Gosto muito das periferias, lá as pessoas parecem mais humanas.
Conheci muitos lugares nesse Brasil, mas os bairros periféricos possuem uma característica única, a felicidade apesar da pobreza.
É comum perceber a ajuda, a colaboração e a doação das pessoas mesmo essas não possuindo muito a ofertar, sempre dispõem de tal gentileza.
Na periferia, existe sim, uma criminalidade que muitas vezes ordena as regras locais, no entanto as pessoas conseguem driblar todas e quaisquer arbitrariedades e se mantêm os sorrisos, alguns sem dentes para exibir, mas sem dúvida são sorrisos espontâneos.
Trabalhei como supervisor no censo de 2000, e ao visitar bairros mais pobres em Santa Maria da Serra e também em Jundiaí, casas simples ou barracos, ao sentar-me em cadeiras ou sofás, o morador não permitia que eu saísse, do seu lar, sem antes me oferecer um café quentinho, bem diferente da recepção das casas nobres de Piracicaba, muitas vezes fui recebido com um sorriso artificial e um olhar de repulsa.
Acho incrível a naturalidade como essa gente encara a pobreza e a fé que possuem de que tudo se resolverá. Constatei que a vida pode ser bem mais simples, bem mais leve.
A droga, que tanto ameaça a classe média, não é tão comum entre os moradores, que em sua maioria reprovam tais práticas.
Entre todas as características das comunidades periféricas, existe uma que acho grandiosa: A apropriação dos estilos.
Estilos musicais, estilos de roupas, estilos de cabelos, sempre surgem nas favelas e bairro pobres, ou alguém duvida que antes as tatuagens fossem coisa de marginalizados?
Os cabelos moicanos, o estilo “largadão”, as cuecas aparecendo são só alguns exemplos da apropriação da cultura que pertence às comunidades. As músicas e danças tomam conta dos espaços culturais, o carnaval é a festa mais legítima que saiu das favelas e fez a classe média (e alta) descerem dos seus apartamentos de luxo para as avenidas. Recentemente o rap, seguido do funk vem fazendo esse papel.
Não tenho medo em afirmar, que a maioria das modas e estilos que surgem são originados nas favelas, comunidades e periferias, tanto isso é verdade que temos programas como o da Regina Casé ocupando horários na TV aberta.
Sempre ouço críticas com relação à periferia e também ao programa da Regina o “esquenta”. Existe uma clara resistência em aceitar os mais pobres como agente modificador da sociedade, mas para mim, a frase é a “cara da pobreza” vem ganhando novo sentido.
Em meios aos protestos, eis que conheço uma personalidade que surge da periferia, o MC Garden.
Lucas Rocha da Silva, rapaz de 19 anos que traz como sobrenome o “Silva”, tão comum entre os brasileiros, tem se mostrado diferente, suas letras de funck/rap, usam a linguagem jovem e popular para apresentar que “o problema ta lá no nordeste, tá aqui em São Paulo e também ta no Rio”, na música “Isso é Brasil”.
O Morador de Americanópolis, bairro da Zona Sul de São Paulo, tem em sua trajetória musical o funk consciente, isso devido ao exemplo dos pais que sempre trabalharam em ONGs, sendo evidente nesse caso a importância do exemplo em casa.
Em frases como: “A bandeira são somente cores. Os nossos valores você não sentiu” – Autoridades não usam idéias. Só usam onomatopeia do shiuu” – “Nossos governadores não investem na educação pra não ter uma geração de pensadores”, o MC Garden dá ritmo a música embalado em um som produzido pelo DJ Vinícius Boladão.
“Isso é Brasil”, transcende as barreiras que limitam o funk e tem caído no gosto popular de pessoas que, até então, são contrarias a esse estilo. Recomendo que ouçam, não só pelo ritmo que é bom, mas pela letra que representa fielmente a opinião de muitos que foram as ruas nos últimos protestos.
É uma letra plural, como são plurais os gritos e os pedidos da maioria da população.
Esse não é o primeiro funk consciente que o MC cria, entre outros existe mais um que destaco, sobre a educação.
O MC esteve nas ruas junto com os primeiros protestos, mas seu funk foi lançado dias antes do primeiro protesto.
É um viral da internet e das páginas das comunidades de relacionamentos, curiosamente criticada por ele em sua música. Recomendo que, mesmo não apreciando o estilo, ouçam a letra. O rapaz tem futuro e também o meu apoio.
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[http://www.youtube.com/embed/nRF0QLYYCe4?]
Letra da Música
E aí, Garden, acorda! Vamos ser feliz?
Como é que vocês querem ser feliz esse ano
Deixando a responsa com Feliciano
Humanos direitos vão ter o direito
de ter um monstro nos direitos humanos
Daqui a pouco vão tacar mais lenha
Querer acabar com a lei Maria da Penha
Se pá ele vai pedir seu cartão
Mas vê se não vai esquecer de dar a senha
(…Vóz Feliciano pedindo senha do cartão…)
Mantenho minha fé em nós
Do que no seu Deus que está nas igrejas
Que só ama quem põe na bandeja
E manda pro inferno quem toma uma breja
Tá rolando dinheiro a vera
E tu quer saber onde que tão os seus
Na Assembléia dos Deputados
Ou se tá na Assembléia de Deus
Se tá lá na Universal
Se pá te ve lá na Mundial
Ou se tá la na igreja da graça
A Igreja que é internacional
Apóstolo estuprando seu bolso
Cristão estuprando o gatilho
O pastor estuprando a fiel
E o padre estuprando seu filho
Mas se for olhar profundamente
os problemas com crente é peixe pequeno
O Brasil é o país da festa
e o que nos resta é ta no veneno
Brasileiro quer ser mais malandro
explorando os bolivianos
enquanto isso o nosso Nióbio
sai daqui por debaixo dos panos
Observe de perto, meu mano
olha lá nossos governadores
não investem na educação
pra não ter uma geração de pensadores
Refrão:
(Pensadores tentaram avisar
mas você fingiu que não viu
Aqui a bunda vale mais que a mente
Infelizmente esse é o Brasil
O problema ta lá no nordeste
Tá aqui em São Paulo e também ta no Rio
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil
A bandeira são somente cores
Os nossos valores você não sentiu
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil
Autoridades não usam idéias
Só usam onomatopeia do “Shiu”
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil
MC Garden ta aqui te falando
tu tá escutando, será que ouviu?
Isso, Isso é Brasil
Isso, Isso é Brasil)
Sistema de saúde precário
só de lembrar até passou mal
me incomodo menos com a doença
do que com a demora do hospital
Brasileiro achando legal
Ser tratado como animal
Mas como é que vamos reclamar
Se às vezes nós agimos como tal
Violência policial
É melhor nem tocar nesse assunto
daqui a pouco vão excluir esse vídeo
e se eu falar muito vão me excluir junto
Agora olha nossos os buzão
Que as 7 da manhã não cabe mais ninguém
E logo mais aumenta a condução
E vocês vão achar que está tudo bem
Tão querendo acabar com os índios
que é a origem do nosso país
o dinheiro ta mandando em tudo
e deixando mudo quem quer ser feliz
A pressa ta matando ciclista
e nas avenida mais um arregaço
o que dá a sorte de ter vivido
o piloto maldito joga fora o braço
Na rede social só piada
também alienando a massa
ou garota posando pelada
quer ta na playboy, mas fez isso de graça
Mc’s esqueceram da paz
jovens como antes não se fazem mais
o casal acaba de ir pra adolescência
e na mó indecência eles já vão ser pais
Onde é que estão os pais?
será que estão presos na sela?
ou será que tão presos na sala
em frente a uma TV assistindo novela?
Evandro Mangueira, Nascido em 1979 na cidade de Cajazeiras, que tem por título “A cidade que ensinou a Paraíba a ler.” Atualmente mora em Piracicaba-SP, cidade que adotou como sendo sua também. Tem por formação Gestão Financeira, mas encontra-se nas letras tanto quanto se encontra nos números.
Autor do livro: Arcanjo Gabriel
Evandro Mangueira
15 de julho de 2013
Mc Garden, para mim é o novo Gabriel o Pensador, tenho dito!
Evandro Mangueira
15 de julho de 2013
Uma pequena correção o gênero musical é FUNK*
alfredo brasiliano
15 de julho de 2013
Quero parabenizar o MC Garden por ter um funk com uma mensagem de grande valor , que falar da realidade brasileira.
Evandro Mangueira
15 de julho de 2013
É Alfredo, tem gente boa nesse Brasil!
Carla Betta
16 de julho de 2013
Penso ser complexo valorizar uma parte da sociedade em detrimento de outra. No intervalo de um curso da Brahma Kumaris, alguns participantes exaltavam a Índia, sua hospitalidade e seus valores espiritais inegáveis. Na mesma semana destes comentários havia lido um artigo que informava a estatística estarrecedora de infanticídios de recém-nascidas, isto é, de bebês do sexo feminino, além de ser notável que a Índia tem um sistema de classes rigidíssimo, as castas, que não permitem mobilidade social e fomentam o preconceito. Acredito, por experiência e observação, que a população mais solidária é aquela que sabe por sentir na pele o que é necessidade. Faz ao outro como se estivesse fazendo a si própria. Os filhos da classe média não terão seus pais ansiando para que sejam recenseadores, mas os pais da periferia ficarão muito contentes se seus filhos atuarem nesta função, passa a ser um modelo e um desejo. E entra na casa da classe média como um sub-profissional_ o que é evidentemente um preconceito. Mas, este é só um lado de uma situação tridimensional, que tem muitas vertentes, mas o texto revela qualidades importantes, que merecem ser ressaltadas a da gentileza e o da criatividade, esta última se expressa e se divulga nos modismos e nas vestimentas. Há outras características, boas e ruins, da periferia.
Bárbaro, maravilhoso saber que um MC tenha este nível de consciência e faça questão de revelá-la, de apontar críticas que acordam as pessoas para os problemas sociais em uma linguagem accessível e bem-humorada,
Mas, gostaria que todos compreendessem esses problemas sociais também em letras mais poéticas e melhor escritas_ todos!
Evandro Mangueira
17 de julho de 2013
É verdade Carla, antes de publicar o artigo preocupei-me por não revelar um possível pré(conceito), contra as classes altas, não consigo isentar-me totalmente dos meus valores, mas já conheci gente rica (bem rica) solidária, mas esse são poucos, pois a riqueza de um, só é possível mediante a pobreza de vários, e quanto a isso terei eternamente repulsa.
Sim, eu também gosto do português bem elaborado, de uma linguagem fina e cheia de requinte, mas sou obrigado a dizer que essa linguagem não atinge a população como o todo e por essa razão é tão importante o trabalho do MC, ele leva a um público que jamais teriam a oportunidade de entender letras mais complexas com português mais refinado. Irei abordar em um texto, e já tenho ele em mente, o preconceito linguístico. As vezes valorizamos muito a escrita, mas a informação contida na língua é o que mais importante. Uma vez ouvi um pastor dizer o seguinte: Para Deus entender a humanidade, Ele se fez humano na forma de Jesus Cristo, comeu, bebeu, dormiu como um humano, chorou, sentiu medo, sentiu fome, mas além disso ele conseguiu falar como um humano e se fez entender como tal, e isso é o que separa o antigo testamento e o novo testamento. Trabalhei por muitos anos em projetos sociais, e em meios as pessoas com falas bonitas e bem articuladas, sempre me questionei se eramos mesmo representante daquelas classes que defendíamos, se realmente sabíamos quais eram suas necessidades, pois nunca vivenciamos-nas. Acredito sim, que um músico de “qualidade” consegue falar para um público de “qualidade”, mas um músico “popular” consegue falar para um público “popular” e no Brasil a classe popular é mais volumosa e, sem dúvida alguma, mais carente nesse aspecto também.
Carla Betta
17 de julho de 2013
São perfeitas suas considerações. Apenas manifestei um desejo, aliás, um enorme desejo de que falássemos, ou ao menos, escrevêssemos todos na mesma língua portuguesa à brasileira, nem tanto popular e deformada e nem tanto erudita e deformada também (a meu ver), enfim, estarei sendo utópica? Espero bem que não, espero que –antes de desencarnar- possa afirmar com orgulho que a educação no Brasil atinge a maioria da população e sua qualidade é notável!
Evandro Mangueira
17 de julho de 2013
Acho desnecessário uma língua uniforme, eu aprecio as peculiaridades das tribos. Quanto a educação, tenho o mesmo desejo que você.
Carla Betta
17 de julho de 2013
Fico preocupada com endeusamentos, que também são preconceituosos.