Coluna do Evandro. Periferia.

Posted on 15 de julho de 2013 por

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MC01

(MC Garden e DJ Vinícius Boladão)

Gosto muito das periferias, lá as pessoas parecem mais humanas.

Conheci muitos lugares nesse Brasil, mas os bairros periféricos possuem uma característica única, a felicidade apesar da pobreza.

É comum perceber a ajuda, a colaboração e a doação das pessoas mesmo essas não possuindo muito a ofertar, sempre dispõem de tal gentileza.

Na periferia, existe sim, uma criminalidade que muitas vezes ordena as regras locais, no entanto as pessoas conseguem driblar todas e quaisquer arbitrariedades e se mantêm os sorrisos, alguns sem dentes para exibir, mas sem dúvida são sorrisos espontâneos.

Trabalhei como supervisor no censo de 2000, e ao visitar bairros mais pobres em Santa Maria da Serra e também em Jundiaí, casas simples ou barracos, ao sentar-me em cadeiras ou sofás, o morador não permitia que eu saísse, do seu lar, sem antes me oferecer um café quentinho, bem diferente da recepção das casas nobres de Piracicaba, muitas vezes fui recebido com um sorriso artificial e um olhar de repulsa.

Acho incrível a naturalidade como essa gente encara a pobreza e a fé que possuem de que tudo se resolverá. Constatei que a vida pode ser bem mais simples, bem mais leve.

A droga, que tanto ameaça a classe média, não é tão comum entre os moradores, que em sua maioria reprovam tais práticas.

Entre todas as características das comunidades periféricas, existe uma que acho grandiosa: A apropriação dos estilos.

Estilos musicais, estilos de roupas, estilos de cabelos, sempre surgem nas favelas e bairro pobres, ou alguém duvida que antes as tatuagens fossem coisa de marginalizados?

Os cabelos moicanos, o estilo “largadão”, as cuecas aparecendo são só alguns exemplos da apropriação da cultura que pertence às comunidades. As músicas e danças tomam conta dos espaços culturais, o carnaval é a festa mais legítima que saiu das favelas e fez a classe média (e alta) descerem dos seus apartamentos de luxo para as avenidas. Recentemente o rap, seguido do funk vem fazendo esse papel.

Não tenho medo em afirmar, que a maioria das modas e estilos que surgem são originados nas favelas, comunidades e periferias, tanto isso é verdade que temos programas como o da Regina Casé ocupando horários na TV aberta.

Sempre ouço críticas com relação à periferia e também ao programa da Regina o “esquenta”.  Existe uma clara resistência em aceitar os mais pobres como agente modificador da sociedade, mas para mim, a frase é a “cara da pobreza” vem ganhando novo sentido.

Em meios aos protestos, eis que conheço uma personalidade que surge da periferia, o MC Garden.

Lucas Rocha da Silva, rapaz de 19 anos que traz como sobrenome o “Silva”, tão comum entre os brasileiros, tem se mostrado diferente, suas letras de funck/rap, usam a linguagem jovem e popular para apresentar que “o problema ta lá no nordeste, tá aqui em São Paulo e também ta no Rio”, na música “Isso é Brasil”.

O Morador de Americanópolis, bairro da Zona Sul de São Paulo, tem em sua trajetória musical o funk consciente, isso devido ao exemplo dos pais que sempre trabalharam em ONGs, sendo evidente nesse caso a importância do exemplo em casa.

Em frases como: “A bandeira são somente cores. Os nossos valores você não sentiu” – Autoridades não usam idéias. Só usam onomatopeia do shiuu” – “Nossos governadores não investem na educação pra não ter uma geração de pensadores”, o MC Garden dá ritmo a música embalado em um som produzido pelo DJ Vinícius Boladão.

“Isso é Brasil”, transcende as barreiras que limitam o funk e tem caído no gosto popular de pessoas que, até então, são contrarias a esse estilo. Recomendo que ouçam, não só pelo ritmo que é bom, mas pela letra que representa fielmente a opinião de muitos que foram as ruas nos últimos protestos.

É uma letra plural, como são plurais os gritos e os pedidos da maioria da população.

Esse não é o primeiro funk consciente que o MC cria, entre outros existe mais um que destaco, sobre a educação.

O MC esteve nas ruas junto com os primeiros protestos, mas seu funk foi lançado dias antes do primeiro protesto.

É um viral da internet e das páginas das comunidades de relacionamentos, curiosamente criticada por ele em sua música. Recomendo que, mesmo não apreciando o estilo, ouçam a letra. O rapaz tem futuro e também o meu apoio.

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[http://www.youtube.com/embed/nRF0QLYYCe4?]

Letra da Música


E aí, Garden, acorda! Vamos ser feliz?

Como é que vocês querem ser feliz esse ano
Deixando a responsa com Feliciano
Humanos direitos vão ter o direito
de ter um monstro nos direitos humanos

Daqui a pouco vão tacar mais lenha
Querer acabar com a lei Maria da Penha
Se pá ele vai pedir seu cartão
Mas vê se não vai esquecer de dar a senha

(…Vóz Feliciano pedindo senha do cartão…)

Mantenho minha fé em nós
Do que no seu Deus que está nas igrejas
Que só ama quem põe na bandeja
E manda pro inferno quem toma uma breja

Tá rolando dinheiro a vera
E tu quer saber onde que tão os seus
Na Assembléia dos Deputados
Ou se tá na Assembléia de Deus

Se tá lá na Universal
Se pá te ve lá na Mundial
Ou se tá la na igreja da graça
A Igreja que é internacional

Apóstolo estuprando seu bolso
Cristão estuprando o gatilho
O pastor estuprando a fiel
E o padre estuprando seu filho

Mas se for olhar profundamente
os problemas com crente é peixe pequeno
O Brasil é o país da festa
e o que nos resta é ta no veneno

Brasileiro quer ser mais malandro
explorando os bolivianos
enquanto isso o nosso Nióbio
sai daqui por debaixo dos panos

Observe de perto, meu mano
olha lá nossos governadores
não investem na educação
pra não ter uma geração de pensadores

Refrão:

(Pensadores tentaram avisar
mas você fingiu que não viu
Aqui a bunda vale mais que a mente
Infelizmente esse é o Brasil

O problema ta lá no nordeste
Tá aqui em São Paulo e também ta no Rio
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil

A bandeira são somente cores
Os nossos valores você não sentiu
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil

Autoridades não usam idéias
Só usam onomatopeia do “Shiu”
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil

MC Garden ta aqui te falando
tu tá escutando, será que ouviu?
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil)

Sistema de saúde precário
só de lembrar até passou mal
me incomodo menos com a doença
do que com a demora do hospital

Brasileiro achando legal
Ser tratado como animal
Mas como é que vamos reclamar
Se às vezes nós agimos como tal
Violência policial

É melhor nem tocar nesse assunto
daqui a pouco vão excluir esse vídeo
e se eu falar muito vão me excluir junto

Agora olha nossos os buzão
Que as 7 da manhã não cabe mais ninguém
E logo mais aumenta a condução
E vocês vão achar que está tudo bem

Tão querendo acabar com os índios
que é a origem do nosso país
o dinheiro ta mandando em tudo
e deixando mudo quem quer ser feliz

A pressa ta matando ciclista
e nas avenida mais um arregaço
o que dá a sorte de ter vivido
o piloto maldito joga fora o braço

Na rede social só piada
também alienando a massa
ou garota posando pelada
quer ta na playboy, mas fez isso de graça

Mc’s esqueceram da paz
jovens como antes não se fazem mais
o casal acaba de ir pra adolescência
e na mó indecência eles já vão ser pais

Onde é que estão os pais?
será que estão presos na sela?
ou será que tão presos na sala
em frente a uma TV assistindo novela?

Evandro Mangueira, Nascido em 1979 na cidade de Cajazeiras, que tem por título “A cidade que ensinou a Paraíba a ler.” Atualmente mora em Piracicaba-SP, cidade que adotou como sendo sua também. Tem por formação Gestão Financeira, mas encontra-se nas letras tanto quanto se encontra nos números.

Autor do livro: Arcanjo Gabriel