A Ética e a Legalidade. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 18 de julho de 2013 por

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Uma leitora do Blog comentou a respeito de um dos artigos lá publicados (A Câmara e o Tiro no Pé) que:  “ pelo que eu vejo e ouço nas falas do vereador (Paulo Camolesi) e do Reaja, eles não concordam com o aumento do subsídio, simples assim, respeito a opinião, tb penso que alguns que ali estão não merecem receber um valor como esse, porém, ele é legal, pode não ser moral, mas é legal” (sic).

Não se trata aqui de discutir (outra vez) a questão do subsídio, mas sim desta última afirmação. A leitora (que assina como Maria Dolores) afirma implicitamente, que se existe algo que não é moral, mas que, está dentro da lei, então é válido e deve ser respeitado. Lendo o comentário, comecei a refletir sobre isto, sobre o quantas pessoas pensam da mesma forma: a de que algo que é previsto por lei deve, automaticamente, ser aceito. Esta senhora não foi a única que me disse algo assim. Lembro de advogados sorridentes por ganharem uma causa eticamente injusta, se arrogarem de que “eram as regras do jogo”. Posso entender o motivo daqueles advogados, uma vez em que ganha a causa estava garantido o seu honorário, também “entendo” o motivo da Dna. Maria Dolores que parece ter muita admiração por um vereador. Mas não posso aceitar estas visões. Ocorre que a lei é um acordo social que busca a regulação de atitudes coletivas e individuais, defendendo interesses e protegendo direitos. No entanto, o que se entende por direitos e interesses é algo dinâmico, que muda através dos tempos e, espera-se, deve mudar sempre em direção a um conceito mais amplo de justiça e igualdade. A lei não é algo imutável e nem necessariamente correto. Ela está sujeita à evolução, dependendo daquilo que consideramos justo, correto e ético. Ética, por sua vez, que costuma ser considerada similar ao conceito de moral, significa um conjunto de valores que determina um comportamento de respeito, tanto em relação aos indivíduos quanto em relação à sociedade. Se acreditamos, por exemplo, que todos tem direito a vida, à liberdade e a igualdade, então determinamos nossas atitudes diárias frente a estes valores. Para alguns estudiosos, a diferença entre ética e moral está no fato de que a ética é a moral refletida, ou seja, os valores éticos são aqueles que determinamos racionalmente, depois de refletirmos sobre o assunto, já a moral seriam os valores coletivos herdados, que aprendemos desde crianças, mas não refletimos sobre eles, apenas os reproduzimos. Seja como for, ética e moral também são dinâmicos, também mudam de acordo com a evolução da sociedade. O que no passado, em outras sociedades foi considerado ético ou moral, mudou através dos tempos e com o acúmulo de conhecimentos da humanidade. No entanto, a lei propriamente dita, deriva da ética e da moral. Os valores das sociedades antigas eram passados oralmente, e, no momento em que estas evoluíram e cresceram, vão se tornando escritas, determinadas através do que chamamos “leis”. Desta maneira, a legislação é  organizada, racionalizada e escrita a partir de valores morais e éticos. O que significa que a ética está, então, na origem da lei e é anterior a esta, é sua base e sua razão de ser.

Agora, voltemos a Dna. Dolores. A ética (e a moral) são, então, anteriores às leis e devem orientar, dentro de um conceito de evolução e ampliação de direitos e garantias, a confecção das leis. Sendo assim, Dna. Dolores, algo que não é “moral, mas é legal”, está errado e precisa ser modificado. Em geral, quando acontece da lei contrariar a moral e a ética, ela foi feita ou dentro de uma noção atrasada de sociedade ou por um grupo específico de pessoas que desconsidera os direitos da maioria. As leis medievais, por exemplo, tinham muito das duas coisas. Eram leis que se baseavam em conceitos obscuros e supersticiosos e, ao mesmo tempo, defendiam os interesses de um grupo sobre os demais. Dos nobres sobre a população comum, os chamados plebeus. Eram leis que, hoje, chamaríamos de “injustas”, já que não ampliavam os direitos a todos os seres humanos. O Iluminismo, com suas idéias de direitos naturais dos seres humanos, de igualdade, fraternidade e liberdade, contribuiu para a criação das leis modernas no momento em que modificou padrões éticos antigos. Foi uma evolução no processo de criação de uma sociedade justa e harmônica. Este processo, por sua vez, não acabou ainda. Está em evolução, e deve se pautar no constante desenvolvimento do que chamamos, então, de moral refletiva, os valores éticos.

Se, no entanto, nos atemos somente ao que chamamos “legal” ou que está dentro da lei e, portanto é permitido, então estamos negando o progresso e, pior, talvez estejamos apenas defendendo um privilégio que alguns poucos conseguiram impor aos demais. O que é legal, Dna. Dolores, muitas vezes está em grande contradição com o que é ético e moral. Quer um exemplo? Há pouco mais de cem anos era “legal” escravizar alguém no Brasil e, na medida em que os padrões éticos se modificaram e se impuseram, a lei mudou. Da mesma forma, mais recentemente, por uma série de fenômenos, na Alemanha nazista era “legal”, tomar a propriedade, os direitos e, mais tarde, a vida dos judeus e de outros indesejáveis ao nazismo. Se colocamos a lei acima da ética, então ninguém deveria questionar o nazismo, uma vez que, na Alemanha e nos países por ela conquistados, isso fazia parte da lei. Para encerrar, Dna. Dolores, devo dizer que num país pobre, com muitas demandas, não me parece ético nem moral que legisladores tenham salários muito altos e grandes privilégios. No entanto, aqui e em outros lugares do Brasil isto é legal. Cabe a nós questionarmos quem fez esta legalidade e por quê. E cabe aos legisladores acatarem, primeiro, aquilo que é ético para então fazerem as leis, caso contrário, às farão para si próprios e para seus “amigos”.

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