Coluna da Carla. Carta à Cristina Sanchez em resposta ao seu artigo neste blog: “Visões Estrangeiras. Piracicaba (e Brasil) na visão de uma espanhola”.

Posted on 5 de agosto de 2013 por

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carta cristina

Como vai?

Estou impressionada com sua redação no artigo aqui neste blog! Há erros, é verdade, mas eu os corrigiria como a revisora de um livro e não como a professora de um adolescente e esta sua preocupação em conhecer nosso idioma tão bem já demonstra seu respeito e carinho por nosso país. Meu coração foi acariciado. Agradecida.

Morei 3 anos em Portugal antes do advento da União Européia. Não sei se é tão simples supor que a razão da hospitalidade caseira seja a falta da hospitalidade citadina, de uma cidade que não oferece atrativos exteriores.

Sou de São Paulo, capital, uma cidade bem maior que Piracicaba e há 10 anos moro aqui. Também estranho não haver parques e pracinhas com brinquedos, areia, parquinho e principalmente com mães e seus filhos, crianças e suas babás, crianças e um responsável, jovens andando de skate, de bicicleta.

Em São Paulo tive uma infância bem mais sociável, com menos medo e mais liberdade de ir-e-vir e de brincar na rua que meus filhos em uma cidade no interior do estado de São Paulo. Parece um detalhe, mas interfere sobremaneira nas relações sociais. Quando morei em Portugal, em Cascais, o prédio se assentava em um terreno inclinado, o que resultava em janelas altas na frente e janelas quase na altura da rua nos fundos e nenhuma delas era fechada por medo de assaltos. O medo é um personagem brasileiro familiar a todos e que já faz parte do nosso cotidiano. Menor nas pequenas cidades e incomensurável nas grandes. Recém divorciada, às vezes, penso em retornar a São Paulo, capital (“Quem sai da terra natal em outros cantos não pára”, da composição de Luis Gonzaga na música “Último Pau-de-Arara”), mas menos que o trânsito caótico e o custo-de-vida da metrópole de nosso estado, o MEDO é o que me faz ficar pelas conseqüências desastrosas no emocional que ele traz, ainda que a pessoa nunca tenha sofrido uma violência ou tenha sido vítima de um crime. O MEDO acompanha, convive, toma café-da-manhã, assombra seus filhos e é um fantasma mais real no cotidiano que a pedra dura da calçada esburacada da qual você tem que desviar. Isto a Europa não sabe bem o que é. Viver em alerta e desconfiança! Isto faz mais diferença do que possa imaginar a nossa vã filosofia. Imagino que você goze de tranquilidade na Espanha.

Chamou-me muito a atenção em Portugal os “amigos-dos-copos”, usando a expressão portuguesa. Os amigos que não vêem a sua toalha da mesa, nem a cor da sua pia, mas se encontram nos bares. Muito mais que os locais onde morei no Brasil (São Paulo, São Vicente, Ribeirão Preto e Piracicaba, todas no estado de São Paulo), em Portugal o encontro é na rua, é nos bares, é nos restaurantes (tascas portuguesas, cantinas italianas e bistrôs franceses). A rua é uma festa, é para as piadas, as brincadeiras e as conversas sérias que falem do mundo exterior, da situação política/econômica, dos esportes, enfim, não se conversa sobre problemas pessoais, familiares, sentimentais. Creio que estamos ficando parecidos e isto me incomoda.

Havia uma vizinha e amiga com quem a amizade se fortaleceu mesmo além-mar, embora pouco mantenhamos contato. Esta amiga tinha outra amiga que estava passando por um difícil e complicado processo de separação. Emagrecia a olhos vistos. Enquanto ela viveu a sua questão particular não houve visitas, telefonemas, nenhuma menção de amparo ou consôlo. Já refeita e retomando as saídas com os “amigos-dos-copos”, no apartamento que eu residia, a minha vizinha e sua amiga trocavam confidências, impressões e aconselhamentos. E eu observava entre dar um palpite e outro. Estranhei esta falta de proximidade no momento da crise! Quando me divorciei, recebi visita de pessoas que nunca mais vi, mas amparou meu choro e confortou meu desespero.

Outra diferença que gritou aos meus olhos foi a não necessidade de seguir a moda  como algo premente e necessário (diverso do que fazemos). Passei 3 verões em Cascais, cidade turística para onde afluem ingleses, noruegueses, alemães, dinamarqueses e outros. Nas fotografias não há diferença entre o verão passado ou o retrasado: o mesmo sol, as mesmas alegres expressões, os mesmos trajes de banho, as mesmas bermudas, os mesmos…, as mesmas… A vestimenta é mais formal. Quando fui, aqui no Brasil estava na moda aqueles conjuntos de moletons coloridos em tons pastéis, o que para os moradores de Portugal era sair na rua com pijama. Que vexame ao lembrar! Por serem mais clássicos e formais, as roupas estão sempre na moda e para a maioria esta questão é de menor importância, bem menor. Lamento que valorizemos tanto este consumismo desenfreado das roupas e sapatos!

Eu responsabilizo a estabilidade financeira e os salários serem mais compatíveis com o lazer o fato de os europeus passearem tanto, frequentarem cafés, lanches, restaurantes com mais frequência. Eu mesma saía, ao menos semanalmente, com meu marido para jantarmos fora. Hoje em dia…

Cristina, querida, você faz uma observação que de tanto estar impregnada em nosso cotidiano, nós não a notamos: a tremenda influência dos Estados Unidos em nosso modo de viver. Assisti filmes policiais e seriados maravilhosos italianos, dinamarqueses e ingleses. São atitudes, frases, modos diversos de viver a vida e de encará-la.

Essas diferenças existem, deixo ao sabor dos sociólogos explicá-las. Prefiro citar o Chicó, persongem de Ariano Suassuna em “O Auto da Compadecida”: Não sei, só sei que é assim.

Clodovil Hernandes, por quem nutro pouca admiração, acertadamente dizia que precisávamos viajar ao exterior para “olhar” nosso país “de fora” e valorizá-lo na comparação com a vivência no exterior. É verdade, apesar de admirar certas qualidades dos europeus, só aqui me sinto “em casa”, mas –mais do que isto- aprendi a importância da solidariedade e da amizade, do pão-de-queijo e do guaraná (o refrigerante), do arroz com feijão, da ternura com que tratamos as crianças, os jovens e os idosos, da nossa alegria, principalmente da nossa alegria e amorosidade!

Os apontamentos em seu artigo são permeados de carinho e emoção, analisados com a condescência de quem vê as diferenças e as admira. Grata pela sua generosidade de alma!

 

Nascida com o nome Carla Ramos Bettarello, adota o Betta e assume-se como Carla Betta, pela invenção de um amigo. Mais tarde, descobre que seu pai era conhecido assim em seu tempo de faculdade. Mãe coruja assumida de um casal maravilhoso e lindo de filhos. Conta e se encanta com as histórias: objeto de estudo e prática artística.