Visões Estrangeiras. Piracicaba (e Brasil) na visão de uma espanhola. Por Cristina Sanchez

Posted on 16 de julho de 2013 por

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Loja no centro de Piracicaba, Foto Cristina Sanchez

Um ano atrás, por estas horas, seguramente estaria compartilhando algumas reflexões pessoais sobre temas não pessoais, mas vitais, com uns colegas piracicabanos enquanto almoçávamos no Babylonia, um restaurante italiano de lá.

 

Poucos meses tive para desfrutar daquelas agradáveis conversações, tão profundas pela implicação intelectual dos presentes como superficiais pela abstração dos temas respeito nossas próprias vidas. O mesmo tempo que dispus para aprender uma linguagem, um trabalho e uma cultura nova antes de voltar a Barcelona, desde onde escrevo estas linhas.

 

Foi a confrontação com a cidade de Piracicaba, com a sua tipologia, característica de cidades do interior no Brasil, e com a sua rotina, a que me permitiu o mínimo conhecimento social, político e econômico do lugar para refletir um bocado sobre a vida do brasileiro.

 

Desde este ínfimo saber de estrangeiro e devido ao pedido do estimado Luis, proponho-me compartilhar algumas visões gerais sobre duas tipologias de cidades para lhes mostrar sua influência na maneira de viver dos seus habitantes. Através da comparação, trata-se de salientar as diferenças que definem as identidades culturais.

 

Em primeiro lugar devo referir que a cidade é um fato cultural. Por isso o meu interesse nela para compreender um país. Em segundo lugar, a cidade é uma expressão social, ou seja, um produto da coletividade. Portanto, a sua tipologia não é uma simples questão formal, trata-se também da manifestação de uma maneira de viver. Em definitiva, a forma da cidade responde a questões de origem econômicas e políticas.

 

Após estas considerações, gostava de salientar minha primeira impressão do caráter piracicabano em particular, que a posterior experiência confirmou-se no brasileiro em geral: a hospitalidade. Parece-lhe obvio ao brasileiro abrir as portas da sua casa ao estrangeiro, convidar-lhe a jantar nela e apresentar-lhe a sua família e amigos, quem a sua vez, lhe abrirão as portas de suas casas, lhe convidarão a jantar e apresentarão mais família e amigos que lhe permitirão estar sempre bem acompanhado.

 

Na Europa choca-nos tais possibilidades de intimidade desde o primeiro momento, pois nós oferecemos jantar fora, sem misturar a nossa família ou vida pessoal. Porque esta diferença? Somos menos hospitaleiros? Possivelmente. Além disso, pode ser devido à ascendência de imigrantes de todo brasileiro? Definitivamente, a história marca a cultura, mas gostaria de analisar o tema a partir do simples conhecimento que oferece a cidade. Pois a história no Brasil mudou, mas este fato cultural persiste. Por quê?

 

É provável que fatores urbanos também contribuem na personalidade dos cidadãos. Do meu ponto de vista, Piracicaba tem carência de espaço público onde se produz o encontro e intercâmbio da comunidade, e sobretudo, facilita a integração do estrangeiro. Aqui em Barcelona, estou acostumada a fazer vida na rua, como ler baixo o sol do inverno  num banco da praça, na sombra de uma árvore num parque, ou simplesmente passear com a desculpa de olhar vitrinas. Não se precisa estar acompanhado nem consumir para desfrutar da cidade. Talvez seja a razão de nossa baixa hospitalidade, pois a cidade já cumpre essa função, ou isso parece-nos.

 

Em suma, trata-se de uma distinção de exterior e interior, rua e casa, vida social e intimidade pessoal ou familiar, que na cultura brasileira se simplifica. Não há o conceito de intimidade a esconder, a profundidade fica na mesma superfície, então, para que a distinguir da vida social?

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Mercado Municipal de Piracicaba. Foto Cristina Sanchez

E quando o exterior não se precisa para a vida social nem própria, para que gastar dinheiro nele? Resulta mais rentável substituir-o pelo centro comercial, já que a sua manutenção e seguridade é privada, além disso, promove o consumo!

 

Apesar que Piracicaba tem um centro antigo, na minha opinião não cumpre com o verdadeiro sentido do conceito do lugar, isto é, espaço com história para a memória e identidade coletiva. Durante o dia funciona como um centro comercial, mas aberto. Os prédios históricos foram disfarçados com cores e luzes para expressar o produto da loja, outros foram substituídos por simples construções, mas econômicas e funcionais para o objetivo: o consumo. Nada de vitrinas caras e bonitas que incitem o passeio sem consumir. Pela noite, transforma-se num lugar marginal, aonde a falta de luz nas ruas não favorece a continuidade da vida no centro. O medo convida à deslocação no carro e a vida no interior, por isso, a importância da seguridade nos prédios. Em efeito, o medo é um fator de rentabilidade imobiliária.

 

Assim pois, a meu ver, o pragmatismo americano impera no crescimento das cidades brasileiras em geral, e em Piracicaba em particular: divide-se a cidade em fragmentos residenciais, fechados e controlados, que junto com a falta de espaços públicos como praças, trata-se de algo intencionado e que responde ao desejo de não se misturar com estranhos, de induzir a segregação social e étnica. Promove-se o consumo de carros para salvar a descontinuidade destes fragmentos, e o consumo em geral para encher o vazio cultural devido ao desarraigo histórico e homogeneidade das identidades.

 

Porém, esta morfologia urbana do capitalismo de consumo tem o sucesso esperado pelos promotores num país onde a riqueza étnica e cultural é tão grande? Pode que sim a nível econômico e político. Mas segundo o relato através da minha experiência, graças a generosidade e diversidade daquelas inolvidáveis tertúlias no Babylonia, descubro que o caráter brasileiro tem mais sensibilidade que o simples estilo de vida americano, e predomina a solidariedade e a criatividade ante a segregação e a homogeneidade.

 

O mesmo acontece em Barcelona, que como muitas cidades da velha Europa, transforma-se numa cidade de ficção para o turista, quase um parque temático, devido as estratégias políticas e econômicas do capitalismo pós moderno, conseqüência do capitalismo de produção. Mas a vontade social não quer se transformar num cidadão espectador, e segue lutando pela sua identidade através das comunidades, os chamados bairros.

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Bairro de St. Andreu. Barcelona. Foto Cristina Sanchez

Cristina Sanches é espanhola da Catalunha, arquiteta, realizou alguns projetos em Piracicaba no ano de 2012, conhecendo esta e outras cidades do Brasil