com que eles passem ao nosso lado, nos apoiando e, inclusive, protegendo o nosso direito de manifestação. Mas se os atacamos ou ao patrimônio público e privado, então eles serão obrigados (até pela lei) a nos reprimirem. Se não o fizerem, podem perder seus empregos por faltar ao dever de policiais de proteger pessoas e patrimônio. Você já pensou nisto? Já pensou que os coloca num dilema sem saída? E se duvida de que muitos policiais pensam favoravelmente as manifestações, posso lhe assegurar que até agora, pelo menos dentre aqueles que conheço (e são muitos por lecionar a eles Cidadania, Ética e Direitos Humanos) não ouvi um só negar a legitimidade do processo. Ao contrário, como já relatei no texto (A manifestação em Piracicaba que eu vi), até recebi o pedido de apoio por parte deles para que levasse um cartaz pedindo o adicional a que têm direito. Veja também a carta do policial militar que publiquei abaixo (carta reproduzida em blogs policiais intitulada “declarações de um policial que atuou na repressão ao movimento em São Paulo”). São policiais diferentes sim. Que podem se tornar cidadãos plenos e é isso que eu desejo. Logo não vejo motivo para colocá-los numa encruzilhada agindo com violência.

O último motivo pelo qual sou contra a violência nas manifestações, é que desta vez, eu gostaria de GANHAR. Gostaria que meu esforço escrevendo, dialogando, participando de passeatas, fosse bem sucedido. Gostaria que conseguíssemos um estado mais democrático, punindo corruptos, espalhando a cultura da participação, da cobrança aos políticos e da responsabilidade coletiva. Gostaria que conseguíssemos investimentos maciços na educação, na saúde e na geração de empregos sustentáveis. Gostaria de ver mais coerência entre falas e atitudes de políticos e, principalmente, de ver a confiança no coletivo ressurgir, para que possamos, então, enfrentar os muitos desafios de nossa sociedade. E, pelos motivos que expus acima, com violência eu acredito que vamos perder e, por enquanto, estamos ganhando. Não é micareta, é movimento e se não estivesse funcionando, os políticos não estariam “sumidos”, acuados.

Eu posso estar errado, sabe? Mas no momento estou convencido de que não estou. Se você quer atirar pedra, ok, mas primeiro, pense um pouco em meus argumentos e depois faça o que quiser. De minha parte, continua achando que causas se ganham primeiro com as idéias e com o cérebro e, somente em casos raros, entram as armas, mesmo assim em situações extremas. Pense então, antes de usar a arma que for.