O Vereador e a vaga hospitalar. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 28 de agosto de 2013 por

3



grade camara

Segundo o Jornal de Piracicaba, na quarta feira, dia 21 de agosto, o vereador João Manoel dos Santos teria discutido com funcionários e um médico da Unidade de Pronto Atendimento Frei Sigrist. O motivo da discussão girou em torno de uma vaga de internação para um paciente, que, de acordo com uma enfermeira e o médico de plantão, teria sido “prometida” à família do doente pelo vereador. A família, que é “conhecida” do vereador, conforme declarações dele próprio, foi ao Pronto Socorro e requisitou a “prometida” vaga e lá, corretamente informada pelo médico, de que vereadores não tem direito de pedir vagas ou conseguir internações e que a decisão de internar cabe à central de vagas de acordo com critérios clínicos.  O médico teria afirmado que políticos que prometem vagas estão mentindo e que em geral as famílias acreditam e, mais tarde, quando a vaga é concedida, atribuem-na ao vereador. Diante da resposta, os familiares teriam entrado em contato com João Manoel e este foi a UPA cobrar esclarecimentos, uma vez que interpretou a fala do médico como uma ofensa.

Ainda segundo a reportagem, uma enfermeira declarou que o vereador teria dito que iria abrir um Boletim de Ocorrência contra o médico e que, se isto acontecesse, ela, enfermeira, seria testemunha de defesa do médico. Como se pode notar, pelo uso exaustivo do verbo “teria”, o caso ainda está em aberto e quem disse o quê e como e quem prometeu o que e como, são fatos a serem apurados. Porém, no dia seguinte, na tribuna da Câmara Municipal, João Manoel se referiu ao acontecido e afirmou que procuraria o Secretário de Saúde a fim de pedir providências.

Eu não sei que providências o vereador vai pedir, nem se abriu o B.O ou mesmo se tudo aconteceu desta forma mesmo. Vou aguardar o desfecho do caso. Porém, de uma coisa eu tenho certeza: a prática de se conseguir internações através de “favores de políticos”, é extremamente comum em nosso país e, via de regra, é uma ferramenta poderosa para a reeleição dos mesmos políticos. No fundo, é a velha manutenção do “curral eleitoral”, que na primeira república se fazia com ordens dos “coronéis” e agora se faz negociando em privado aquilo que é público.

E não são somente internações. Praticamente tudo o que é (ou deveria ser) público e ocupado ou utilizado por critérios públicos e transparentes, acaba sendo “moeda de troca” nas mãos dos nossos políticos. Empregos, cargos, transferências de funcionários públicos de uma cidade para outra, aposentadorias, atendimentos burocráticos, nomeações, retirada de documentos, “filas furadas” e mais uma infinidade de itens que, em tese, são ou direitos do cidadão ou mérito de quem tem este direito (no caso de uma transferência ou nomeação, por exemplo). O resultado é conhecido. Uma pequena minoria de pessoas obtém serviços na frente dos demais ou benefícios indevidos ou ainda “fora de hora” ao passo que a grande maioria padece da falta dos serviços do é protelada em seus direitos.

Claro que do ponto de vista dos “neo-coronéis” e dos “chefetes políticos”, o sistema é eficiente. Tanto que muitos políticos estão no poder há décadas e tudo o que fazem é manter a “máquina de privilégios e atravessamentos” funcionando. Cada mísero beneficiado replica os votos por dez, entre sua família e amigos e com isso, mais o nosso sistema eleitoral de legendas que permite ao um candidato se eleger com sub representação, o político se (re) elege. Esta tragédia nós todos conhecemos. Você nunca ouviu ou presenciou um fato deste tipo? Eu não só presenciei como já ouvi de pessoas diversas (alguns de quem até gosto) que o havia feito e que isso era “normal”. Uns defendendo a “normalidade do privilégio” por uma visão destorcida de democracia, argumentando que esta seria a “função dos políticos: ajudar a população”. Bem, a função deles não é de “ajudar”, mas de prover, defender e fiscalizar direitos. Quem precisa de ajuda são os incapazes, e um povo todo não é incapaz. Outros defensores dos privilégios, argumentam de maneira mais realista (e cínica), afirmando que buscaram os políticos porque esta seria “a regra do jogo”. Cheguei até a ouvir que eu próprio nunca iria “subir na vida falando mal de políticos”.

Estou cheio de dúvidas. Não sei se “falo mal de políticos”, penso que os cobro, o que é diferente. Não sei se vou subir na vida, depende do que isso significa. Se for “puxar sacos para obter vantagens”, não vou mesmo. E também não sei qual foi a real situação que envolveu João Manoel dos Santos, a família do paciente e os médicos e funcionários. Aliás, convido publicamente aqui todos eles, João Manoel, o médico João Scarazatti e a enfermeira Márcia Toledo para, se quiserem, apresentarem neste Blog suas versões.

Mas sei de uma coisa. Enquanto esta prática de “arrumar vagas” e furar filas, tão comum no Brasil,  continuar sendo um instrumento de ganho de votos, os direitos da população continuarão “privatizados” pelos políticos, nós não teremos uma real democracia e, pior, os serviços públicos talvez sejam sempre mantido abaixo das reais necessidades, garantindo aos candidatos e políticos uma “mercadoria rara” que eles podem “negociar” em troca de votos. Mais ainda, sei que, enquanto a população acreditar neste tipo de “privilégio” ou “jeitinho”, continuará sendo pouco mais do que gado eleitoral ou escravos da senzala, esperando “migalhas” dos coronéis e dos senhores de engenho. Você quer ser isto ou ser um cidadão?

Posted in: Artigos