Crônicas de Telópoli. A Mídia Ninja e o Fora do Eixo:Cangaço e Cagaço Nacional

Posted on 19 de agosto de 2013 por

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Eu e Dani Backer

Vivemos um momento muito especial, penso, tanto no Brasil quanto no mundo, principalmente no que diz respeito às tecnologias de informação e socialização. Os homens criam as máquinas e as máquinas recriam os homens:agora vivendo no tempo pós-Matrix, o espaço se torna flexível, as experiências morais, éticas, econômicas e sociais ganham em profundidade e em complexidade.

Já diria Murilo Mendes no poema “Overmundo” de 1947:

 

(…)

 

“Overmundo, Overmundo, que é dos teus oráculos,

Do aparelho de precisão para medir os sonhos,

E da rosa que pega fogo no inimigo?”

 

Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante,

Que anda, voa, está em toda a parte

E não consegue pousar em ponto algum.

Observai sua armadura de penas

E ouvi seu grito eletrônico.

 

“Overmundo expirou ao descobrir quem era”,

Anunciam de dentro do castelo na Espanha.

“O tempo é o mesmo desde o princípio da criação”,

Respondem os homens futuros pela minha voz.

 

E eis que Overmundo inspira o nome de um site que promove a cultura brasileira: música, literatura, espaços de multiplicação artística e cultural; mesclando a ideia quase que punk do “do it yourself” você, leitor, é dragado pelas páginas e convidado a ler, opinar, escrever, apresentar, enfim: divulgar o seu trabalho e o de outros. Consolida-se com a internet a possibilidade dos espaços não físicos, múltiplos, nos quais o artista e/ou comunicador social contribui para a construção de lugares de cultura nômade, acéfala, anárquica. Quem quer contribuir e participar, ótimo (não garantimos remuneração, faça porque quer, faça porque gosta), se não quiser participar, também beleza… Mas o que se ganha? Visibilidade nacional, conhecimento prático e técnico, relações sociais, divulgação de seu trabalho (de sua banda, de seu livro)… A internet se tornou um lugar de experiências coletivas no qual a cooperação rege as relações: a galera divulga seu trampo e você trampa quando a galera precisar. Desmonetarização? Cooperativismo? Socialismo? Anarquismo? Parece um pouco de tudo isso, mas não só.

Páginas como Overmundo, a da Mídia Ninja e das Casas Fora do Eixo… tudo isso faz parte de uma só – ainda que múltipla – organização: o centro desse “não eixo” são, principalmente, os espaços FdE (as casas Fora do Eixo) são espaços coletivos em que artistas, comunicadores sociais, jovens em geral moram e/ou frequentam e, a partir dali compartilham experiências, trabalhos e demais projetos culturais que são financiados ou pelo dinheiro de investimentos governamentais (municipais, estaduais e federais) ou por parcerias com empresas privadas: segundo um de seus fundadores Pablo Capilé, os financiamentos são oriundos de múltiplos lugares, inclusive da renda de shows e de eventos produzidos pelos próprios membros dos coletivos e – eis a grande sacada – esse recurso acaba sendo “multiplicado”: o que entra de grana é do coletivo e financia os projetos coletivos, ou seja: você trampa para o coletivo e o coletivo trampa para você… Moral da história: muito dos pagamentos são realizados com “cards” uma moeda dos espaços FdE que são aceitos em estabelecimentos cadastrados: restaurantes, lojas, brechós, etc. Capilé reinventou a roda (e alguém tinha que ter tido essa sacada)! – Se a gente pode trabalhar com fraternidade, cooperação e comunicação, temos muitos dos benefícios que precisamos advindo de permuta: bares de Sampa, do meio underground podem, creio, receber “cards” em troca de parcerias: mobilizando muitos jovens comunicadores e comunicativos dos 17 aos 35 anos,os coletivos Fora do Eixo possuem um público alvo altamente desejável, capaz de viabilizar comercialmente uma marca, um produto.

Também cooperativamente funciona a Mídia Ninja, que já existia faz bom tempo e que, entretanto, foi a grande estrela das manifestações de julho, deste ano de 2013… “Ninja” é uma sigla: “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”. Nome mais feliz, impossível: os ninjas eram comunidades independentes no Japão feudal e trabalhavam como espiões para diferentes Daimyôs (denominemos, por simplificação, de “Coronéis”). Nosso mundo contemporâneo permite um tipo de analogia para facilitarmos a compreensão: se os Samurais fossem organizados jagunços comandados por poderosos Coronéis, os Ninjas seriam vários bandos de Lampiões atacando e sendo atacados (por Samurais), lutando por suas vidas e costumes: amados e venerados por muitos e hostilizados e enxotados por outros. Ficou em dúvida quem é bonzinho e malzinho nessas histórias-antropológicas que mesclam o Japão Feudal ao Brasil Cangaceiro?

 

Ótimo!

 

Agora você pode entender a Mídia Ninja e as demais articulações político-sociais dos Fora do Eixo. Não se trata de dizer que ela seja santa ou bandida, mas, a meu ver, ela traz sim algo de muito mais rico ao tradicional mundo do jornalismo e da informação. Ela não se diz imparcial, ela não se quer “arauto da verdade” (expressão do Próprio Capilé em entrevista ao Roda Viva no dia 05 desse mês). Há que se assumir sua parcialidade, ter claro seu lugar de discurso e a partir dele partir para o debate. Segundo Capilé e Bruno Torturra, a transparência da informação vem da objetividade o que implica nessa tranquilidade em se posicionar politicamente: daí o jornalismo como ação.

A mídia ninja foi (e ainda é bastante) a voz das manifestações, não porque se pretenda totalizante, mas porque estava no lugar do fato, na hora do fato, mas não escondida e sim participativa mostrando-se como bunker móvel dos manifestantes diante da repressão do Estado: os ninjas descolavam até assessoria jurídica, médicos e mais que isso… protegiam os manifestantes com as câmeras (já que policial violento morre de medo de uma câmera).

 

Entendido que nossa mídia está no tempo do Brasil medieval, ainda? É o que podemos ver na entrevista com Capilé e Torturra no programa Roda Viva: em vários momentos os senhores ali sentados se debatiam e babavam querendo entender se o que os ninjas faziam era, mesmo, jornalismo. Não conseguiam compreender a política econômica dos FdE que trabalham na lógica da cooperação e da multiplicação de recursos (o cara que faz uma “arte digital” para um coletivo, faz para 10… a lógica é da cooperação e não da acumulação)…

 

Moral da história: o problema para além do cangaço é o cagaço.

 

Cagaço, ou simplesmente “medo” é o que marcava a entrevista dos aturdidos senhores da comunicação velha e teocrática, sem compreender que a realidade de vínculos virtuais é tão real ou mais que as dos espações empresariais tayloristas. A lógica não é mais da empresa, é da rede. As novas gerações estão aprendendo com a rede de computadores não só no que diz respeito ao seu conteúdo de compartilhamento, mas com sua forma de compartilhamento. Não se trata de romantismo, como quem quer dizer que o modo tradicional de se fazer jornalismo simplesmente morreu, mas é preciso apre(e)nder que o sistema empresarial taylorista não é mais o único modelo (veja o caso da compra do Washington Post: foi a Amazon, do Kindlereader, que a comprou!).

E o cagaço vem porque os mais tradicionalistas começam a ver que o sistema operacional de suas cabecinhas não sabe operar com softwares-sociais mais elaborados e ágeis… Há de haver, oxalá, uma central de upgrade intelectual para eles! (com ressalvas importantíssima ao Sr. Alberto Dines que, o mais veterano de todos os entrevistadores do Roda Viva – 82 anos e fundador do site Observatório da Imprensa – estava surfando tranquilo na onda dos entrevistados e, sem bater de frente, aprendia, curioso e ágil… Como um Samurai diante de Ninjas).

 

E o cagaço se propaga (porque comunicação é poder) no quesito ideologia: os entrevistadores do programa queriam, a todo custo, atrelar toda a complexa rede FdE ao PT: ébrios de pensamentos conspiratórios (o que eu chamo de “síndrome de Pink e Cérebro”) almejavam reduzir Capilé a um braço ideológico sustentado pelo PT. Não é o que temos na reportagem semanal da revista mais imparcial deste país? ARevistaVeja saiu nesta semana com um lindo artigo neutro, imparcial e em cima do muro denominado “O Ninja do PT”, enquanto que coincidentemente, na mesma revista, publicavaum artigo sobre o cartel do Metrô em São Paulo:já nesse artigo, entretanto, não há foto destacando nenhum dos tucanos e o título diz que o “acerto”era escândalo europeu que migrava ao Brasil depois de sete anos… Viva nossa imprensa ilibada!

Na reportagem sobre Capilé, além de meras suspeitas levianas como “Capilé tem uma foto com José Dirceu”, a revista coxinha deixa claro seu medo: afirma que alguns desses trabalhadores não remunerados das casas FdE “deixaram seus filhos para viver na comunidade”, ou seja: eis os comunistas comedores de criancinha que devoramnossa doriânicafamília brasileira.(Destacam, inclusive, seus costumes selvagens: até as roupas seriam de uso coletivo).

O cagaço é o pânico burguês, coxinha, incapaz de admitir a existência do outro, de novas relações de comunicação e de (re)criação do real. Não se trata de endeusamentos, mas de percebermos que para além de nossos costumes e tradições, o inesperado sempre há de apontar…

…Que venha, sem anteparos, o cavaleiro do mundo delirante!

 

Mídia Ninja no Roda Viva

Site do Fora do Eixo:

http://www.foradoeixo.org.br

 

Mídia Ninja:

https://docs.google.com/document/d/1V9-R8rQdIx3SVuFO28fsXZG0LBRVhMWuU1CDI7M4Ww0/pub#id.3frcm5lv6fs8

Fábio Casemiro